Uma aposta bilionária do governo do peruano no gás natural, com ampla participação de empresas brasileiras, tem sido alvo no país de críticas e questionamentos, que apontam para o risco de o projeto se tornar uma obra "importante do ponto de vista social", mas sem vantagens econômicas para o país.
O plano contempla a construção de um gasoduto de 1.300 km, ligando o campo de Camisea à cidade de portuária de Ilo, no sul do país, onde o presidente Ollanta Humala pretende criar primeiro pólo petroquímico da costa latino-americana do Pacífico.
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O chamado Gasoducto Sur Peruano será construído por um consórcio formado pela brasileira Odebrecht e a espanhola Enagas, que assinaram na semana retrasada um contrato de US$ 3,6 bilhões relativo às obras.
Boa parte das incertezas, segundo os críticos do projeto, está relacionada à construção da petroquímica em Ilo, a ser executada pela também brasileira Braskem. A empresa assinou em 2011 um memorando de entendimentos com a estatal PetroPerú para fazer análises técnicas e econômicas sobre o projeto. Mas segundo apurou o Valor, essa obra segue em fase inicial de análise e não aparece entre as prioridades da Braskem.
Segundo fontes com conhecimento do tema, a petroquímica demandaria investimentos de US$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões. Se ela não sair do papel, o que um dia já foi chamado de "projeto integrado do gás peruano", perde boa parte de seu sentido.
Os esforços da Braskem, neste momento, estão voltados à conclusão de um complexo petroquímico no México, à avaliação da viabilidade de investimento em um complexo de gás de xisto nos EUA e, por fim, a alcançar uma definição sobre o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).
Analistas afirmam que o boom do gás do xisto, nos EUA, pode anular boa parte da vantagem de se construir uma petroquímica Pacífico sul-americano com vistas ao mercado asiático. Porém, o alto conteúdo de etano do gás peruano pesa a favor do projeto.
O gasoduto a ser construído pelo consórcio Odebrecht-Enagas não prevê o envio em separado do etano, principal insumo da petroquímica. As empresas têm dois anos para exercer a opção de construir um poliduto, em paralelo ao gasoduto, para levar o etano até Ilo, por um valor estimado de US$ 2,3 bilhões.
"Estamos buscando uma equação financeira e acreditamos que vamos definir antes [de dois anos sobre exercer a opção de construir o poliduto]", disse ao Valor o brasileiro Luiz Cesar Lindgren Costa, gerente-geral do Gasoducto Sur Peruano. "Do ponto de vista financeiro, é mais vantajoso construir ambos os dutos em paralelo do que construir um e depois o outro."
No meio do caminho, o gasoduto deve abastecer uma série de centrais termelétricas, que já estão em construção ou que hoje operam com outros combustíveis. O governo já tem contratados 1.440 MW nas novas centrais em construção. Enquanto que a "reserva fria", as usinas que hoje operam hoje a carvão ou diesel, deve agregar mais 550 MW ao sistema.
Um dos maiores críticos ao projeto em seus moldes atuais é Carlos Herrera Descalzi, que foi ministro de Energia e Minas no início do mandato de Humala, entre julho e dezembro de 2011.
Herrera vê o projeto como "pouco seguro", apontando incertezas principalmente sobre se haverá oferta suficiente de gás para abastecer as residências e as termelétricas no sul do país e a petroquímica em Ilo, e ao mesmo tempo exportar energia para o Chile.
Humala ambiciona também vender eletricidade para o país vizinho, que tem a energia mais cara da América Latina, e a integração com os dutos de gás da Bolívia, já preocupada com a futura autossuficiência de Brasil e Argentina com os campos que estão sendo desenvolvidos nos dois países.
Segundo Herrera, além de a construção do poliduto ainda não estar assegurada, o etano terá que chegar à petroquímica vislumbrada pela Braskem a preços competitivos, "e isso requer intervenção do Estado". Em sua opinião, se a petroquímica não sair do papel, o projeto será um "semifracasso".
"O gasoduto satisfaz uma demanda social, que é levar o gás aos consumidores do sul do país, e aumentar a segurança energética", afirmou. "Mas tenho dúvidas sobre seu êxito econômico."
Para ele, "seria muito triste que o êxito econômico do projeto se justificasse com a exportação de energia para o Chile". "Essas são reservas estratégicas para o Peru."
Pelos seus cálculos, o consumo médio de gás no país deverá saltar de 0,2 trilhões de pés cúbicos (tcf) para 0,5 Tcf por ano após a conclusão do gasoduto. Como os campos de Camisea têm reservas comprovadas de 10 tcf, isso seria o suficiente para garantir o abastecimento do país por no máximo duas décadas. "A menos que se encontrem novas reservas significativas, seria impossível exportar energia", disse, explicando que pela lei peruana só é possível exportar excedentes levando-se em conta o consumo estimado para o país nos próximos 20 anos.
Herrera também se diz cético com relação à integração com a Bolívia, que teria como finalidade a exportação do gás boliviano para o mercado asiático. "Hoje, o preço do gás peruano é competitivo. Mas com o evento do gás de xisto, nos EUA, pode derrubar os preços do gás nos próximos anos", afirma
Para ele, além disso, as reservas bolivianas estão declinando, o que tornaria "de alto risco" um investimento desse porte.
Lindgren Costa, porém, argumenta que somente as termelétricas que o gasoduto encontrará em seu trajeto devem consumir cerca de 500 milhões de pés cúbicos diários de gás. "Essa é exatamente a capacidade mínima que o cliente [governo peruano] considerou no contrato de concessão", afirmou.
Segundo ele, somado o interesse de empresas com interesse em consumir o gás do gasoduto do sul, a demanda pode chegar rapidamente a 850 milhões de pés cúbicos diários. Lindgren Costa diz ainda que a construção do poliduto não é a única alternativa para viabilizar a petroquímica em Ilo. A outra seria construir na região uma planta para a separação do gás. "Esse é um debate que se trava atualmente no país", afirmou.
Fonte:Valor Econômico\Reuters\Fábio Murakawa e Stella Fontes | De São Paulo