Enquanto o pré-sal desperta a cobiça das maiores petroleiras do mundo e se consolida como a principal fronteira exploratória do Brasil, os demais polos de produção do país convivem de um modo geral com o declínio de suas atividades e baixa atratividade de investimentos. Dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP) mostram que, se não fosse a Bacia de Santos, onde estão situadas as maiores descobertas do pré-sal, a produção nacional caminharia em 2017 para o seu terceiro ano seguido de queda.
A 14ª Rodada de blocos exploratórios, em setembro, reforçou o quanto as grandes multinacionais estão focadas no pré-sal: os oito blocos arrematados em águas ultraprofundas da Bacia Campos, que margeiam o polígono do pré-sal e têm potencial para descobertas desse tipo, responderam por 75% dos compromissos de investimentos assumidos pelas petroleiras na licitação e por 95% dos bônus de assinatura do leilão.
PUBLICIDADE
Foram essas áreas que garantiram o sucesso arrecadatório da rodada, de R$ 3,8 bilhões, e onde se deram os lances mais disputados do leilão, com participações de empresas como Petrobras e Exxon Mobil, Shell, BP, Total, Repsol e a CNOOC.
Fora de Campos, no entanto, as grandes multinacionais mostraram interesse por poucos ativos na Bacia do Espírito Santo (CNOOC e Repsol) e em Sergipe-Alagoas (Exxon) - uma das principais apostas em águas profundas fora do eixo tradicional de Campos e Santos. O número de blocos negociados na 14ª Rodada (35), inclusive, foi o mais baixo desde 4ª Rodada da ANP, em 2002, quando foram arrematadas 21 áreas.
O professor do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEE/UFRJ), Edmar Almeida, destaca que a atratividade da 14ª Rodada está ligada a uma situação geológica específica, o pré-sal, e que o baixo interesse pelas demais bacias é um sinal amarelo importante para a indústria petrolífera.
Segundo os dados da ANP, a produção nacional de óleo e gás acumula, no ano, uma média de 3,3 milhões de barris de óleo equivalente (BOE/dia), o que representa uma alta de 17% (ou de 498 mil BOE/dia) em relação a 2014. Esse crescimento, no entanto, tem sido sustentado basicamente pela Bacia de Santos, que cresceu 190% (917 mil BOE/dia), enquanto bacias tradicionais, como Campos, Sergipe-Alagoas, Potiguar e Recôncavo caem ano após ano e já acumulam uma redução de 370 mil BOE/dia no período.
Algumas das bacias brasileiras têm sido afetadas, em particular, por efeitos de demanda. Este é o caso, por exemplo, de Camamu e Parnaíba, que produzem essencialmente gás natural e cujas produções dependem do comportamento do mercado de consumo - no caso de Parnaíba, do despacho das termelétricas da Eneva, no Maranhão. De maneira geral, contudo, a redução verificada nas demais bacias, fora do pré-sal, reflete o declínio natural dos campos -- que se acentua quando não há investimentos em projetos de revitalização.
O mercado deposita as esperanças sobre a recuperação dos investimentos das áreas maduras no programa de venda de ativos da Petrobras. A expectativa é que a estatal, que concentrou seus investimentos basicamente no pré-sal, no passado recente, abra espaço para que outras empresas, algumas de menor porte e especializadas em campos maduros, invistam na recuperação da produção desses ativos.
Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, a expectativa é que, a medida que novas petroleiras assumam a operação desses campos maduros, o aumento dos investimentos se dê rapidamente.
"Investimentos em campos maduros têm impactos mais rápidos para a retomada dos investimentos do que os leilões de blocos exploratórios. Como a Petrobras praticamente abandonou os campos maduros, acredito que a recuperação da produção dessas áreas se dará de forma rápida", avalia.
Saída da Petrobras das áreas maduras deve possibilitar a retomada dos investimentos pelos agentes privados
A Petrobras possui, hoje, 100 concessões, marítimas e terrestres, em fase de desinvestimentos. Esses ativos, situados em áreas maduras, correspondem a uma produção de óleo e gás de 111 mil BOE/dia, ou 4,2% do volume total produzido pela petroleira brasileira. A companhia também assinou, no fim do mês passado, um acordo com a norueguesa Statoil para estudos de parcerias conjuntas na recuperação de campos maduros no pós-sal da Bacia de Campos.
Um estudo desenvolvido pelo GEE/UFRJ, em parceria com o Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), mostra, contudo, que os projetos fora da área do pré-sal apresentam uma economicidade desafiadora e que, portanto, é fundamental que o governo enfrente as barreiras que possam travar investimentos nas bacias mais maduras.
Este ano, por exemplo, a ANP aprovou a redução, de 10% para 5%, das alíquotas de royalties sobre a produção incremental proporcionada pela revitalização de campos maduros. Com incentivos aos investimentos, a agência vê potencial para que o fator de recuperação (quantidade de óleo recuperável dentro de uma reserva) das áreas maduras da Bacia de Campos seja ampliado de 24% para 30%. A ANP estima que, para cada ponto percentual a mais de aumento no fator, são gerados US$ 18 bilhões em investimentos e 2,2 bilhões de barris de reservas.
O estudo da UFRJ sugere também, entre outras medidas, a redução dos riscos no licenciamento ambiental; e o compartilhamento de infraestrutura de transporte e estocagem e uma política de compras do petróleo por refinarias nacionais.
Almeida destaca a importância da desconcentração da produção para além do pré-sal. Segundo ele, a decadência das bacias mais maduras pode até não comprometer a autossuficiência brasileira na oferta de óleo e gás no curto e médio prazos, mas impede a maximização dos impactos econômicos dos investimentos do setor em todo o território nacional; e a segurança no abastecimento, garantida pela diversificação de fontes.
O professor destaca, ainda, a importância de se incentivar a produção de gás em águas rasas e em terra, para garantir um suprimento competitivo ao mercado.
"Vale ressaltar que a produção de gás natural em águas profundas apresenta grandes desafios por seus custos de escoamento e, particularmente no pré-sal, custos relevantes de produção em função da profundidade dos reservatórios e nível de contaminação, afetando assim sua comercialidade", comenta o professor, em artigo publicado no blog "Infopetro".
Fonte: Valor