Por Ariovaldo Rocha
Talvez o mais importante brasileiro de toda a história, Juscelino Kubitschek resolveu industrializar um país agrário, na década de 50. Para isso, concentrou seus esforços em dois grupos de trabalho: Geia, para a indústria automobilística, e Geicon, para a construção naval.
O extraordinário presidente tinha enorme visão e concluiu que aí estava o caminho do sucesso. Carros e navios nacionais. Em vez de se importar produtos estrangeiros, abrir-se o mercado para investidores criarem artigos nacionais. Não tenham a menor dúvida que, desse tipo de ação, resulta a forte classe média de que hoje dispõe o país. Cresceram indústrias fornecedoras, forjaram-se engenheiros e diversos profissionais.
Quis o destino que o sucesso da indústria automobilística fosse infinitamente maior. O carro é objeto do desejo e sua compra se dá em unidades de menor valor; depende menos dos sucessivos governos e mais do mercado, embora sempre tenha contado com apoio federal.
No caso da construção naval, a história mostra altos e baixos. O setor é naturalmente vinculado a governos – por ser o manufaturado de maior valor – e, durante as décadas que se seguiram, a construção naval foi atropelada pelo Custo Brasil, pelos cortes inesperados nos investimentos públicos, por desvios do dinheiro do Fundo de Marinha Mercante (FMM) para pagar juros, pela inflação, pela falta de dólares para custear itens importados e pela política de juros altos.
Além do mais, um país sem navios é um problema que se limita a economistas, que vêem a conta externa ficar salgada, enquanto nenhuma família, que tem carro, irá votar em um governo que lhe tira esse direito.
Apesar de tudo, há que se comemorar os bons períodos da construção naval, notadamente nos anos 70 e 80, quando o país ficou em terceiro lugar no mundo, e chineses e coreanos não apareciam nas estatísticas internacionais. O Brasil ganhou prêmios internacionais, moldou uma geração de fantásticos engenheiros – tanto no campo como à frente da diretoria de estaleiros – produziu petroleiros, graneleiros, porta-contêineres e unidades militares.
Esse esforço quase se perdeu nas décadas seguintes. A pretexto de sanear desvios financeiros, quase se dizimou o setor. Em 2002, todos os estaleiros nacionais contavam com apenas 2 mil empregados; somando-se os vigias de cada estaleiro e mecânicos destinados a passar óleo para evitar a oxidação das máquinas, praticamente se chegava a esse total, sem metalúrgicos construindo navios.
A partir de 2003, iniciou-se um ciclo de esperança, que implicou a modernização das bases industriais e contou com encomendas da Petrobras – de barcos de apoio e plataformas – e da Transpetro, com plano de renovação de 49 navios.
Alguns dizem, erradamente, que o governo resolveu ajudar o setor, mas o certo é que viram, em Brasília, o tamanho da conta. Com comércio exterior que beira meio trilhão de dólares, o Brasil tem que arcar, todo ano, com fretes e de afretamentos (aluguel de navios) no valor aproximado de US$ 20 bilhões.
Esse nível pode ser ainda maior, já que, muitas vezes, sabendo que o Brasil não tem navios nas rotas internacionais, os estrangeiros incluem os fretes no valor bruto dos produtos que nos vendem – o que dissimula a perda com dólares em fretes. Após Petrobras/Transpetro e as encomendas do pré-sal, o mercado que os estaleiros esperam é o dos armadores privados nacionais.
Saindo do contexto nacional, é importante destacar a importância para o Estado do Rio, berço histórico da construção naval. Quando 95% dos estaleiros estavam por aqui, era difícil obter apoio federal. Dizia-se que a indústria era “ apenas do Rio”.
Hoje, há bases fortes por todo o país e o Rio mantém sua força no setor, só que agora mais bem distribuída nacionalmente. Na Capital, São Gonçalo, Niterói e Angra dos Reis, há 30 mil metalúrgicos contratados, o que representa 150 mil empregos e, somando-se familiares, uma comunidade de meio milhão de pessoas que vive da fabricação de navios e plataformas.
Empresas de projeto marítimo estão no estado e, em diversos casos, metalúrgicos do Rio foram levados a outros rincões do país para ensinarem sua técnica. Em integração com a indústria, a Coppe-UFRJ investiu no desenvolvimento tecnológico, e até no caso do Cenpes, da Petrobras, há grande interação com a construção naval.
A construção naval cresce em todo o país e, no Estado do Rio de Janeiro, se consolida como uma das bases e centro nacional de decisões e de geração de negócios e oportunidades. Na medida em que o país se conscientize da importância do segmento, muito se beneficiará, e o empresariado e a população fluminense verão, como nunca, a renovada força da indústria de construção e reparação naval.
Nosso objetivo é que, em futuro que não está distante, o Brasil se torne grande exportador de navios, plataformas e tecnologia e uma de suas bases principais é o Rio de Janeiro.
Ariovaldo Rocha
Presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), escreve nesta página na primeira sexta-feira do mês.
Fonte: Monitor Mercantil
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