Problema do laudo da ANP, conhecido há dois meses, é motivo da postergação da capitalização para setembro.
Apesar de a Petrobras já ter garantido algumas questões importantes para poder levar sua mega oferta de ações ao mercado, a companhia anunciou ontem que a operação ficará para setembro, pouco antes das eleições presidenciais. Assim, a oferta ocorrerá justamente no período que a estatal queria evitar e, por isso, corria contra o tempo.
O motivo alegado pela companhia é o aguardo do laudo da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que pelo texto da lei que trata da capitalização deve assessorar a União na negociação referente à transferência dos 5 bilhões de barris à Petrobras - etapa chamada de cessão onerosa. A previsão é que o estudo fique pronto em meados de agosto.
O problema com o laudo da ANP não é novo. Em 30 de abril, a Petrobras havia comunicado que faria a oferta até julho apenas com o laudo contratado por ela e sem o estudo da agência - que seria feito depois. O texto da lei sobre a capitalização passou pelo Senado, há cerca de duas semanas, com a exigência de que a ANP participasse da operação apesar do conhecimento de todos os envolvidos sobre o atraso.
No mercado, já circulava há alguns dias o temor de um adiamento, por declarações de representantes do governo indicando essa possibilidade.
Mas enquanto aguarda a ANP, a companhia trabalha no modelo para a capitalização. Ontem, os acionistas aprovaram em assembleia o aumento do limite do capital autorizado para até R$ 150 bilhões. O conselho de administração da estatal ganhou autonomia para decidir fazer uma operação quando julgar melhor.
Se, por um lado, a operação foi adiada, por outro, ganhará agilidade quando puder ser lançada. A partir de agosto, passa a valer a nova regra da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que permite às companhias cujas ações em circulação no mercado somem, pelo menos, R$ 5 bilhões, obter o registro para ofertas públicas em até cinco dias úteis.
A oferta das novas ações será pública - para que acionistas de hoje e novos interessados possam comprar os papéis. No entanto, segundo o Valor apurou, os atuais acionistas terão prioridade não apenas para manter sua participação, mas também para elevá-la, antes que a distribuição seja aberta ao público em geral.
O modelo provável é semelhante ao utilizado pela construtora PDG. Os acionistas têm preferência para comprar as ações no aumento de capital e, caso haja sobras, elas são novamente ofertadas a esses mesmos acionistas - em modelo semelhante a um aumento de capital privado. Só podem comprar as sobras aqueles que previamente informarem seu interesse nesses papéis. Somente depois dessas duas rodadas é que a oferta irá ao público, para novos investidores.
Para garantir a prioridade a todos os acionistas, a oferta precisa ter três vezes o valor da subscrição da União - equivalente a, no máximo, 5 bilhões de barris de petróleo. Considerando o consenso de mercado de que os barris deverão ser avaliados entre US$ 6 a US$ 7, significa que só a parte da União varia de US$ 30 bilhões a US$ 35 bilhões. No total, portanto, o aumento de capital chegaria a mais de US$ 90 bilhões - o que, contudo, não é factível já que ultrapassava o novo limite autorizado do capital.
A Petrobras já havia estimado anteriormente que, independentemente do tamanho da operação, haveria uma demanda no mercado de US$ 20 bilhões a US$ 25 bilhões para as novas ações. De qualquer forma, uma quantia e tanto para um período próximo das férias do hemisfério Norte, o que levantava dúvidas sobre a viabilidade da captação, em especial, de uma tão alta quanto essa.
Com a demanda dos investidores limitada a um montante próximo desse citado pela empresa, quanto maior o total da oferta - incluindo a parcela da União -, mais aumenta a participação do governo no capital.
Há dois caminhos para o governo fazer isso. Um deles é fazer uma oferta de ações equivalente a três vezes o valor da cessão onerosa dos 5 bilhões e apostar que não haverá demanda suficiente dos minoritários e dos acionistas em geral para acompanhar a operação. Em um exemplo: a parcela do governo sai a US$ 30 bilhões, a oferta inicialmente seria de três vezes esse valor, mas existe demanda apenas para mais US$ 25 bilhões no mercado. No fim das contas, reduz-se o total de ações vendidas e o governo aumenta sua fatia.
Outra opção é não entrar, no primeiro momento, com os 5 bilhões de barris. O governo pode lançar, por exemplo, uma oferta com valor equivalente a três vezes 3,5 bilhões de barris, o que daria US$ 63 bilhões considerando o barril a US$ 6. A União aportaria sua parte para manter a fatia de 32% no capital e manifestaria a intenção de subscrever as sobras dos minoritários no valor que representasse o restante de 1,5 bilhão de barris, ou US$ 9 bilhões. Ao final da capitalização, governo teria colocado US$ 30 bilhões e o mercado a diferença de US$ 33 bilhões.
Do ponto de vista da análise de crédito, é fundamental saber quanto dinheiro novo entrará de fato na empresa por conta do Plano de Negócios 2010-2014, que soma US$ 224 bilhões, e demandará US$ 58 bilhões em dinheiro novo, seja ações ou dívidas.
Já o apetite do mercado dependerá do preço de venda das ações na capitalização. Até o dia 20 de abril, antes do acidente da BP nos Estados Unidos, era bastante presente entre os analistas a opinião que a Petrobras estava subvalorizada, comparada a suas pares internacionais. O desconto nos papéis era justamente resultado das indefinições quanto à capitalização. Os analistas contavam com esse desconto como parte da atratividade da oferta da empresa brasileira. Antes do anúncio da capitalização, a estatal valia US$ 170 bilhões. Hoje, mesmo depois de um ajuste positivo recente e significativo, vale US$ 158 bilhões.
Mas o acidente da BP reduziu as perspectivas positivas do setor com preocupações com segurança das operações, riscos e custo de seguros. Com isso, parte do apelo da Petrobras para essa operação foi embora junto com os milhões de litros de óleo que vazam no Golfo do México há mais de dois meses.
Fonte: Valor Econômico/Graziella Valenti e Fernando Torres, de São Paulo
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