O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a venda de duas refinarias da Petrobras sem necessidade de licitação ou aval do Congresso. O resultado tem um papel decisivo para as finanças da estatal e a estratégia da atual direção para reduzir o seu alto endividamento.
Suspender o processo de negociação, em alguns casos já bem avançado, das oito unidades de refino que a Petrobras colocou à venda poderia significar, na prática, retardar em mais de um ano a entrada de cerca de US$ 8 bilhões no caixa da companhia. São apenas alguns dos negócios que a companhia quer passar para a iniciativa privada no âmbito do plano de desinvestimentos que pretende arrecadar US$ 29 bilhões até 2023.
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Com a pandemia, o processo de vendas de ativos da Petrobras vêm sofrendo atrasos. A estatal já admitiu que deverá arrecadar somente US$ 1 bilhão neste ano com venda de ativos.
O dinheiro da venda das refinarias é uma ajuda e tanto para um dos principais desafios da estatal, ainda mais agora com o cenário adverso criado pela pandemia: reduzir o alto endividamento, da ordem de US$ 100 bilhões, e concentrar investimentos na exploração e produção do pré-sal.
Mas não são apenas questões financeiras da Petrobras que estavam em jogo nesse julgamento. Uma decisão desfavorável à estatal prejudicaria todo o programa de abertura do mercado de óleo e gás que está em andamento, sob a concepção liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Atualmente, a Petrobras é praticamente a única fabricante de combustíveis no país, portanto controla o seu preço. Com a venda de metade do seu parte de refinarias, passará a ter concorrentes. O governo acredita que a competição pode favorecer consumidores finais e estimular investimentos.
De acordo com executivos do setor, se a Petrobras fosse obrigada a pedir autorização ao Congresso para venda de refinarias, teria mais dificuldades de abrir espaço para a iniciativa privada não só no mercado de combustíveis. A decisão poderia dificultar a venda de ativos em outras áreas nas quais a estatal deixará de ser monopolista por decisão do governo, como o de transporte e distribuição de gás natural. A estatal inclusive assinou compromisso com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de abrir espaço para concorrentes também neste segmento.
— Essa decisão do STF, se desfavorável à Petrobras, poderia impactar numa segunda onda de abertura do mercado de óleo e gás, que é tirar o gigante da frente. Não é só refinaria, não é só gasoduto, é a abertura do setor como um todo — ressaltou Leonardo Miranda, sócio na área de petróleo e gás do TozziniFreire Advogados.
Para o advogado, o STF inviabilizaria algo que até mesmo o Cade, como órgão de defesa da concorrência, já determinou que a Petrobras tem que fazer:
— O que está em jogo é a desverticalização da Petrobras. Se o STF decidir que a empresa tem que ter a aprovação do Congresso, vai dificultar. A discussão que está na mesa não é só em relação ao setor de refino, mas também à abertura do setor de óleo e gás — destacou Miranda.
Além disso, a Corte já havia decidido que o Legislativo não seria chamado a avaliar a venda de subsidiárias das estatais, apenas no caso de venda da a companhia como um todo, a chamada empresa-mãe.
Baseada nessa lógica, a Petrobras privatizou no ano passado subsidiárias como a BR Distribuidora sem passar pelo Congresso. No entanto, os parlamentares recorreram ao STF com uma reclamação alegando que, na venda das refinarias, a Petrobras está agregando ativos a subsidiárias com o único objetivo de vender parte do patrimônio da empresa-mãe sem autorização do Congresso.
Especialistas não consideram a inserção de determinados ativos nas subsidiárias à venda como um manobra da Petrobras. Seria uma questão de gestão do portfólio (conjunto de projetos) que qualquer empresa do porte da Petrobras precisa fazer para sobreviver.
Segundo Leonardo Miranda, a venda de uma refinaria precisa incluir outros ativos de infraestrutura ligadas a essa unidade para viabilizar a operação pelo operador privado e ainda aumentar o valor do negócio.
— Se a Petrobras tiver que mudar esse modelo que é de mercado, isso sim criará uma insegurança jurídica. Não vejo manobra nenhuma no que a Petrobras fez. Estão dizendo que a Petrobras está fatiando, mas o Cade determinou que a companhia vendesse esses ativos. Não está sendo fatiada, está sendo desverticalizada — insiste Miranda.
Ali Hage sócio da área de Óleo e Gás do Veirano Advogados, concorda que, se a Petrobras tiver que vender as refinarias em separado, sem ativos de infraestrutura local como sistemas de tancagem e dutos, será por preços piores. Ele também não considera agregar infraestruturas às refinarias uma manobra ilegal:
— A estratégia da Petrobras é focar os investimentos no pré-sal, e ela precisa se capitalizar para isso. Não tem o menor sentido amarrar a empresa, dizer que não pode vender um ativo, um pedaço da empresa. Porque ela vai continuar existindo e crescendo. O fato de ter um ativo a mais ou a menos não vai mudar. Vender a refinaria e sua infraestrutura logística é muito mais atrativo, além de ser muito mais complicado vender esses ativos isoladamente.
Negócios em andamento sob ameaça
A decisão contrária à Petrobras pelo STF acarretaria ainda, de acordo com Ali Hage maior insegurança jurídica para investimentos no setor de óleo e gás, o que é contra os interesses do país no estímulo à recuperação da economia no pós-pandemia.
O processo de venda de oito refinarias, que representam cerca de 50% de sua capacidade total de refino (cerca de 1,1 milhão de barris por dia de petróleo) já está em andamento. A estatal já está em fase final de negociação com o fundo de investimentos Mubadala para a venda da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, a primeira do país. Também já iniciou fase de discussão com dois grupos interessados na Refinaria Getúlio Vargas (Repar), no Paraná.
Fonte: O Globo