A Europa acabou de aplicar suas sanções mais duras até agora ao petróleo russo, mas os exportadores e refinarias arrumaram um jeito de negociar o produto escondendo suas origens. Alguns combustíveis que se acredita serem parcialmente feitos com petróleo russo desembarcaram em Nova York e Nova Jersey em maio.
As cargas foram trazidas pelo Canal de Suez e pelo Atlântico de refinarias indianas, que têm sido grandes compradoras de petróleo russo, de acordo com registros de embarque, dados da Refinitiv e análises do Centro de Pesquisa de Energia e Ar Limpo (Crea, na sigla em inglês), com sede em Helsinque.
Depois da invasão da Ucrânia e as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia, os fornecedores buscam meios de esconder as origens do petróleo russo para mantê-lo fluindo. O petróleo está sendo negociado em produtos refinados, como gasolina, diesel e produtos químicos.
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O petróleo também está sendo transferido entre navios no mar, uma conhecida artimanha para comprar e vender petróleo embargado iraniano e venezuelano. As transferências estão acontecendo no Mediterrâneo, ao largo da costa da África Ocidental e do Mar Negro, com petróleo indo depois em direção à China, Índia e Europa Ocidental, segundo as companhias de navegação.
Os líderes da União Europeia concordaram na terça-feira em impor uma proibição gradual da maior parte do petróleo russo, numa medida que no fim tiraria do Kremlin seu maior comprador de energia. Eles também devem proibir as seguradoras europeias de cobrir navios que transportam petróleo russo. Mas soluções alternativas para evitar sanções já estão em andamento e ameaçam diminuir a eficácia dessas restrições.
O embargo americano imposto em março proíbe a importação de petróleo bruto, derivados de petróleo, gás natural liquefeito e carvão da Rússia, mas os combustíveis geralmente são feitos de misturas de diferentes produtos, como diesel.
O Departamento de Controle de Ativos Estrangeiros dos EUA (Ofac, na sigla em inglês) normalmente define a origem usando 25% ou mais como regra geral, de acordo com advogados comerciais. Exclui mercadorias que foram substancialmente transformadas em outro produto de fabricação estrangeira. Se o refino de petróleo bruto em produtos como gasolina ou diesel conta para essa exclusão não foi esclarecido pela Ofac, de acordo com advogados de três empresas diferentes.
Exportações em alta
No geral, as exportações de petróleo da Rússia recuperaram-se em abril, depois de cair em março, quando as primeiras sanções ocidentais entraram em vigor, disse a Agência Internacional de Energia. As exportações de petróleo da Rússia aumentaram 620 mil barris para 8,1 milhões de barris por dia, próximo aos níveis de antes da guerra, com o maior aumento para a Índia.
A Índia emergiu como um centro importante para os fluxos de petróleo russos. As importações do país dispararam para 800 mil barris por dia desde o início da guerra, em comparação com 30 mil barris por dia antes, segundo a empresa de dados de mercados de commodities Kpler.
Isso provavelmente se deve ao grande desconto — um tipo popular de petróleo russo conhecido como Urals custa cerca de US$ 35 abaixo do Brent. Anteriormente, era negociado no mesmo patamar da principal referência mundial.
Uma refinaria de propriedade da gigante de energia indiana Reliance Industries comprou sete vezes mais petróleo russo em maio, em comparação com os níveis anteriores à guerra, representando um quinto de seu consumo total, segundo a Kpler.
A Reliance fretou um petroleiro para transportar uma carga de alquilato, um componente da gasolina, partindo do porto de Sikka em 21 de abril sem um destino planejado. Três dias depois, atualizou seus registros com um porto dos EUA e partiu, descarregando em 22 de maio em Nova York.
“O que provavelmente aconteceu foi que a Reliance pegou uma carga com desconto de petróleo russo, refinou-o e depois vendeu o produto no mercado “spot”, onde encontrou um comprador dos EUA”, disse Lauri Myllyvirta, analista-chefe do Crea. A organização acompanha as exportações russas de combustíveis fósseis e seu papel no financiamento da guerra na Ucrânia. “Parece que há um comércio em que o petróleo russo é refinado na Índia e parte dele é vendido para os EUA.”
A Reliance não respondeu a um pedido de entrevista. Srikanth Venkatachari, codiretor financeiro, disse que a empresa minimizou o custo da matéria-prima ao adquirir “barris de arbitragem”, em uma entrevista em 6 de maio.
As exportações indianas de derivados de petróleo refinado, reforçadas por suprimentos russos baratos, cresceram acentuadamente desde o início da guerra. As remessas diárias para a Europa aumentaram um terço e 43% para os EUA em uma base trimestral.
“Se as refinarias indianas na costa oeste estão importando muito petróleo russo, sim, provavelmente haverá algum petróleo russo que entrou na fabricação desses produtos”, disse Koen Wessels, analista de produtos petrolíferos da empresa de consultoria Energy Aspects.
GPS desligado
Isso ocorre em um momento em que os preços da gasolina e do diesel batem recordes nos EUA devido aos altos preços do petróleo, pesando sobre os consumidores na forma de uma inflação que atingiu recentemente uma alta de quatro décadas. A oferta extra do exterior tende a passar mais facilmente pelos trâmites de importação, disseram analistas.
Na semana passada, o navio Zhen 1 que transportava petróleo russo encontrou o Lauren II, um petroleiro gigante que pode transportar cerca de 2 milhões de barris, na costa da África Ocidental. Provavelmente o Zhen 1 descarregou sua carga, mostraram os dados do navio. Lauren II está indo para Gibraltar e depois deve ir para a China, disseram analistas.
Não é ilegal para refinarias europeias ou asiáticas comprar petróleo iraniano, venezuelano e russo, mas esses negócios são prejudicados por extensas restrições relacionadas — como sanções de bancos e companhias de navegação — e o risco político de negociar com esses países. Assim como para o petróleo iraniano, a melhor opção para a Rússia e seus clientes é ocultar cada vez mais seus embarques.
Também houve um salto no número de navios que transportam petróleo russo que agora desligam seus equipamentos de GPS, o que é conhecido no jargão do setor como “going dark”, de acordo com a empresa israelense de dados de navios Windward. Isso torna essa atividade ainda mais difícil de rastrear.
Os compradores chineses estão tentando esconder o petróleo russo para evitar os altos custos de transporte, disseram operadores. Menos companhias de navegação e seguros estão dispostas a se envolver, o que significa que aqueles que ainda fazem esse negócio cobram preços três a cinco vezes mais altos do que antes da invasão.
Em vez de pagar isso até a China, empresas como a Unipec, braço comercial do gigante petrolífero chinês Sinopec Group, estão transportando petróleo russo a curtas distâncias para um grande petroleiro no mar, disseram traders. A Unipec não respondeu ao pedido de entrevista.
Fonte: Valor