A definição das regras de distribuição dos royalties do petróleo da camada pré-sal caminha para a judicialização, sem que se discuta o principal: em que setor da vida brasileira a riqueza bilionária, porém finita, deve ser aplicada? Numa espécie de anticandidatura de uma campanha que mais parece a corrida do ouro no velho Oeste americano, dois senadores, um da oposição e outro da base do governo, apresentaram projeto de lei que procura mudar a lógica da discussão.
Cristovam Buarque (PDT-DF) e Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) recorrem à história para lembrar que, no século XVII, o Brasil remeteu a Portugal cerca de mil toneladas de ouro, riqueza que hoje equivaleria a algo como R$ 97 bilhões. Todo aquele ouro, como se sabe, serviu para financiar a industrialização e os avanços tecnológicos da Inglaterra. Mais de 200 anos depois, a natureza, dizem os dois senadores, oferece, com o pré-sal, nova oportunidade ao Brasil.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) estima que as reservas do pré-sal acrescentarão algo como 50 bilhões de barris de óleo cru às reservas brasileiras. Muitos acham que essa é uma estimativa conservadora, mas, mesmo que não seja, fará do Brasil um dos mais promissores produtores e exportadores de petróleo do planeta. Hoje, o país detém, a depender do critério utilizado, reservas entre 12,748 e 15,986 bilhões de barris.
Buarque e Ferreira propõem educação e poupança longa
Buarque e Ferreira propõem a transformação de todo esse petróleo em "inteligência e capacidade de inovação". Em outras palavras, os dois defendem que a rentabilidade dos recursos do pré-sal seja inteiramente aplicada em educação e ciência e tecnologia (C&T), um caminho para enfrentar uma tragédia brasileiro - o baixíssimo nível educacional de seu povo. Eles querem também criar um instrumento de poupança de longo prazo.
O projeto de lei 594/2011 prevê a criação do Fundo do Petróleo para Formação de Poupança para Educação Básica e Inovação (Funpei) com parte dos recursos arrecadados com royalties e participações especiais. Os senadores estimam que, no 10º ano de funcionamento, o Funpei pode chegar a uma capitalização acumulada de R$ 115 bilhões. Evidentemente, os aportes, calculados com base em estimativas "conservadoras" de produção de petróleo no pré-sal, cresceriam ao longo do tempo, chegando a R$ 39,5 bilhões no 10º aniversário.
Em 2010, royalties e participações especiais renderam à União e aos Estados e municípios produtores R$ 21,5 bilhões. Pelos cálculos da assessoria dos senadores Cristovam Buarque e Aloysio Nunes Ferreira, em 2015 esse volume de recursos vai praticamente dobrar (para R$ 40,5 bilhões). Em 2020, irá a R$ 63,3 bilhões.
Os dois senadores asseguram que, no seu projeto de lei, não há quebra de contratos e regras vigentes, ou seja, a nova legislação afetaria apenas as áreas dentro e fora do pré-sal ainda não contratadas. Eles sustentam também que os municípios e Estados produtores não perderão recursos. Para tanto, a ideia é fixar critérios de repartição apenas para os recursos que excederem o montante que os entes da federação receberam em 2010.
Por exemplo: o Rio de Janeiro, maior produtor de petróleo e Estado que mais teme a mudança das regras dos royalties, recebeu R$ 9,8 bilhões em royalties e participações especiais em 2010. A estimativa é que, em 2015, essa conta suba para R$ 10,7 bilhões. As novas regras diriam respeito, portanto, à parcela que excedesse o valor arrecadado em 2010 - R$ 900 milhões.
Os critérios de repartição desse excedente, conforme o projeto Buarque-Ferreira, teriam as seguintes ponderações: 60% dos recursos seriam estimados com base no número de alunos matriculados na educação básica (da creche ao ensino médio); 20%, de acordo com o desempenho dos alunos em sistemas oficiais de avaliação; os 20% restantes seriam calculados na evolução dos indicadores de qualidade do ensino. Portanto, quanto maior o número de estudantes na escola e melhor o seu desempenho nas avaliações, maior o volume dos recursos a serem destinados à cota de cada ente federativo no novo fundo.
Essa regra promoveria, em vez de uma corrida ao ouro, uma verdadeira corrida à educação no Brasil. Uma competição saudável para ver quem educa mais e melhor. Por quê? Porque a cota de cada Estado e município no Funpei será tanto maior quanto mais intenso for o esforço dos governantes em educar a população.
Para que haja formação de poupança, o projeto prevê que os recursos poderão ser sacados por governadores e prefeitos em percentuais crescentes, a partir do segundo ano de vigência do Funpei, até chegar a 100% no 10º ano. Os saques seriam feitos sob certas condições para evitar a descapitalização do fundo. E o dinheiro, destinado exclusivamente à educação e C&T.
A proposta dos dois senadores tem um quê de utopia, à medida que vincula o rico dinheiro do pré-sal à emancipação dos brasileiros por meio da educação. Esta é tão desimportante na agenda da maioria dos governantes que, certamente, eles dão risada ao se depararem com um projeto como esse. Para Buarque, o país sofre com a "corrupção de prioridades". "Não quero ser acusado dessa corrupção, de ter gastado esse dinheiro dos royalties no imediato, em vez de no futuro", diz ele.
Fonte: Valor Econômico/Cristiano Romero
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