O pequeno alívio sentido no custo do frete marítimo da Ásia para o Brasil na primeira metade de 2021 ficou para trás nos últimos meses, e o preço médio do serviço de transporte começou 2022 custando 5,7 vezes mais do que antes da pandemia, conforme a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Para entidade, a demora na normalização dos gargalos na logística global pode sinalizar um “novo normal” de custos maiores para os próximos anos. O principal efeito do novo cenário é encarecer os insumos importados pela indústria, colocando mais pressão na inflação.
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A disparada no preço do frete marítimo ocorreu no segundo semestre de 2020, em meio à retomada da economia global. No início da pandemia, restrições ao contato social e a queda na demanda paralisaram o comércio internacional, e até fizeram o custo do frete tombar.
Na retomada, a demanda por bens voltou mais rapidamente do que o esperado – turbinada por políticas de transferência de renda e pelo fato de que, por causa do distanciamento social, consumidores passaram a gastar mais em produtos do que em serviços pessoais.
Isso levou a uma corrida pelos serviços de transportes, pressionando a capacidade de portos, armazéns, navios e contêineres. O desequilíbrio entre demanda e oferta fez os preços explodir.
Com a disparada, o preço do frete de importação da Ásia para o Brasil atingiu, em janeiro de 2021, a média de US$ 8.900 por contêiner de 20 pés (equivalente a 6 metros), 4,6 vezes mais do que janeiro de 2020, antes da pandemia, segundo levantamento da CNI.
Em março, o preço caiu para US$ 6.200 por contêiner, mas o alívio durou pouco. O custo voltou a subir, chegando a US$ 9.700 em dezembro. O preço médio de US$ 11.150 de janeiro deste ano é 5,7 vezes maior do que o de janeiro de 2020, uma disparada de 472%.
Porto de Santos
Demora na normalização dos gargalos na logística global pode sinalizar um 'novo normal' de custos maiores para os próximos anos Foto: Tiago Queiroz/ Estadão
Segundo Matheus de Castro, especialista em infraestrutura da CNI, “em vários momentos” que se debruçou sobre o problema, a avaliação apontava para “gargalos passageiros”, um fenômeno “conjuntural”, muito associado à pandemia.
De fato, a pandemia “catalisou” o problema, disse o especialista, mas o desequilíbrio entre a demanda por serviços de transporte e a oferta de capacidade de portos, armazéns, navios e contêineres agora parece ter elementos estruturais. Em outras palavras, os preços do frete marítimo de antes de 2019 podem ter ficado para trás.
“A elevação do custo foi catalisada pela pandemia, mas há indicativos de que esses valores, bem superiores à média da última década, seriam um novo normal”, afirmou Castro.
Razões para a alta
Dois fatores principais explicariam esse “novo normal”. O primeiro é o crescimento intenso do comércio eletrônico. Ainda que tenha sido turbinado pelo isolamento social ao longo da pandemia, o hábito de comprar mais coisas pela internet, sem sair de casa, parece ter vindo para ficar entre os consumidores. E isso eleva a logística de transporte a um nível superior de importância para as empresas da indústria e do comércio – afinal, o consumidor quer receber o produto o quanto antes. Mais essenciais, os serviços de logística tenderiam a ficar mais caros mesmo, disse Castro.
O segundo fator citado pelo especialista da CNI tem a ver com o ciclo de negócios do setor de transporte global – e 90% das movimentações do comércio internacional são feitas pelo mar. Depois de um ciclo, nos anos 2010, marcado por faturamento estagnado e margens de lucro apertadas, as grandes companhias de logística estariam entrando numa década de ganhos melhores, diante da nova situação.
De acordo com Castro, a década passada foi de margens apertadas porque, do lado da demanda, o comércio global nunca se recuperou totalmente da crise financeira de 2008, com os fluxos de transporte da década passada abaixo daqueles dos anos 2000.
Ao mesmo tempo, o ciclo dos anos 2000 impulsionou a construção de navios. A combinação de demanda morna com boa oferta de capacidade ajudou a segurar os preços do frete. Agora, as companhias deverão aproveitar para recompor suas margens de lucro, contribuindo para que preços mais elevados sejam “a tendência nos próximos anos”, disse Castro.
Custos mais altos para a indústria
Para o Brasil, os gargalos na logística global afetam principalmente as importações e a produção industrial. Com as cadeias de produção integradas internacionalmente, a indústria depende de importar componentes. Esses insumos vêm encarecendo desde o segundo semestre de 2020, em parte por causa do preço do frete. Esse custo se soma a outros, como a alta na cotação do dólar e a escassez de alguns componentes – um símbolo do problema é o atraso na produção de veículos por causa da falta de semicondutores.
“A consequência direta é a inflação”, afirmou o especialista da CNI.
As exportações também são afetadas, mas com efeitos mais pontuais no comércio exterior brasileiro. Isso porque a maior parte das exportações do País é de matérias-primas – destaque para soja, milho, minério de ferro e petróleo –, que são transportadas em navios graneleiros, enquanto os gargalos logísticos atingem, principalmente, o transporte via contêineres.
Essas grandes caixas de aço aumentam a produtividade do transporte, mas seu uso depende de um sistema todo encadeado, que foi afetado pelos desequilíbrios entre oferta e demanda. Entre os principais produtos brasileiros vendidos ao exterior que dependem do sistema estão as carnes e as frutas, que usam contêineres refrigerados.
Bruno Carneiro Farias, presidente da F Trade, empresa especializada em logística para comércio exterior, especialmente de frutas e outros perecíveis, vê um quadro de “colapso” na logística mundial e acha que os problemas poderão durar ainda este ano inteiro. Se os preços do frete de importação da Ásia parecem ter estabilizado, ainda sobem para a exportação de frutas, cujas cargas são relativamente pequenas.
“Esta semana estou deixando de carregar um monte de carga de limão por falta de contêineres”, afirmou Farias. “Se tivéssemos uma supersafra de maça, que não houve por causa da seca (na região Sul), não teríamos como escoar”, completou o executivo.
Fonte: Estadão