Preocupada em garantir agilidade à oferta de ações da BR Distribuidora, a Petrobras propôs alterações minimalistas ao estatuto social da controlada. O novo documento, responsável pelos parâmetros de governança da companhia, só terá validade se a estatal conseguir vender os papéis que possui de forma que a distribuidora deixará de ter um sócio controlador e, portanto, de ser uma estatal.
A atualização retira as amarras estatais da BR, mas coloca poucas barreiras ao poder da Petrobras. Hoje dona de 71% da distribuidora, a expectativa é que fatia remanescente da Petrobras fique entre 30% e 40% após a operação. Nos documentos oficiais, porém, a estatal fala em reduzir para menos de 50%, ou seja, não será majoritária, mas ainda será prevalente.
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A proposta de redação do estatuto que será levada aos acionistas da BR foi desenhada pela controladora e não pelo conselho de administração da própria empresa, como seria a praxe. O colegiado da distribuidora não participou do processo nem com sugestões.
Consultada, a BR, que está em período de silêncio em razão dos planos para a oferta, apontou que todas as medidas foram adotadas em linha com a lei societária e que as propostas de alteração de estatuto asseguram a sua manutenção no Novo Mercado da B3. A Petrobras não quis comentar.
A assembleia de acionistas que avaliará as alterações sugeridas pela Petrobras foi marcada para 7 de junho. O conselho da BR aprovou a convocação do encontro, mas se manteve isento, sem recomendar aprovação ou rejeição. Na prática, a Petrobras é quem está definindo como será a governança da empresa quando deixar de ser sua controladora. Além de propor, tem maioria para garantir sua vontade.
A condução do tema pela Petrobras, segundo o Valor apurou, teve por objetivo garantir que o processo de aprovação fosse rápido dentro da estatal e evitasse modificações que poderiam ser consideradas polêmicas ou que exigiriam longos procedimentos internos de validação - ou até um escrutínio maior pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Essa estratégia da Petrobras é para realizar a operação até julho. A preços de mercado, se conseguir reduzir sua fatia até 30% da BR, a estatal poderia arrecadar mais de R$ 10 bilhões. Na visão de analistas, o caminho escolhido, por um lado, pode garantir essa agilidade e a notícia de que a BR deixará de ser uma estatal é positiva. Mas, por outro lado, ao não impor maiores restrições à Petrobras, que continuará a acionista mais influente, a operação pode não alcançar o melhor preço possível.
Para um analista, a BR Distribuidora, hoje avaliada em pouco mais de R$ 27 bilhões na B3, poderia valer mais de R$ 35 bilhões, se ficasse garantida a redução da interferência estatal no negócio.
Com o novo estatuto, a Petrobras terá espaço para indicar até quatro de nove membros do conselho de administração, a depender do resultado da oferta e da participação dos acionistas em assembleia. Fica mantida a exigência já existente de que no mínimo 50% do conselho seja independente (acima do mínimo do próprio Novo Mercado), mas sem a imposição de restrição às indicações da estatal.
As principais novidades adotadas são a criação de um comitê de governança corporativa e partes relacionadas e a adoção de uma cláusula que determina a realização de oferta a todos os acionistas caso algum investidor ou companhia compre ou alcance fatia de 50% ou mais do capital. Na prática, caso queira voltar a ser dona da BR, a Petrobras teria de seguir regras que obrigam uma oferta pública de aquisição por valor justo ou o maior preço pago pelas ações em mercado - o que for superior.
A função do comitê proposto é "promover e acompanhar a evolução do modelo de governança", "avaliar situações de potencial conflito de interesses e opinar sobre transações com partes relacionadas, desde que fora do curso normal dos negócios e que sejam da alçada do conselho de administração". O grupo terá de ser composto por três dos membros independentes do colegiado - e não poderá prevalecer na composição eleitos pelo mesmo acionista.
Tanto a rota escolhida pela Petrobras - de conduzir ela própria a reforma do estatuto da distribuidora - como as sugestões propriamente, levaram o conselheiro da BR eleito por minoritários Shakaf Wine a se manifestar separadamente sobre o tema. Seu voto foi acompanhado por outro conselheiro, Gregory Louis Piccininno.
Conforme o voto de Wine encaminhado pela BR à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o conselheiro defendeu garantir a limitação da influência estatal sobre a BR. Para tanto, as sugestões dele são limitar o poder de voto de um só acionista ou grupo a 30% do capital e as indicações ao conselho de administração a 1/3 do total. Wine também entende que a cláusula de obrigação de oferta de aquisição deveria ter como gatilho a compra de 30% do capital, e não de 50%. Entre as suas recomendações, também consta que o comitê de governança deve ter liberdade para avaliar todos os contratos entre partes relacionadas.
Apesar das ponderações, Wine entendeu que não deveriam ser criadas situações que impedissem o avanço da oferta pela Petrobras, a fim de que o "ótimo" não se tornasse inimigo do "bom", conforme o voto. Assim, foi favorável à convocação da assembleia da BR.
Para o analista de um grande banco nacional, as evoluções de governança da BR não ocorreram como o esperado após a listagem na B3. Ele avalia que o novo estatuto traz avanços, mas ainda insuficientes para lidar com os riscos de influência da União. "A dúvida é saber se a companhia, após ter o capital pulverizado, terá um conselho atuante e independente, assim como uma diretoria, para tomar medidas que possam maximizar os ganhos", ponderou.
Wine comenta, em seu voto, que o conselho poderia, no futuro, considerar nova revisão do estatuto. Um analista de mercado apontou que a efetividade da governança da BR dependerá da atuação dos acionistas, que terão de ser propositivos e vigilantes. Outro especialista entende que o objetivo neste momento é permitir que a BR deixe de ser estatal, melhorando sua eficiência. Para isso, algumas questões de governança poderão não avançar num primeiro momento.
Fonte: Valor