A Petrobras admitiu, em documento entregue à Polícia Federal com data de 24 de setembro, que a necessidade de importação de nafta para atender ao contrato celebrado com a Braskem em 2009 trouxe prejuízo à estatal. As perdas, porém, não foram atribuídas à petroquímica ou ao contrato em si, mas a "uma alteração imprevisível do mercado de nafta, ocorrida após a celebração" do acordo.
A estatal faz, na resposta à Polícia Federal, uma referência velada à política de combustíveis baseada no congelamento dos preços da gasolina, implementada a partir de 2010, que ajudou a elevar drasticamente a demanda pelo derivado no país. Segundo cálculo do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), a Petrobras deixou de ganhar R$ 55 bilhões entre 2011 e 2014 por causa dessa política.
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De 2008 a 2012, o consumo de gasolina no país subiu 62%, enquanto o de etanol recuou 2%, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Para atender à procura crescente por gasolina, a Petrobras passou a direcionar cada vez mais nafta doméstica para o chamado "pool", mistura de gasolina tipo A, etanol e nafta que é vendida nas bombas.
Para o MPF, a suposta vantagem da Braskem no contrato causou prejuízo de R$ 6 bilhões em cinco anos à estatal
Como consequência, tornou-se deficitária na fração gasolina/nafta e importadora do insumo. A nafta importada, por sua vez, passou a ser entregue à Braskem. No documento encaminhado ao delegado Eduardo Mauat da Silva, que integra a força-tarefa da Operação Lava-Jato, a Petrobras afirma que, no momento de assinatura do acordo, o cenário indicava "de forma consistente" que seguiria com excedente de produção de nafta.
"Ao longo da execução do acordo, notadamente a partir de 2011, fatores mercadológicos alheios à gestão da Petrobras e não previsíveis à época da negociação alteraram este quadro", alega a estatal, referindo-se ao aumento no consumo de gasolina e maior direcionamento de nafta para uso combustível.
O déficit de produção do insumo, então, levou à estatal "a necessidade de importações crescentes de nafta e, consequentemente, trouxe prejuízo para a Petrobras, pois o preço de aquisição da parcela da nafta que passou a ser importada era superior ao seu preço de venda no mercado interno". "Contudo, esse prejuízo é decorrente de uma alteração imprevisível no mercado de nafta, ocorrida após a celebração do contrato", acrescenta.
Suspeitas em torno do contrato firmado em 2009 entre Petrobras e Braskem, encerrado pela estatal em 2014 a despeito da possibilidade de prorrogação por mais cinco anos, vieram à tona depois de o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa terem dito, em depoimentos ao Ministério Público Federal (MPF), que a petroquímica teria pago propina para obter preços mais vantajosos para a nafta.
Para o MPF, essa suposta vantagem causou prejuízo de R$ 6 bilhões em cinco anos à estatal. A Braskem nega qualquer tipo de favorecimento e a Petrobras não reconhece esse prejuízo - embora admita, na resposta encaminhada à PF, que houve perda financeira com a importação de nafta.
No ano passado, as duas empresas firmaram um novo contrato, de cinco anos, fixado em 102,1% do preço europeu
A Petrobras fornece 70% da matéria-prima consumida pela Braskem, que tem 80% de suas operações no país baseadas em nafta. Em 2008, com produção excedente, a estatal poderia exportar a matéria-prima - pela qual, segundo exercício da própria empresa, receberia 91,2% da cotação ARA, referência usada no mercado europeu -, vendê-la para as petroquímicas instaladas no Brasil ou ainda usá-la como combustível.
Diante da existência de compradores locais a preços mais altos do que os de exportação, a Petrobras encaminhou negociações com Braskem e Quattor, que foi incorporada em 2010 pela estatal. À época das tratativas, a estatal trabalhava com um cenário de perda de competitividade da gasolina frente ao etanol (o que não se confirmou), de rápido crescimento da produção de petroquímicos no Oriente Médio com etano (matéria-prima) subsidiado e expectativa de excedente mundial de eteno de cerca de 10% da capacidade instalada em 2011.
Como resultado, as partes chegaram a um contrato que previa uma banda de 92,5% a 105% da ARA, de forma a acomodar as variações dos preços dos derivados de petróleo. No fim do ano passado, as companhias firmaram um novo contrato, de cinco anos, com preço fixo de 102,1% da referência europeia.
Na sexta-feira, o juiz da Operação Lava-Jato, Sérgio Moro, determinou que o MPF e a Polícia Federal esclarecessem por que o documento não foi juntado ao processo penal em andamento relacionado a executivos da Odebrecht, que é controladora da Braskem.
Um dia antes, a defesa de Alexandrino de Alencar, ex-executivo da petroquímica que ficou preso preventivamente e é réu no processo, pediu que o documento fosse colocado nos autos com a íntegra dos vídeos dos delatores Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef com depoimentos relativos ao contrato de nafta. A defesa alega que há omissões do conteúdo registrado em vídeo e pede a suspensão do andamento da ação penal por um "prazo razoável".
"A ocultação, por parte da autoridade policial, de resposta da Petrobras que afirmava que o contrato com a Braskem não causou nenhum prejuízo à estatal produziu dano gravíssimo ao direito de defesa", diz a advogada de Alencar, Letícia Lins e Silva.
Fonte: Valor Econômico/Stella Fontes | De São Paulo