Os resultados obtidos no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff são tão pobres que apenas os economistas presos a uma armadilha ideológica muito rígida defendem a sua continuidade. Página virada, portanto, e a opinião pública começa a discutir o que virá depois.
Um dos aspectos mais importantes da democracia brasileira é o alto nível do debate quando questões relevantes para a sociedade são discutidas na mídia e em fóruns acadêmicos e empresariais. Vivemos um desses ciclos de reflexão sobre o futuro, principalmente na economia.
Já expus ao leitor da Folha a minha tese de que as eleições de outubro passado e a posse da presidenta para um segundo mandato marcam o começo do fim de um ciclo político.
Se estiver certo, será aberto um espaço imenso de reconstrução da política econômica com um corte de menor intervenção do governo na economia.
Gostaria de, convidado pela Folha, tratar de uma das questões mais importantes nessa busca: o papel do BNDES no mercado de crédito e de capitais no Brasil.
Fui presidente do BNDES entre os anos de 1995 e 1998, no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique. José Serra, então ministro do Planejamento –a quem cabia supervisionar o BNDES–, convenceu-me de que a instituição precisava de alguém com experiência na área bancária para poder intermediar os projetos do governo no interior de uma burocracia de alta qualidade e forte visão histórica da sua missão.
Foi o que procurei fazer durante o meu mandato. Essa experiência trouxe a essência deste artigo, a síntese do que se deve buscar em uma instituição como o BNDES: o equilíbrio entre as suas virtudes e os seus limites.
VIRTUDES
Para quem olha para o BNDES com uma visão aberta e sem os preconceitos ideológicos, a história traz muito mais exemplos de sucesso do que de fracasso. A começar por uma tradição de transparência e lisura na condução de suas operações bancárias. Existe apenas um caso comprovado de corrupção vinda da alta direção nos mais de 60 anos do banco.
Fui parte de alguns desses momentos, em que pude constatar a importância da instituição BNDES no desenvolvimento da economia brasileira. Talvez o mais relevante deles tenha sido quando concedeu uma garantia de qualidade na venda de 70 aviões produzidos pela ainda jovem Embraer privada à American Airlines, em 1997.
Sem essa intervenção, a hoje terceira maior empresa aeronáutica do mundo –e a grande marca brasileira na área tecnológica– certamente não existiria.
Outro exemplo de sucesso –e que faz com que a maioria dos países da América Latina tenha uma inveja enorme do Brasil– é o Finame, elemento central do desenvolvimento da área de equipamentos industriais no país.
Devemos lembrar também o papel essencial do banco no processo de privatizações no Brasil, responsável por uma mudança estrutural na direção de uma economia de mercado, deixando a herança getulista para os livros de história. Olhando hoje para os escândalos na Petrobras, fico imaginando o que teria acontecido se ainda existissem a Telebrás e a Vale do Rio Doce estatais.
LIMITES
Poderia me estender mais sobre os exemplos de sucesso do BNDES. Mas, infelizmente, no redesenho da instituição estão os limites de suas ações –que precisam ser entendidos e explorados.
A primeira observação que gostaria de trazer ao leitor é que a ação do BNDES tem sentido enquanto a sua dimensão microeconômica for respeitada.
O BNDES tem um papel crucial em certos momentos especiais da indústria brasileira, mas como instituição complementar a um sistema financeiro voltado para o crédito de curto prazo.
Nosso mercado de capitais é ainda muito pobre, e o segmento de crédito de longo prazo, praticamente inexistente, principalmente fora do segmento imobiliário.
Para exercer a sua missão, o banco conta, já há algum tempo, com recursos institucionais suficientes para financiar uma carteira bastante grande de ativos.
Os principais elementos de sua estrutura de passivos são o capital próprio da instituição, acumulado durante muitos anos de operações superavitárias, e, principalmente, os recursos do FAT, o fundo institucional que sustenta o programa de seguro-desemprego no Brasil.
Essa fonte de recursos de longo prazo foi criada pela ação decisiva do senador eleito José Serra durante a Constituinte de 1988.
Mas é importante entender que, mesmo com suas atividades voltadas a estimular os investimentos de capital no Brasil, o BNDES não consegue substituir o setor privado nessa missão.
A economia brasileira é muito grande quando comparada com o volume de suas operações, mesmo turbinado com volumosos recursos do Tesouro Nacional, como ocorreu nos últimos anos.
Ou seja, a função do BNDES é, e será sempre, complementar às decisões de investimentos do setor privado e que são tomadas em razão das expectativas dos empresários, o chamado "espírito animal".
Alguns princípios para construir essa parceria de forma eficiente e realista precisam ser seguidos. O primeiro deles é que, em muitas ocasiões, o BNDES trata com empresas individuais, que operam em áreas definidas como prioritárias pelo governo e também pela sua diretoria.
Não se trata de escolher vencedores, mas de definir áreas em que o esforço financeiro do banco faça sentido macroeconômico.
Por isso, a obrigação de uma política horizontal de operações, posição defendida pelos economistas de corte ideológico mais liberal, não tem sentido também. Encontrar o melhor equilíbrio entre ações individuais e coletivas é um dos grandes desafios do banco.
Um segundo princípio a ser seguido à risca é o de associação com o sistema financeiro privado, via compartilhamento das operações de crédito e de mercado de capitais.
Por exemplo, o Finame cobrir 90% do valor dos investimentos no setor de máquinas e equipamentos industriais me parece um erro, pois acaba por alienar desse processo os tomadores de maior risco de crédito. Um mix de recursos do BNDES e do sistema bancário privado me parece a melhor posição.
Em terceiro lugar, é importante entender que o objetivo maior do BNDES é o de oferecer linhas de crédito de longo prazo, em um mercado em que o setor privado não tem tradição de ocupar um espaço relevante.
Os subsídios dos juros não devem ser o ponto principal de sua missão, embora, pela natureza de seu passivo, o BNDES possa trabalhar com taxas menores do que as instituições privadas.
Finalmente, a participação do Tesouro Nacional no funding do BNDES deve ficar restrita à garantia indireta que ele transmite às suas operações passivas via o controle acionário da instituição.
Não podemos repetir os erros cometidos no passado distante do regime militar, em que o Banco do Brasil foi usado como repassador de recursos do Tesouro para financiar o setor público e privado.
Creio que o grande desafio hoje é encontrar um desenho eficiente para um plano estratégico de longo prazo que dê ao BNDES, respeitando a natureza atual da economia brasileira, um novo espaço para levar adiante sua importante missão de agente complementar do desenvolvimento de áreas importantes de nosso tecido produtivo.
Fonte: LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
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