Polos de Jacuí e Guaíba buscam investimentos para ampliar indústria naval e ‘offshore’ gaúcha - O Rio Grande do Sul é um dos principais polos navais brasileiros e concentra importantes estaleiros e indústrias. As encomendas já garantem um cenário promissor nos próximos 15 anos, segundo expectativas da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI). Para manter esse panorama a partir de 2030, o estado busca ampliar os investimentos nos polos de Jacuí e Guaíba, que abrangem outros municípios dentro dos 300 quilômetros de hidrovias gaúchas. A questão chave para a indústria naval e “offshore” agora é agregar competitividade.
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O vice-presidente da AGDI, Aloísio Félix da Nóbrega, adianta que esse será o foco dos polos navais gaúchos a partir de 2014. Ele acrescenta que não deve faltar encomendas, mas ressalta a concorrência já existente entre os principais estaleiros do país. A meta é, ao menos, manter o ritmo da carteira, principalmente em Rio Grande. Em 2013, foram entregues três plataformas e contratadas outras três unidades. “Enquanto tivermos uma carteira de encomendas com essa dinâmica, não teremos problemas nos próximos 20 anos”, avalia Nóbrega.
O polo naval e “offshore” gaúcho aposta, principalmente, no alto valor agregado da construção de plataformas. A AGDI acredita na manutenção das encomendas num horizonte de 15 anos. “Até 2030, não vai faltar encomendas. Após conquistá-las, a indústria precisará se tornar de classe mundial porque, depois de 2030, vai precisar disputar, provavelmente, no mercado externo”, alerta Nóbrega.
Em 2013, a carteira de encomendas da Petrobras com os três principais estaleiros gaúchos ultrapassou os R$ 9 bilhões. Apesar da entrega de três plataformas, entraram outras três: a P-75 e a P-77 para o estaleiro Honório Bicalho (antigo Quip), no valor de US$ 1,4 bilhão, e a P-74, para o estaleiro EBR, no valor de US$ 700 milhões. Nóbrega acrescenta que a carteira de encomendas equivale aos projetos garantidos nos estaleiros do Rio de Janeiro. Dependendo de entregas e novos contratos, ele aponta os dois estados como os protagonistas dessa indústria.
O coordenador do conselho de óleo e gás da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Marcus Coester, avalia que os estaleiros gaúchos estão com ciclo de atividades bem consolidado. Ele enxerga potencial para outras empresas interessadas na construção de módulos e equipamentos de grande porte. Segundo Coester, os principais diferenciais do estado são a cadeia produtiva completa e indústrias bem estruturadas. Ele enfatiza a tradição da indústria gaúcha, além de escolas técnicas, universidades e cursos de engenharia.
O Sebrae-RS, em convênio com a Petrobras, possui três projetos para desenvolver a cadeia de fornecedores no estado. A capacitação em andamento, iniciada em 2012, será concluída no final de 2014 e envolve 150 empresas na região metropolitana de Porto Alegre, além de 50 empresas da Serra Gaúcha e outras 50 em Rio Grande. Luis Guilherme Menezes, técnico da gerência da indústria do Sebrae-RS, destaca que boa parte dessas empresas já fornece para outros estados, como Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo.
Ele ressalta que a ascensão do polo gaúcho permite a descentralização dessa demanda, antes concentrada na região Sudeste. Menezes avalia que Rio Grande possui muita demanda porque é uma região de estaleiros e serviços ligados à área naval. “Desde a vinda da primeira plataforma para Rio Grande (P-53), começamos a desenvolver fornecedores para essa cadeia”, lembra.
Menezes diz que muitos fornecedores do Sudeste ainda têm preferência porque a região concentra a maior parte deles. “Como é uma indústria com prazos de entrega e altas multas, o estaleiro não arrisca pegando fornecedores novos. Até quebrar essa barreira, demora. Não basta só capacitação. É uma rede de relacionamentos e investimentos a médio e longo prazo para quebrar essa desconfiança de um novo fornecedor”, analisa.
De acordo com Menezes, ainda existe muita oportunidade para as empresas gaúchas. Ele aponta como desafio fazer com que o pequeno empresário consiga, com recursos e tecnologia próprios, perceber uma oportunidade e levá-la para dentro da indústria dele. “Elas ainda não perceberam o quanto esse mercado demanda e o quanto elas podem fornecer. Capacidade técnica as empresas gaúchas têm muito. Falta entender essa indústria e conseguir se encaixar”, reforça Menezes.
O estado tornará pública em março uma proposta de um programa de competitividade para o Polo Naval de Rio Grande. “O ponto chave é competitividade da indústria. Encomenda não vai faltar, mas pode ser que não tenha encomenda suficiente para o número de estaleiros que está chegando”, alerta Nóbrega, da AGDI. Ele enxerga a necessidade de pensar a expansão para demandas dentro e fora do Brasil.
O vice-presidente da AGDI conta que o estado mantém contato com importantes estaleiros de reparo estrangeiros. O governo estadual, segundo Nóbrega, estuda atrair uma unidade com dique flutuante que permita atender a projetos de porte para trabalhos em qualquer tamanho de casco. Ele disse que as pesquisas estão sendo feitas com estaleiros da Ásia, Mediterrâneo e Norte da Europa.
Nóbrega lembra que essa atividade ainda é pouco desenvolvida no Brasil e cita que a Transpetro envia seus petroleiros para reparo naval fora do país. “Existe um mercado de armadores brasileiros para ser atendido e também queremos atender ao mercado estrangeiro. Teria que ser uma unidade de reparo naval classe global. Estamos buscando um estaleiro no exterior para instalar em São José do Norte de forma a atender esse mercado”, revela Nóbrega.
Com a consolidação das atividades em Rio Grande e São José do Norte e a prioridade de operação sendo concentrada nos grandes estaleiros, as opções ficam cada vez mais limitadas nas duas áreas. Dessa forma, o governo gaúcho direciona investimentos para outras regiões da hidrovia, considerando calado e força de trabalho disponível. O polo naval de Jacuí, concentrado no município de Charqueadas, abrange outros cinco municípios da região. Nóbrega, da AGDI, vê potencial para novos investimentos nessa região devido à proximidade das indústrias e da mão de obra qualificada.
Na cidade, que fica a 40 quilômetros de Porto Alegre, a Iesa Óleo & Gás construirá módulos de compressão de gás que serão integrados aos cascos de FPSOs (plataforma que produz, armazena e transfere petróleo, na sigla em inglês). A Iesa O&G integra o consórcio que construirá as plataformas P-75 e P-77, que conta ainda com a Camargo Corrêa e a Queiroz Galvão. O contrato, da ordem de US$ 1,7 bilhão, prevê a construção, montagem e integração dos módulos das duas FPSOs.
A previsão inicial é que a P-75 entre em operação em dezembro de 2016 e a P-77, em dezembro de 2017. As duas plataformas vão produzir, individualmente, até 150 mil barris de petróleo e comprimir sete milhões de metros cúbicos de gás natural por dia. As plataformas operarão no campo de Franco, da cessão onerosa.
Para a execução do contrato, a Iesa O&G está construindo uma fábrica de módulos às margens do rio Jacuí, em um terreno de 350 mil metros quadrados e 19 mil metros quadrados de área construída em Charqueadas. Próximo à Iesa, a Metasa abriu uma fábrica de grandes estruturas metálicas. “O conceito é esse: queremos espalhar os investimentos pela hidrovia — equipamentos de grande porte, como módulos e estruturas metálicas”, explica Nóbrega, da AGDI.
Coester, da Fiergs, ressalta o grande potencial ao longo da hidrovia como, por exemplo, em Pelotas que tem 350 mil habitantes. “O estado tem área portuária privilegiada em torno do porto de Rio Grande. O sistema de hidrovias conecta Rio Grande ao interior do estado. Só existe no Amazonas e no Rio Grande do Sul uma hidrovia com essa capacidade. São 300 quilômetros de hidrovias de águas interiores abrigadas”, compara.
Coester considera positiva a estratégia de direcionar empresas de outros setores para essa cadeia. Ele cita o caso da Metasa, que passou a produzir e traçar estratégia para O&G utilizando suas estruturas existentes. Coester acrescenta que esse fabricante já tinha tradição de trabalhar com encomendas. Uma das oportunidades para essas indústrias locais é se tornar braço produtivo de empresas estrangeiras que precisam fabricar no Brasil por causa do conteúdo local.
O município de Caxias do Sul e a região metropolitana de Porto Alegre concentram a parte mais pesada de indústria — usinagem, fundição, caldeiraria, serviço industrial e produção de peças e equipamentos. Rio Grande, por sua vez, está mais vinculada à necessidade da indústria naval, desde serviços de mergulho e trabalho em altura até limpeza de cascos, empresas que fazem uniformes e locação de andaimes.
Nóbrega, da AGDI, destaca que as empresas estrangeiras procuram se associar com empresas locais, principalmente as indústrias metalmecânica e eletroeletrônica. “Essa parceria é o tipo do negócio que estamos incentivando, aproveitando a política do conteúdo local para que grandes equipamentos que ainda são importados possam ser feitos aqui no Rio Grande do Sul”, relata.
O polo do Guaíba abrange a cidade de Porto Alegre, dentro do porto, e a cidade de Guaíba, que possui uma área virgem de linha d’água que pode ser desenvolvida. Algumas áreas dessa região já começam a ser aproveitadas. Nóbrega destaca a Ecovix, acionista do Estaleiro Rio Grande, que encontrou espaço para construção de módulos no porto da capital. Na mesma região, a Koch Metalúrgica — em parceria com a Palfinger Dreggen — tem contrato para o fornecimento de 28 guindastes marítimos.
Nóbrega, da AGDI, revela que uma empresa metalúrgica gaúcha está em tratativas para se instalar em Guaíba para produzir equipamentos pesados para indústria “offshore”. A TMSA fabricante de equipamentos portuários de carregamento, com fábrica em Porto Alegre, está se movimentando para ir para a linha d’água e se integrar melhor à indústria offshore.
O vice-presidente da AGDI explica que o conceito de uso da hidrovia no estado é regido pelo calado e pela proximidade da mão de obra qualificada. “Em Rio Grande, o calado é magnífico, mas tivemos o problema da mão de obra, que precisa ser desenvolvida. Jacuí e Guaíba têm calados menores, mas ainda muito interessantes — em torno de seis metros de profundidade, o que permite a construção de módulos e guindastes “offshore”. E tendo mão de obra da área metropolitana, que é excelente”, compara Nóbrega.
Ao longo dos 300 quilômetros da hidrovia moram aproximadamente quatro milhões de pessoas. No entanto, a densidade demográfica se concentra em algumas áreas. Nóbrega ressalta a necessidade de a indústria estar perto dos centros urbanos para ter competitividade. “O primeiro movimento teve empresas do Sudeste do país em direção a Rio Grande. Quando elas se consolidaram, passaram a atrair o capital externo. Temos japoneses com 50% do EBR e 30% da Ecovix (ERG). Temos todas as situações possíveis ocorrendo na hidrovia. O capital externo está chegando”, comemora.
O aumento de competitividade passa pelo treinamento e melhoria contínua da mão de obra, além da gestão do negócio e do processo produtivo. Outro ponto destacado pela AGDI é a introdução de métodos mais produtivos e de melhoria de qualidade, reduzindo os índices de retrabalho. Nóbrega acredita que a indústria naval passará pelo que passou a indústria automobilística, adotando um modelo de fabricação enxuta com engenharia de produção levada ao limite e especialização da mão de obra.
Para o vice-presidente da AGDI, a maior diferença da mão de obra brasileira em relação à europeia e asiática é o grande número de funções executadas nos estaleiros. “Não adianta termos 180 profissões diferentes quando podíamos ter 60. Isso gera um sistema caótico de gestão de mão de obra e a perda de eficiência é grande. A toda hora é preciso ter um novo profissional chegando para fazer o trabalho, enquanto aquele que está ali poderia fazer a próxima etapa. Não é um problema simples, mas precisa ser resolvido”, alerta.
Nos próximos anos, a população de São José do Norte deve passar de 25 mil para 35 mil habitantes com o início da operação do estaleiro EBR. O empreendimento está mudando a rotina do município, cujas principais atividades econômicas são a pesca e a agroindústria. A estrutura da cidade já demonstra fragilidades, por exemplo, no setor hoteleiro e de alimentação.
O projeto Avançar com São José do Norte, desenvolvido pelo Sebrae-RS, fez levantamento das necessidades das pequenas empresas locais para participar dos investimentos trazidos pela indústria naval à região. “Fizemos um catálogo com 500 empresas e disponibilizaremos para o estaleiro EBR”, conta a gerente da regional Sul do Sebrae, Rosani Boeira Ribeiro.
O Sebrae-RS também prepara um levantamento da demanda do EBR para tentar prospectar empresas que desejem se instalar ou suprir necessidades de produtos e serviços para o estaleiro, que está com cerca de 50% de suas obras prontas e deve ter o pico de operação entre o final de 2014 e o início de 2015.
Rosani observa a organização das finanças como a principal carência das companhias locais. Isso porque a Petrobras exige que a área financeira de seus fornecedores esteja organizada e regularizada. O Sebrae-RS também identifica falta de ações de marketing e de vendas nas empresas da região para alavancar seus negócios. “Ao longo de 2014, vamos trabalhar os gargalos de gestão dessas empresas”, adianta Rosani.
O resultado do trabalho de capacitação, segundo Menezes, é que Sebrae e Petrobras fazem uma pré-seleção que avalia conhecimento em relação à tecnologia, situação financeira e visão de futuro. “Fizemos um levantamento há cerca de dois anos e nenhuma empresa que tinha participado dos projetos do Sebrae-RS tinha fechado as portas. Porque essas empresas já estavam preparadas e aproveitaram a oportunidade de um setor como esse”, comemora Menezes.
O presidente da Ecovix, Gerson Almada, afirma que o novo estaleiro ERG está atingindo a maturidade e chegando ao nível de produção. Ele conta que os cascos das FPSOs P-66 e P-67 serão entregues em 2014, enquanto a primeira sonda será entregue em 2015, dentro do prazo. Os contratos preveem a entrega de oito cascos para Petrobras e três sondas para a Sete Brasil.
O empreendimento recebeu R$ 500 milhões de investimentos em sua terceira fase de expansão, prevista para ser concluída no final de 2014. As duas primeiras fases, já concluídas, contaram com outros R$ 800 milhões de investimentos. Almada disse ainda que o estaleiro atingiu o limite de ocupação física.
Um grupo de cinco empresas japonesas anunciou no final de 2013 a compra de 30% da Ecovix. “Estamos colaborando bastante na parte de aprimoramento técnico de construção naval, dos quais os japoneses são líderes mundiais”, enfatiza. Ele destaca que a entrada dos japoneses na sociedade trará melhoria de produtividade e ajudará na competitividade nas próximas encomendas. “Com três anos de produção, nosso estaleiro está bem maduro, atingiu sete mil funcionários, o que dá uma vantagem competitiva grande”, acrescenta.
Para Almada, o principal desafio é o pré-sal continuar produzindo óleo e gerar constantes encomendas. “Acreditamos no trabalho de prospecção e nos campos que a Petrobras já falou. Ela esse ano vai licitar mais nove FPSOs e para o Campo de Libra, licitado no final de 2013, vão precisar de pelo menos mais 10 FPSOs. Tem encomenda de 18 a 20 FPSOS nos próximos dois anos e esperamos ter uma parte dessas encomendas”, projeta.
Almada ressalta a necessidade de mais investimentos em logística em áreas como Rio Grande e Pelotas. Ele diz que pesou na escolha a localização em termos de calado e mão de obra. “O calado ali é de 16 metros natural e dá uma boa competitividade. O estaleiro tem o maior dique seco da América do Sul. Isso vai propiciar trabalhar com grandes embarcações”, acredita.
A EBR está investindo R$ 500 milhões nas primeiras etapas de construção de seu estaleiro, localizado na cidade de São José do Norte. A empresa calcula a geração de três mil empregos diretos e 10 mil empregos indiretos durante o pico de operação. A EBR conta com profissionais que participaram de importantes projetos “offshore”, como a P-31, a P-19, a P-48, a P-52 e a P-51.
Em 2014, a EBR prevê o início da construção dos módulos; o término da edificação das áreas administrativas e industriais; e o término da implantação total do cais e início dos serviços de integração de plataformas. O estaleiro fará a construção e integração dos módulos da FPSO para a PNBV/Petrobras, que irá operar nos campos da cessão onerosa do pré-sal.
A EBR conta com um terreno com área total de 1,5 milhão de metros quadrados e cais com 820 metros lineares para executar serviços de integração em duas FPSOs simultaneamente. A capacidade de processamento é de 110 mil toneladas de aço por ano. A EBR é uma empresa especializada em construções “offshore” pertencente à japonesa Toyo Engineering e à brasileira, Setal Óleo e Gás (SOG), onde cada companhia possui 50% de participação.
Além desses investimentos, o Grupo Wilson Sons reafirma sua intenção de construir um estaleiro na cidade de Rio Grande (RS). A companhia já possui o terreno e aguarda apenas a liberação da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) para uso da faixa de cais. Em nota, a Wilson Sons informou à Portos e Navios que acompanha o assunto junto à Secretária estadual de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (SDPI) do Rio Grande do Sul. O projeto de construção do estaleiro prevê investimento de cerca de R$ 200 milhões e vai gerar aproximadamente de 800 empregos em toda a região.