A Petrobrás afirmou que não teria cometido irregularidades ambientais no lançamento de milhares de maquinários de exploração de petróleo no fundo do mar, na Bacia de Campos, sob a justificativa de que teria iniciado o despejo dos materiais em seus “almoxarifados submarinos” na década de 1970, quando não havia leis sobre licenciamento ambiental para exploração de petróleo em alto mar. Essa afirmação, no entanto, contradiz o que a própria Petrobrás já declarou em parecer técnico e ata de reunião realizada com o Ibama, responsável pelo licenciamento.
“A Petrobras iniciou as atividades na Bacia de Campos em 1977 com o uso de áreas submarinas como apoio logístico, antes de haver legislação regulamentando o licenciamento ambiental para exploração e produção offshore”, declarou a petroleira na noite de domingo, 02, após a publicação de reportagem pelo Estadão sobre o tema que a empresa se negou a responder durante a semana passada, quando foi questionada sobre o assunto.
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Essa explicação da Petrobrás, no entanto, desmente o que a própria empresa declarou em parecer técnico para detalhar como se deu a utilização das seis áreas de depósito de equipamentos usadas na Bacia de Campos e mencionadas pela reportagem. Neste documento ao qual o Estadão teve acesso, a Petrobrás afirma que o início de utilização de cada uma das seis áreas se deu da seguinte forma: Corvina em 1991, Pargo A e Pargo B em 1992, Garoupinha em 1998, Alsub em 1999 e Altemp em 2003. Todas elas, portanto, passaram a ser usadas bem depois da década de 1970, como afirma a empresa.
Além disso, é fato que a lei que regulamenta o licenciamento ambiental para exploração e produção offshore foi criada pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) em 1986, ou seja, muitos anos antes de a utilização de todas as áreas transformadas em “almoxarifado submarino”, como a própria Petrobrás apelidou as regiões.
Como afirma o Ibama em parecer técnico, “as áreas denominadas como ‘almoxarifados submarinos’ vêm sendo utilizadas pela Petrobras desde 1991 para o armazenamento de equipamentos (ex.: linhas flexíveis, umbilicais, sistemas de ancoragem) sem o devido licenciamento ambiental”.
O órgão ambiental federal destaca ainda que, no início de utilização da área Altemp, em 2003, foi assinado um termo de ajuste de conduta para a regularização do licenciamento ambiental das atividades marítimas de produção e escoamento de petróleo e gás natural através de unidades em operação não licenciadas ou com licença ambiental não renovada, localizadas na Bacia de Campos, bem como a apresentação de medidas corretivas e preventivas para instalações remanescentes das unidades desativadas que constituem passivo ambiental nesta bacia sedimentar. Além das plataformas, foram abrangidas no TAC as unidades de apoio, instalações submarinas, sistemas de coleta e escoamento da produção e dutos de interligação.
Em sua nota enviada à reportagem, a Petrobrás também afirma que “essas áreas de apoio logístico foram utilizadas para armazenamento temporário de sistemas de ancoragem de plataformas e linhas flexíveis”. Ocorre que a própria Petrobrás também informou que, em todas as áreas, foram deixados equipamentos. Há informações detalhadas, inclusive, sobre a quantidade de material abandonado em cada uma das seis áreas. A partir dessas informações é que o Ibama concluiu que, atualmente, há “cerca de 1.640 equipamentos com uma extensão da mais de 1.400 km, dos quais, aproximadamente, a metade não tem previsão de uso”.
A Petrobrás menciona ainda que, desde 2016, quando o lançamento das parafernálias foi suspenso por determinação do Ibama, a companhia negocia com intermédio do Ministério Público Federal (MPF), “tratativas para celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com objetivo de definir as ações para o tratamento do material depositado”. A empresa declara que “irá cumprir todos os compromissos e prazos que forem estabelecidos no TAC”.
O processo que trata do assunto foi classificado como sigiloso, a pedido da petroleira. Os documentos obtidos pela reportagem mostram que, ao justificar a escolha dos locais para armazenar equipamentos, a Petrobrás declarou que “estas áreas foram definidas com o objetivo de simplificar a logística das operações, aliado à indisponibilidade de espaço em terra” de um local que garantisse “a manutenção da integridade dos equipamentos e linhas” e “a posição logística favorável”.
Em parecer de setembro do ano passado, o Ibama é categórico em sua conclusão: “o armazenamento de equipamentos nas áreas foi feito pela empresa de forma irregular, sem o devido licenciamento ambiental”.
Como revelou a reportagem publicada no domingo, 2, as seis regiões usadas pela Petrobrás como ferro velho de plataformas somam 460 quilômetros quadrados. É como se uma capital como Florianópolis (SP) ou Porto Alegre (RS) fosse transformada em um depósito marinho, sem nenhum tipo de licenciamento ambiental ou análise de impacto. A Petrobrás estimou que o processo de retirada de toda essa tralha deverá custar pelo menos R$ 1,5 bilhão, além de demorar mais de cinco anos até que tudo esteja devidamente limpo. Tudo começaria em 2022. Somente em 2027 é que a área estaria livre do maquinário.
As regiões marinhas transformadas pela Petrobrás em depósito de plataformas possuem “elevada complexidade” ambiental, conforme apontam relatórios já realizados pela área técnica do Ibama. Mais do que o lançamento de materiais no mar, a Petrobrás fez movimentação intensiva desses materiais nas áreas. Os dados indicam uma “movimentação anual média de cerca de 700 km de equipamentos”, o que equivale à instalação de nada menos que quatro sistemas de plataformas para produção, em média.
A Petrobrás chegou a apresentar uma “compensação financeira” de R$ 7,746 milhões pelos danos causados, valor equivalente a um apartamento de luxo na Rua Oscar Freire, no Jardim América, em São Paulo. Os técnicos do Ibama não analisaram a proposta, mas ponderaram que, como exemplo, um acordo realizado com a petroleira para adequar o tratamento da água produzida em 28 plataformas da empresa estabeleceu uma medida compensatória de R$ 100 milhões.
Fonte: Estadão