Enquanto as grandes petroleiras do mundo se diversificam e ampliam suas presenças nos segmentos de petroquímica e renováveis, a Petrobras caminha para se tornar uma empresa cada vez menos verticalizada. Dona de um dos ativos mais cobiçados da industria (leia-se o pré-sal), a estatal se concentra na produção de óleo e gás e prepara um plano agressivo de venda de ativos, para reduzir sua dívida e aumentar sua rentabilidade. Ao mesmo tempo, a companhia se distancia de negócios promissores e que vêm despertando o interesse de seus pares globais, frente às expectativas de queda no consumo de combustíveis fósseis no longo prazo.
Roberto Castello Branco assumiu a Petrobras, em janeiro, com o discurso de que a empresa precisa focar no seu 'core business'. Em dois meses, o executivo já manifestou a intenção de vender a Braskem e Liquigás, além de reduzir a fatia da estatal no refino e na BR Distribuidora.
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"Estrategicamente, queremos que a companhia gere valor para os acionistas, para o Brasil. Para fazer isso, temos que melhorar substancialmente a alocação de capital, direcionando-o para os melhores usos, para os ativos onde somos donos naturais, aqueles em que conseguimos extrair o máximo de retorno possível. E isso se dá principalmente na exploração e produção de óleo e gás", disse ele, em coletiva de imprensa há algumas semanas.
Analistas consultados pelo Valor se dividem sobre a estratégia. Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, o foco no pré-sal é acertado. Ele destaca que a companhia passou por uma crise financeira e que ainda possui uma dívida líquida de US$ 69,4 bilhões a reduzir.
"A Petrobras saiu da UTI, mas ainda está no hospital. Precisa se reconstruir e isso passa pelo difícil exercício de sair de alguns ativos", afirma Pires.
Já o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP), ligado à Federação Única dos Petroleiros (FUP), defende que a Petrobras tem sido capaz de reduzir sua dívida, em grande medida pela geração orgânica de caixa, sem a necessidade de vender todos os ativos que prometeu. Em 2018, beneficiada pela alta dos preços do petróleo, a empresa atingiu sua meta de desalavancagem, mesmo tendo cumprido apenas um terço do plano de desinvestimentos.
O instituto também lembra que, embora ainda mantenham o petróleo no centro de suas estratégias, as grandes petroleiras globais têm ampliado suas presenças em setores como petroquímica (caso da ExxonMobil e Shell) e em energias renováveis (caso da BP, em biocombustíveis, e da Equinor e Total, em solar e eólica).
"Pode ser que faça sentido para a Petrobras voltar a investir em petroquímica e biocombustíveis, no futuro, mas hoje não. A Petrobras não pode ter a mesma ótica de investimentos das outras petroleiras, são realidades diferentes. A Petrobras é líder no pré-sal, as outras não. Qualquer investimento que ela faça fora do pré-sal significa investir em ativos de menor rentabilidade", contrapõe Pires, que questiona ainda a qualidade dos investimentos passados da empresa em etanol e biodiesel. "Foram prejuízos sucessivos", disse.
Em dezembro, na gestão anterior, a Petrobras anunciou planos de investir US$ 400 milhões em renováveis até 2023, mas Castello Branco prega cautela. Segundo ele, a companhia mantém linhas de pesquisa em renováveis, mas as perspectivas da empresa para o setor são de longo prazo. "Nossa competência é a exploração e produção de óleo e gás. Nada indica que teremos as mesmas vantagens nos negócios de energia solar e eólica", disse, na coletiva.
Grandes petroleiras globais têm ampliado presença em energias renováveis e no setor petroquímico
Já a discussão sobre o futuro da estatal na petroquímica passou por idas e vindas. Ainda na gestão Pedro Parente, a Petrobras manifestou a intenção de sair integralmente do setor, mas depois a empresa voltou atrás da estratégia. Castello Branco, por sua vez, já disse que pretende vender a Braskem.
A petroquímica é um negócio promissor. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), os petroquímicos estão se tornando os maiores propulsores da demanda global de petróleo. Diante do impacto da eletrificação dos carros sobre o consumo de combustíveis, a previsão é que, até 2030, um terço do crescimento da demanda de petróleo venha da petroquímica.
"Nessa transição vai ter espaço para a petroquímica. Vários elementos da transição energética vão precisar de plástico: turbinas eólicas, fertilizantes para biocombustíveis, painéis solares, eletrônicos...", disse o professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Alexandre Szklo, neste mês, em evento no Rio.
A desverticalização da Petrobras passa também pela redução de sua participação nas refinarias e no gás natural. Para Adriano Pires, a entrada de novos agentes no refino pode ser benéfica para a estatal, já que a presença de concorrentes dificultaria o retorno de eventuais práticas de controle de preços.
O INEEP, por sua vez, destaca a presença nos demais elos da cadeia de óleo e gás é importante, para evitar com que a rentabilidade da empresa fique vulnerável às oscilações dos preços internacionais do petróleo.
Já no gás, o governo, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) e a Petrobras iniciaram conversas, ainda preliminares, sobre um amplo programa de abertura do mercado que, dentre as propostas colocadas na mesa, pode forçar a estatal a se desfazer de todos seus ativos de transporte e distribuição.
Discutir o futuro da Petrobras como empresa integrada passa por discutir diferentes visões sobre o papel social da companhia. Para o professor do Grupo de Economia da Energia da UFRJ, Edmar Almeida, cabe à empresa viabilizar o aproveitamento das riquezas do pré-sal. A Petrobras estima que suas atividades gerem, até 2023, R$ 600 bilhões em tributos.
"Não é pouca coisa o que a Petrobras está fazendo no pré-sal. A função dela é produzir petróleo, e consequentemente gerar receitas para o Estado, mas para isso ela precisa ser competitiva", avalia.
Por outro lado, há quem entenda que a petroleira, controlada pela União, também funciona como instrumento de política econômica. O INEEP destaca que a Petrobras funciona como motor de geração de empregos e que a redução dos investimentos, nos últimos anos, gerou perdas de 740 mil ocupações, entre 2016 e 2017, considerando-se a redução da demanda sobre a cadeia fornecedora.
Fonte: Valor