Os dias são de expectativa em Moçambique. O primeiro navio carregado com carvão retirado pela Vale da mina de Moatize seguiu para Dubai há duas semanas e outro está prestes a atracar no porto de Beira para mais um carregamento. Enquanto segue a contagem regressiva para o fim do trabalho de implantação da primeira fase do projeto, em outubro, a duplicação da capacidade, de 11 milhões de toneladas ao ano para 22 milhões de toneladas, é assunto cada vez mais presente e sua aprovação é aguardada para breve. Em outras partes do país, funcionários da empresa brasileira analisam a viabilidade de novos projetos bilionários, com investimentos em outras minas de carvão, fosfato e níquel, além de uma termelétrica e de um novo corredor de exportação.
A Vale é a empresa que mais tem investido em Moçambique e homens e mulheres com seu uniforme verde circulam por todos os cantos do país. Em Tete, cidade próxima da mina cuja concessão ela recebeu em 2007, a presença de trabalhadores locais e de outros países, contratados ou prestadores de serviços, mudou a rotina dos moradores. Carros novos estão nas ruas, os locais de hospedagem vivem lotados e a construção civil avança com condomínios de casas e hotéis, um deles de frente para o rio Zambeze, próximo da ponte Samora Machel, que liga Moçambique a Zâmbia, Malawi e outros países. Um supermercado batizado com o nome VIP foi inaugurado em abril e, antes dele, um dos locais mais tradicionais de compra era o mercado 1º de maio, formado por barracas. O aumento na demanda resultou em reajustes em aluguéis e outros produtos. "Até a água está mais cara", diz um morador.
O município possui aproximadamente 170 mil habitantes. No pico da etapa de implantação da mina de carvão metalúrgico e térmico, em julho, 8,9 mil pessoas, trabalhavam para colocar Moatize em operação, número que está diminuindo com o avanço das obras (hoje são cerca de 6 mil). Mas, em visita recente ao país, o presidente da companhia, Murilo Ferreira, garantiu que a ampliação (chamada de Moatize II) já é uma realidade, embora ainda dependa de aprovação do conselho de administração. "Estamos otimistas", diz o diretor da Vale Moçambique, Galib Chaim, que trabalha no país desde 2005. Ele não revela detalhes dos estudos em andamento em cinco diferentes regiões, mas confirma o interesse em outros produtos e a possibilidade de investir na geração de energia para garantir o suprimento de futuros empreendimentos.
Enquanto se adaptam aos hábitos locais, representantes da Vale buscam fornecedores para Moçambique. Em agosto, em evento organizado em São Paulo pela Câmara de Comércio, Indústria e Agropecuária Brasil-Moçambique (CCIABM) para divulgar oportunidades de negócios no país, três representantes da empresa chamaram empresários para investir em diversas áreas, que vão de comida a segmentos como segurança e automação. "Nossa necessidade de consumo é grande", comentou Fábio Feijó, gerente de suprimentos. Na implantação da mina, o investimento vai somar US$ 1,7 bilhão e mais cerca de US$ 3,3 bilhões devem ser gastos na operação da unidade nos próximos quatro anos, fora os novos projetos.
A possibilidade de fornecer para a Vale não é o único atrativo que tem sido apresentado em palestras. Depois de um período de guerra civil que acabou em 1992, o país de 22 milhões de habitantes tem experimentado crescimento na economia (6,2% em 2010 e tem meta de 7,5% neste ano), embora ainda tenha de lutar contra a pobreza e outros problemas (o analfabetismo está em 44% e a expectativa de vida é de cerca de 40 anos).
"Moçambique é a bola da vez", afirma Rodrigo Coelho de Oliveira, diretor executivo da CCIABM, que está organizando uma viagem de apresentação a interessados, em novembro. "Estamos a meio caminho do Oriente Médio", destaca Murade Murargy, embaixador de Moçambique no Brasil.
Paulo Horta, diretor de operações em Moatize, precisou contratar pessoas de fora para a implantação da unidade, pela falta de tradição do país em mineração. Segundo ele, 60% das pessoas da operação, com idades entre 18 e 22 anos, estão vivendo a experiência do primeiro emprego. Embora haja reclamação em relação ao salário pago aos expatriados e aos empregados locais, mais baixo, o executivo garante que a companhia oferece valor competitivo. A empresa já teve de enfrentar, no ano passado, greve de construtores por causa de demissões. Ele não revela a média de salários, mas o mínimo estabelecido pelo país para a atividade é o equivalente a US$ 100 (a moeda local é o metical).
Fora o atraso de três meses na conclusão do terminal de carvão do porto de Beira, no Oceano Índico, ele diz que o cronograma está em dia. Por enquanto, estão sendo feitas duas viagens de trem por dia, cada uma com 2,5 mil toneladas, num trajeto de 600 quilômetros, na Linha do Sena. A ferrovia de Tete para Beira já existia, mas precisou passar por reformas e o trem verde e amarelo da Vale chama a atenção por onde passa.
"Mineração é um processo de longo prazo", afirma Horta, que chegou em 2009 e sente falta de três coisas: cachaça mineira, queijo canastra e doce de leite com mamão. Segundo ele, doenças como malária e Aids não atrapalham o andamento dos trabalhos. "O nível de absenteísmo é menor que em projetos semelhantes no Brasil", diz. De acordo com o executivo, o absenteísmo médico é 0,7% na unidade moçambicana e, no Brasil, beira 3%.
Horta conta que há dois condomínios de casas em construção em Tete, com 50 casas cada, e a Vale negociou contratos de aluguel de cinco anos. Para regular o mercado imobiliário, a empresa também está construindo 280 casas. Os brasileiros que são chamados para trabalhar em Moçambique recebem incentivos e melhorias no salário. "Mas sempre digo que, se for só para ganhar dinheiro, não vem, não", comenta o diretor. "A remuneração é interessante, mas a intenção é construir um projeto que faça diferença."
Odebrecht e a Camargo Corrêa estão em Tete, como contratadas da Vale, na execução das obras em Moatize. O inspetor de qualidade André Sousa, da Odebrecht, que está no país há um ano e oito meses, gostou da experiência e não descarta a possibilidade de trabalhar em outros países. Questionado sobre a principal diferença em relação ao Brasil, ele cita: "nunca vi bebê chorando". De fato, mulheres carregam crianças amarradas às costas, algumas delas magras, mas em silêncio.
Mas há outras diferenças, algumas delas curiosas. Café da manhã é chamado de mata bicho. Ratazana é um prato apreciado por muitos. E as capulanas, tecidos coloridos amarrados e usados como saias pelas moçambicanas, precisam cobrir os joelhos. Além disso, a luz é pré-paga. A pessoa compra um cartão e usa até acabar o valor adquirido.
Fonte: Valor Econômico/ Marli Lima | De Tete e Maputo (Moçambique)
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