Uma iniciativa que a China lançou em meados de julho para aumentar o poder do mercado no setor bancário foi um passo significativo na reforma do modelo econômico do país. Ela pode também ter sido a última decisão tomada com facilidade pelos novos líderes chineses, cujo programa de reforma deve enfrentar oposição ferrenha dentro do Partido Comunista.
O presidente, Xi Jinping, e o primeiro-ministro, Li Keqiang, vêm defendendo um papel mais limitado do governo. Agora, estando os economistas convencidos de que o modelo chinês de crescimento baseado num alto nível de investimento já está exaurido, o governo deu sinais de que pretende reequilibrar a economia colocando mais peso na demanda doméstica.
Em julho, o governo eliminou o limite mínimo para taxas de juros de empréstimos bancários. Mas outras propostas para aumentar a força do mercado na economia estão passando por um processo de revisão pouco promissor. Isso provavelmente vai diluir as medidas e pode até deixá-las de fora da agenda da reunião de líderes do Partido Comunista no fim do ano.
A reunião, chamada de "Terceira Plenária", será imbuída de um significado histórico. Foi no Terceira Plenária de 1978 que Deng Xiaoping passou à frente do sucessor escolhido pelo líder revolucionário Mao Tse-tung, Hua Guofeng, e colocou o país no caminho da economia de mercado. Em 1993, a mesma reunião estabeleceu as bases do enxugamento das estatais, uma decisão impopular que tirou o emprego de milhões de pessoas.
Desta vez, Liu He (chefe do grupo interno do partido que cuida do setor financeiro e conhecido por sua inclinação reformista e pró-mercado) vai liderar pequenas equipes de trabalho na elaboração de propostas econômicas específicas, segundo Cheng Li, analista do centro de estudos americano Brookings Institution.
"Liu He tem uma formação muito sólida", disse Li. "Ele trabalhou em finanças por 15 ou 20 anos. É um talentoso tecnocrata econômico". A questão principal é se essas habilidades bastarão para superar a enorme oposição às reformas.
Espera-se que os líderes ponham um fim no modelo de desenvolvimento que serviu bem à China por décadas. Esse modelo se baseou em grandes volumes de investimentos na indústria e em infraestrutura, subsidiados por juros artificialmente baixos, e num exército de migrantes rurais que trabalhavam nas fábricas das cidades chinesas sem colher os benefícios urbanos, como acesso às escolas locais e programas de saúde.
As mudanças sendo estudadas incluem acabar com as restrições à posse da terra e à residência em cidades, ajustar o sistema de impostos para repassar mais recursos aos empobrecidos governos locais e relaxar o controle sobre o preço dos combustíveis, disse Yiping Huang, economista que deu consultoria ao governo no passado. As reformas financeiras para liberar os juros sobre os depósitos bancários e permitir que o dinheiro entre e saia mais livremente do país também estão no topo da agenda.
Assim, muitas reformas potenciais reduziriam o controle do Estado. Os bancos estatais seriam forçados a remunerar os depósitos dos correntistas a taxas mais competitivas. Autoridades locais poderiam ter que elevar gastos sociais em cidades cada vez mais populosas, e não está claro se a reforma fiscal compensaria esse gasto.
"As pessoas estão alimentando muitas expectativas sobre a reforma fiscal, mas duvido que haverá um progresso substancial nisso. É difícil equilibrar os interesses dos governos central e locais", disse Yao Yang, professor de economia da Universidade Pequim.
Uma questão fundamental é a meta do premiê Li de trazer mais chineses para as cidades, o que, segundo ele, geraria crescimento e consumo privado. Num exemplo dos obstáculos pela frente, a equipe de planejamento do governo que delineou esse programa de urbanização teve suas propostas esvaziadas por outros ministérios e departamentos, segundo um pesquisador próximo da equipe.
Permitir que os 260 milhões de trabalhadores migrantes que já estão nas cidades da China tenham acesso aos benefícios dos residentes poderia acirrar a competição por moradia e educação, elevando a pressão sobre as já sobrecarregadas finanças dos governos locais.
Segundo os poucos detalhes divulgados até agora do plano de urbanização do governo, as mudanças começariam nas cidades menores - deixando num limbo a situação dos milhões de trabalhadores migrantes das cidades maiores.
"As autoridades em geral preferem promover a migração para as cidades menores, mas isso é uma abordagem equivocada", disse Yukon Huang, ex-diretor do Banco Mundial para a China e que hoje está na Fundação Carnegie para a Paz Internacional. "Os ganhos de produtividade com a migração da mão de obra são maiores nas grandes cidades", acrescentou.
Com a cúpula do governo priorizando a urbanização, é possível que as propostas finais sejam mais abrangentes na extensão dos direitos de residência aos migrantes.
A difícil concepção dos planos reflete os obstáculos que os líderes enfrentam ao submeter reformas a um processo político que depende de consenso no Partido Comunista. Os excessos da era Mao levaram o partido a diluir o poder entre várias pessoas e departamentos, enquanto redes de patronagem garantem a antigos líderes, como o ex-presidente Jiang Zemin, manter o poder nos acordos políticos necessário para aprovar as medidas.
"Grandes projetos de reforma podem levar dois ou três anos para ser completados", diz Zhang Yansheng, economista da Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento da China que não está envolvido com as propostas de de urbanização. "É um longo processo."
Fonte: Valor Econômico/The Wall Street Journal/Colaboraram Richard Silk, Yajun Zhang e Tom Orlik)
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