Só deu China na imprensa brasileira nos últimos dias. A presidente Dilma Rousseff esteve lá durante quase toda a semana passada e, logo depois, veio o Grande Prêmio de Fórmula 1 de Xangai.
A China está na moda, não há nisso novidade alguma. Vai ficando cada vez mais explícito, porém, o esforço chinês para solidificar seu papel de liderança mundial. Pequim passou a usar de maneira estratégica a invenção do economista Jim O'Neill em seu trabalho profético "Building Better Global Economic Brics", para a Goldman Sachs, em 2001.
O domínio chinês na reunião dos Brics da semana passada, em Sanya, foi citado pelo jornalista Jamil Anderlini, do "Financial Times", em artigo também publicado pelo Valor. Ele indicou traços subliminares da caneta chinesa no documento final assinado pelo bloco. Lá estava, por exemplo, a frase "o século XXI deve ser de paz, harmonia, cooperação e desenvolvimento científico". Nada demais, uma frase que poderia aparecer em qualquer documento internacional, pelos valores que evoca. Mas a canetada chinesa, segundo Anderlini, ficou explícita porque "harmonia" e "desenvolvimento científico" são slogans políticos comumente usados pelo Partido Comunista em suas mensagens domésticas.
Em documento que cita até a Copa, a China tirou o câmbio
O jornalista do Valor Sergio Leo, que cobriu a reunião em Sanya, viu um certo exagero na conclusão de Anderlini, por considerar natural encontrar em documentos dessa natureza "as impressões digitais" do país anfitrião, sempre responsável pelo texto-base. O texto final, inclusive, tem o dobro do tamanho originalmente sugerido pela China.
De qualquer forma, mais importante do que aquilo que pôs no texto foi o que a China tirou dele. Num documento amplo, que expressou confiança até no sucesso da Copa de 14 e da Olimpíada de 16, não houve nenhuma menção ao problema cambial enfrentado pelos demais Brics, em parte por causa da política chinesa de manter desvalorizada sua moeda. Por conta dessa política, a China firma cada vez mais sua posição de fornecedor mundial imbatível de manufaturas.
Estão se materializando com grande folga as proféticas previsões para o crescimento da China feitas por O'Neill e complementadas por projeções detalhadas no trabalho "Dreaming Whit Brics: The Path to 2050", assinado por Dominic Wilson e Roopa Purushotaman em outubro de 2003.
Se a China tivesse crescido da maneira prevista pelos economistas do Goldman Sachs, o PIB desse país só ultrapassaria o do Japão em 2015 e atingiria 40% do americano em 2019. Esses dois objetivos, porém, já foram alcançados no ano passado, quando a China se tornou a segunda maior economia mundial, com um PIB de US$ 5,7 trilhões, que já ultrapassou o do Japão e está próximo de ser o dobro do alemão.
Além do prestígio decorrente de seu próprio avanço, os chineses podem usar o bloco criado pelo sonho de O'Neill para acelerar sua chegada à liderança global. O acróstico Bric ganhou um "s" para saudar a entrada da África do Sul no bloco. Embora tenha uma economia pequena quando comparada com as dos demais Brics - um PIB de US$ 354 bilhões em 2010 -, esse país adquiriu importância estratégica para a China na África em razão dos grandes interesses asiáticos de expansão de investimentos no continente.
Para a China, mesmo sendo sozinha a segunda maior economia do mundo, tornou-se importante a companhia dos demais Brics. O grupo original formado por Brasil, Índia e Rússia, além da China, somou no ano passado um produto interno bruto conjunto de US$ 10,5 trilhões, equivalente ao de Japão, Alemanha e França juntos. Unido, esse bloco econômico liderado pela China começa a fazer sombra para os Estados Unidos, cujo PIB atingiu US$ 14,6 trilhões no ano passado, e para a própria União Europeia, com US$ 16,1 trilhões.
Passada uma década, portanto, a "profecia" de O'Neil, que parecida ousada demais no início do século, começa a se mostrar conservadora. Ao apresentar suas projeções detalhadas em 2003, Dominic Wilson e Roopa Purushothaman, na verdade, imaginaram uma corrida de crescimento de produção entre dois grupos econômicos, os Brics e o G-6, este composto por Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido e Itália. Nessa corrida, o conjunto dos Brics se aproximaria a cada ano do bloco concorrente até ultrapassá-lo em 2039.
Pelo que se viu no fim da primeira década do século XXI, os Brics correram mais depressa do que esperavam os sonhadores economistas da Goldman Sachs (ver gráfico). Em 2001, os Brics tinham 11,6% do PIB conjunto dos dois blocos concorrentes. Pelas projeções apresentadas no trabalho, teriam 17,9% em 2010. Mas, na realidade, alcançaram 25,8%, um desempenho muito superior ao esperado.
Se o tamanho das economias vai significar mais poder político na esfera global é o que se verá nas próximas décadas. Os Bric originais, agora com a companhia da África do Sul, têm poucas convergências políticas, embora apresentem alguma complementariedade em matéria de produção. A força do bloco, porém, se vier a ser usada nos fóruns internacionais, será grande. E poderá ser exercida muito antes do que previram os formuladores do acróstico que lembra a solidez do tijolo.
Fonte: Valor Econômico/Pedro Cafardo
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