Engenharia naval vive pico de crescimento sem lastro em tecnologia e competitividade >> O mar de almirante vivido pela engenharia naval brasileira nos últimos 10 anos tem prazo para virar tormenta, se não houver mudanças no planejamento e no funcionamento do setor. Até 2020, a Petrobras pretende dobrar sua produção de petróleo, contando principalmente com a exploração offshore.
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Já o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) arrisca que o boom se sustenta até 2030, considerando a demanda da petrolífera. Levados pela urgência em atender às exigências do conteúdo nacional feitas pela companhia, estaleiros e escritórios de consultoria em engenharia se prepararam no atendimento às obras offshore, mas especialistas questionam se esse modelo é sustentável, considerando a crise energética no horizonte.
Nas consultorias, há mercado para atuar principalmente em projetos de detalhamento, mas também participam do planejamento da construção, controle de qualidade, gerenciamento de setores da fabricação, assim como em empresas certificadoras, que fazem o acompanhamento da produção de unidades no Brasil. Também há novas demandas no setor logístico e no de reparo naval, além da cabotagem e navegação de interior, os dois últimos em expansão principalmente no Norte do país.
Para acelerar sua produção, a Petrobras tem movimentado o setor e, por meio da exigência de conteúdo nacional, estimulado a revitalização da indústria naval e offshore. E não só ela: “Uma carteira de obras no Brasil como essa nunca tinha sido vista antes. São cerca de 400 obras que incluem contêineres, parques de apoio, plataformas, barcos de apoio, além de embarcações militares e até submarinos da Marinha”, contabiliza Alexandre Gurgel, assessor da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). No entanto, quando a onda de encomendas passar, pode ser difícil manter o setor a salvo. O alerta é de Rui Carlos Botter, professor de Logística e Transportes do curso de Engenharia Naval da Universidade de São Paulo.
Floriano Martins Pires, da Sociedade de Engenharia Naval (Sobena) e professor da UFRJ, também aponta para um cenário perigoso. A pressa para atender aos pedidos, sem que o mercado tivesse tempo para se preparar, trouxe para o Brasil empresas internacionais, mas não há garantias de que elas vão transferir tecnologia ou sequer manter-se aqui quando o volume de investimentos cair. O risco é de outra grande retração — como já se viu no passado — já que estaleiros e escritórios não estão prontos para disputar com competitividade e prazos à altura com as empresas das líderes Coreia do Sul, Japão e China, por exemplo. Contabilizados os nove principais estaleiros, sendo sete em operação, a carteira de encomendas do Brasil representa 2% da produção mundial de navios.
— Após décadas de estagnação, hoje muitas encomendas — principalmente projetos básicos de vários tipos naval e offshore — vão para o exterior, o que faz com que a engenharia no Brasil se ressinta. Mesmo assim, buscamos agregar valor às nossas soluções por meio da inovação — diz Rui Miguel Vieira, da Ghenova Engenharia. “Falta musculatura para as empresas brasileiras de engenharia consultiva e de projetos competirem a nível internacional, justamente pela falta do exercício da engenharia básica e conceitual”, acredita Taltíbio Costa, da Della Costa Engenharia.
Uma boa notícia vem de parcerias anunciadas nos últimos anos entre estaleiros como o Enseada do Paraguaçu, em Maragogipe (BA), e companhias estrangeiras, que garantem a troca de tecnologia. Com isso, a produção brasileira se valoriza e cresce em produtividade. Mas os escritórios de consultoria em engenharia ainda estão fora desse rol. Faltam políticas específicas para fomentá-los, adverte o presidente da Sobena, que ressalta que a política de conteúdo nacional não determina quais serviços e equipamentos precisam ser feitos no Brasil. “Hoje não está previsto mecanismo que estimule que a engenharia seja feita aqui. Temos capacidade, mas não número suficiente de escritórios para atender”, recorda.
Rui Botter, da USP, exemplifica: em estaleiros asiáticos, projetos básicos são personalizados de acordo com a necessidade do cliente. Eles projetam de acordo com o seu parque industrial. Com isso, é possível conceber e entregar uma plataforma ou embarcação de grande porte em dois ou três anos. Em território nacional, com estaleiros ocupados e escritórios sem capacidade para absorver toda a demanda, não é possível concorrer com esse prazo.
A maior dificuldade está no desenvolvimento conceitual dos projetos, fase em que os engenheiros brasileiros participam pouco. É mais comum que eles cuidem do detalhamento, mas muitas vezes nem isso ocorre. Restam a gestão da produção em si e processos complementares. A engenharia básica — em geral — vem sendo trazida de fora do país. Embora os escritórios brasileiros de maior porte ofereçam serviço de alta qualidade e alinhados com as tecnologias mais avançadas, ainda não têm recursos para atender, no prazo desejado, a demanda. Falta também especialização em projetos diversificados. Um dos perigos é que sempre caibam às firmas nacionais os trabalhos mais intensivos em mão de obra e com menos valor agregado. “Projemar e Kromav, por exemplo, são competidores fortíssimos, mas não conseguem atender o mercado inteiro sozinhas. É preciso tempo para se estruturarem”, explica o professor Botter.
É nesse cenário que, desde 2010, foram anunciadas as parcerias entre três grandes estaleiros brasileiros e companhias asiáticas. É pacífico que o Brasil precisa de mais sustentabilidade, capacitação tecnológica e excelência, mas a atuação das estrangeiras gera polêmica. Para Floriano, da Sobena, as parcerias são bem-vindas se aumentarem a capacidade de oferta e acelerarem a adoção de novas tecnologias. Elas também podem elevar a perspectiva de emprego com a injeção de mais recursos e contribuir para o intercâmbio de ideias com engenheiros nacionais.
A tradição dos japoneses na indústria naval é o destaque das associações, de acordo com Augusto Mendonça, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav). “Eles têm muito a nos ensinar em gerenciamento industrial, modelos de gestão e conhecimento. Estão treinando pessoal, e não trazendo gente”, garante.
Um dos exemplos dessa troca benéfica é o estaleiro baiano Enseada, que tem entre seus acionistas Odebrecht, OAS e UTC. Desde maio de 2012, a empresa está associada à japonesa Kawasaki (KHI), que fabrica navios há mais de 135 anos. Setenta e oito engenheiros já foram treinados no Japão. Além de aprender sobre as operações dos equipamentos e a metodologia, os profissionais voltaram do outro lado do mundo com um estilo de vida mais japonês. Segundo o vice-presidente de Operações da Enseada Indústria Naval, Guilherme Guaragna, o treinamento incluiu até comportamentos voltados para a qualidade de vida. “Observamos uma combinação especial entre o estilo japonês de realizar atividades profissionais e pessoais e a motivação e energia brasileiras para vencer desafios, resultando num profissional mais capacitado e um ser humano mais completo”, elogia. Prevista em contrato, a transferência de tecnologia se dá com treinamento de pessoal, fornecimento do acervo técnico, softwares de gestão e todas as melhorias desenvolvidas ao longo dos últimos 20 anos pela KHI nos softwares de engenharia. Mais 112 profissionais da companhia serão treinados durante quatro meses no Japão.
O Estaleiro Atlântico Sul, em Ipojuca (PE) tem como sócia desde junho de 2013 a Ishikawajima-Harima Heavy Industries (IHI), que comprou 25% de participação no negócio após uma parceria tecnológica iniciada meses antes. Em outubro do mesmo ano, foi a vez da Ecovix, em Rio Grande (RS), vender 30% de seu capital a cinco japonesas, entre elas a Mitsubishi Heavy Industries. “Como eles têm participação acionária, vão querer que o negócio seja o mais produtivo possível”, diz Augusto Mendonça, da Abenav.
Há quem mencione, por outro lado, rumores de que a “inteligência” do processo de produção em outras destas parcerias se mantém nas mãos dos estrangeiros e quem denuncie que profissionais foram importados de outros países, incluindo vizinhos da América. Numa analogia, o presidente da Sobena, Floriano Martins Pires, remete à indústria automobilística. Fortemente apoiadas pelo governo brasileiro e geradoras de empregos há mais de 60 anos, as montadoras seguem produzindo aqui projetos desenvolvidos fora do país. “Eles mantêm sua pesquisa e desenvolvimento, o marketing, toda a estratégia de mercado lá fora. Só produzem aqui o que é econômico”, lamenta.
— Não observo transferência real de tecnologia por consultorias estrangeiras para empresas brasileiras. Nenhum empreendedor abriria os detalhes técnicos de anos e anos de pesquisa e desenvolvimento em função de alguns poucos projetos no país. A obrigação de associar-se a parceiros tecnológicos estrangeiros é muito mais um mecanismo de ‘seguro’ para a garantia de performance do projeto — arremata Taltíbio Costa. “Se o valor agregado está lá fora e o Brasil só estiver no mapa por causa das encomendas de hoje, isso não traz desenvolvimento”, pondera Rui Botter.
Para ter soberania, não faltam exemplos a seguir. Atendo-se ao exemplo do professor Floriano, basta lembrar que firmas coreanas começaram a investir na própria indústria automobilística — e também na indústria naval e offshore — bem depois do Brasil. No entanto, hoje o país detém alta tecnologia e é consenso que eles e os japoneses têm muito a nos ensinar. “O estaleiro coreano, com um gerenciamento excelente, muita automação, mão de obra altamente qualificada, consegue produzir navios de qualidade com preços competitivos. O Brasil tem que melhorar muito para se tornar competitivo no mercado internacional”, avalia Gerson Machado, engenheiro e diretor da Sólido Engenharia. Ele aponta ainda que o custo de fabricação de um navio no Brasil é maior que o valor dele no mercado internacional, enquanto outros países, como a Turquia, são competitivos em certos nichos de mercado.
A competitividade brasileira só tem a ganhar com a troca de experiências, na visão de Rui Miguel Ghenova, da Ghenova Engenharia. “A transferência tecnológica é muito positiva, particularmente quando se tratam de embarcações complexas como navios-sonda, FPSOs. Através de investimento direto no Brasil, empresas como a nossa fazem projeto básico e de detalhamento com mais de 20 anos de experiência internacional adaptada à real necessidade dos estaleiros e armadores brasileiros”, argumenta o diretor da empresa italiana. A Ghenova tem trabalhado com projetos de modernização de unidades em serviço como os navios multipropósito e de prospecção geológica e sismográficos, que participam nas fases iniciais de prospecção de petróleo. Com propulsão a gás natural, eles emitem até 99% menos gás carbônico na atmosfera, além de reduzirem custos operacionais.
A inspiração dos estrangeiros deu certo na Ecovix, com capital japonês desde 2013. O objetivo foi permitir o aporte de tecnologia e expertise operacional, além de contribuir para alcançar padrões de qualidade e de cumprimento de prazos na construção de equipamentos críticos para a exploração do pré-sal. Gerson Almada, presidente da Ecovix, confirma que “profissionais especializados foram trazidos para funções para as quais não havia mão de obra local, devido ao grau de complexidade da atividade, e são fundamentais para o processo construtivo e de formação da mão de obra local”.
Taltíbio Costa, da Della Costa Engenharia, tem ressalvas quanto a essa prática do mercado. “Não precisamos de estrangeiros para nos ensinar a construir cascos ou montar a propulsão de embarcações. O que observo no mercado não é importação de mão de obra, e sim uma quantidade considerável de estrangeiros trabalhando no Brasil sem o devido registro no respectivo órgão de classe”, repreende. “Eficiência não se consegue por decreto, nem por marca registrada. A tecnologia que possa ser importada não será suficiente para excluir o investimento em melhorias nos processos e qualificação profissional. Vejo pequenos estaleiros sendo comprados por grandes grupos internacionais, mas não consigo identificar ainda formação de mão de obra”, conta Mario Antonio de Souza Santos, diretor presidente da Exactum Consultoria e Projetos. Ele acrescenta que os projetos desenvolvidos por empresas estrangeiras não consideram as peculiaridades dos estaleiros brasileiros.
Os japoneses, que foram líderes por 40 anos e perderam mercado nos últimos anos para a Coreia, hoje estão em terceiro lugar quanto à quantidade e valores das obras contratadas e buscam associações no Brasil. Para Paulo Lemgruber, da Interocean Engenharia, nosso país tornou-se mercado do Japão para utilização de sua mão de obra técnica, onde eles venderiam equipamentos e assessoria. “Nos atuais preços da Ásia, podemos importar uma embarcação completa dentro do conteúdo importado dos 35% permitidos”, reclama o engenheiro. O professor Luiz Felipe Assis, da Coppe, completa: os módulos na Ásia são projetados para se encaixarem com as tecnologias que usam lá. “Comprando o projeto fora, o Brasil precisa adaptá-lo à indústria local, quando é possível. Muitas vezes, porém, até o detalhamento é feito fora”, lamenta. Aluisio Sobreira, diretor da Mercoshipping e da Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE), reitera que a dificuldade de fazer no Brasil é o custo.
— A automação nos estaleiros vem crescendo sistematicamente para diminuir os custos, no exterior e no Brasil. Com isso, o custo e tempo de fabricação do navio se reduzem — avalia Gerson Machado, da Sólido Engenharia. Mas o nível de produtividade alto não significa necessariamente automação alta. De acordo com o professor Luiz Felipe, da Coppe, fora do Brasil há estaleiros parecidos com aqueles da década de 70 que usam gestão e seriação para serem mais eficientes. O avanço, destaca o pesquisador, não é só na tecnologia dos equipamentos. “Temos problemas para planejar e gerir produção para ocupar melhor os recursos no tempo certo e com custo adequado”, analisa.
Já Taltíbio Costa relembra que boas práticas dos estaleiros japoneses já haviam sido incorporadas à engenharia naval brasileira desde a instalação do antigo Estaleiro Ishikawajima Ishibras no Rio de Janeiro. “Os estaleiros coreanos são muito espelhados nos japoneses, com grande ênfase na engenharia de métodos construtivos, planejamento e controle. Já no caso dos chineses, o impacto maior se dá nos preços mais reduzidos, devido às exigências mais brandas em questões de segurança do trabalho e meio ambiente”, destaca ele, ressalvando que o sacrifício de trabalhadores ou impactos ao meio ambiente não são práticas aceitáveis em qualquer mercado.
Não há consenso sobre o tamanho do mercado de engenharia naval no Brasil. Para uns, faltam engenheiros para competir globalmente; para outros, a medida está ajustada. Há ainda quem acredite que já temos mão de obra em excesso. “Embora os engenheiros navais, tecnólogos e técnicos no Brasil estejam entre os mais bem formados do mundo e tenhamos cursos cinquentenários, como USP e UFRJ, o Brasil carece de desenvolvimento nos segmentos de engenharia naval básica e conceitual, que ficam restritos apenas às universidades e centros de pesquisas de empresas estatais ou da Marinha”, critica Costa. Em oposição, Gerson Machado, da Sólido Engenharia, destaca que temos tanques de provas e laboratórios para formar engenheiros de qualidade.
A situação de pleno emprego vista há três ou quatro anos acabou, o que permite às empresas escolher o profissional mais adequado ao seu perfil. “O mercado está se estabilizando e o setor se organiza. Também tem acontecido mais e mais de outras engenharias se especializarem nesse setor”, informa Luiz Felipe Assis, pesquisador da Coppe UFRJ.
O suprimento de recém-formados já excede a capacidade de absorção do mercado, acredita Paulo Lemgruber, da Interocean. “O problema não está no número de engenheiros, mas em políticas públicas que mantenham os profissionais atuando de forma continuada e empresas que invistam no crescimento deles. Arrisco-me a dizer que, nos últimos anos, as universidades têm formado profissionais suficientes”, discorda Mario Santos, da Exactum Consultoria e Projetos. Ele acrescenta que o gargalo da indústria naval está nos técnicos de nível médio e profissionais da área de produção. “Estes técnicos são formados dentro dos estaleiros e a aceleração se dá por educação de qualidade desde o ensino médio. Isto sim vai permitir atingir mais rapidamente os índices de produtividade requeridos”, diz.
Com ferramentas de maior tecnologia nos estaleiros, o perfil dos profissionais técnicos e soldadores vai mudar um pouco. “No futuro, serão usados apenas sistemas mais complexos em grandes estaleiros”, adianta. “Também há um perfil necessário de profissional, que atue entre a gestão e a produção, em falta”, adiciona Luiz Felipe, da Coppe.
Além dos cursos mais tradicionais, novos cursos foram criados em Pernambuco, Pará e Santa Catarina. Mas os consultores se ressentem da necessidade de engenheiros navais com mais experiência. Há 20 anos, a evasão passava de 70% nas turmas da USP e UFRJ, as mais antigas do país. Hoje esse número tende a zero. Mas faltam engenheiros navais que se dediquem à pesquisa — as ofertas de estágio e emprego são feitas ainda durante o curso e é difícil competir com as vantagens oferecidas pelo setor. A falta de doutores acende a luz amarela nos cursos, que têm dificuldades de encontrar professores com o perfil ideal. Aí surge potencialmente um ciclo negativo.
A reação vem das associações. Em setembro último, o Sinaval divulgou parceria com a Fundação Getúlio Vargas para criar dois MBAs: em Gestão de Estaleiros e Gestão de Projetos de Engenharia Naval, com início previsto para 2015. As aulas poderão acontecer em estados onde existam estaleiros. A iniciativa faz parte do esforço conjunto do Sinaval com a FGV para desenvolver projetos gerenciais, envolvendo pesquisas e cursos de treinamento, aperfeiçoamento e especialização, além da realização de seminários, palestras e outros eventos, conforme informou a entidade em nota. Já a ABCE promoveu treinamento de projetos em três dimensões em parceria com a Petrobras e projetos de engenharia, com a Engepron.
As empresas também investem em treinamento. Além da Enseada Indústria Naval, há o caso da Exactum. O diretor presidente, Mario Santos, afirma que a indústria pode e deve investir em seu capital humano. “Já temos qualidade suficiente, mas falta a quantidade necessária para tantos empreendimentos em relação a técnicos e trabalhadores nos novos polos navais e ainda manter o contínuo aprimoramento de processos e profissionalização no polo mais antigo, que é o Rio de Janeiro, para melhorar nossa performance com processos mais eficientes na construção naval”, defende.
O grande desafio da indústria naval, portanto, está em criar mercados de forma continuada para afastar a tormenta da falta de encomendas. “Essa condição é essencial para o desenvolvimento de profissionais e geração de conhecimento e tecnologia voltados para o aumento da competitividade do setor no Brasil. Ela é decisiva para a manutenção do nível operacional dos estaleiros e a produtividade é um dos fatores mais relevantes para aumentar a competitividade”, aponta Guaragna, do Enseada. Ele lista ainda outros incentivos necessários: qualificação e formação de uma cadeia de navipeças competitiva; acesso à matéria-prima competitiva, em especial aço; redução da carga tributária, IPI sobre peças e materiais destinados à construção naval por estaleiros brasileiros e redução dos custos com encargos sociais.
Aluisio Sobreira, diretor da ABCE, receia que os investimentos possam ser afetados pelas crises políticas envolvendo a Petrobras durante o período eleitoral. “Se os contratos reduzirem, há risco de perder mão de obra capacitada de nível internacional”, afirma. Taltíbio Costa, da Della Costa Engenharia, destaca a importância de retomar pesquisa e desenvolvimento de engenharia básica e conceitual predominantemente com enfoque acadêmico, aplicação de técnicas adequadas, planejamento e engenharia de métodos construtivos. “Em grande parte são os desafios consequentes do desmantelamento da década de 1990”, lembra ele.
Já Paulo Lemgruber, da Interocean, aponta como maior desafio a concorrência com serviços executados no exterior, que não têm os altos custos brasileiros de contratação da mão de obra técnica, que seria escassa. Mas o governo tem feito sua parte. O programa Brasil Maior, política industrial, tecnológica e de comércio exterior do governo federal que visa manter crescimento sustentado, garantiu desoneração da folha de pagamento sem prazo para acabar, baixando o custo da mão de obra. Também incentiva a criação de Arranjos Produtivos Locais (APL). Para Augusto Mendonça, da Abenav, a criação de cinturões industriais metal-mecânicos em torno dos polos de construção naval são chaves para o desenvolvimento do setor. “A indústria offshore é o mais avançado dos mecanismos de APL e visa trazer a cadeia de fornecimento para perto do estaleiro”, diz Mendonça, citando uma receita testada com sucesso na Ásia. “A competitividade é um trabalho permanente, assim como a busca por inovação”, reforça ele. Existe também incentivo a projetos para desenvolvimento de escritórios de engenharia com financiamento da Finep e de fundos setoriais.
Luiz Felipe Assis, professor da Coppe, entretanto, cobra uma ação mais assertiva do governo. Ele cita a iniciativa da coreana Hyundai, que mantém um centro tecnológico automotivo com quatro mil engenheiros em Seul. “Eles cuidam de todos os aspectos da produção. Se juntar todos os engenheiros pesquisando no Brasil, não chega a esse número”, compara. Uma das sugestões é criar um centro brasileiro para pensar os problemas da engenharia naval como, por exemplo, formas eficazes de movimentar blocos muito grandes de aço, com mais de 1,5 mil toneladas, fora do dique e que se encaixem perfeitamente entre si.
À indústria cabe apontar suas demandas de Pesquisa e Desenvolvimento, em integração com universidade e governo para evitar a dispersão de recursos. Rui Botter, da USP, recomenda que essa mobilização atenda a metas de produtividade e que haja integração entre os pesquisadores. “Há uma pulverização dos recursos em vez de concentrar, como nos ensina o exemplo coreano”, diz Luiz Felipe, da Coppe. Ele apoia a ideia de que o governo estipule metas progressivas para os estaleiros.
Para as consultorias de engenharia, é preciso um esforço para que façam projetos básicos com continuidade. “Precisamos de desenvolvimento, mas também temos que atender à indústria na velocidade que ela precisa. Não pode atrasar muito a ponto de prejudicar o desenvolvimento nem avançar de forma desordenada, que seja ruim para a indústria brasileira”, diz Alexandre Gurgel, assessor da Firjan.
— Temos recebido várias missões comerciais que vêm ao Brasil interessados em fazer parcerias. São do Reino Unido, Noruega, Japão. Hoje é importante para quem atua na construção naval estar presente no Brasil — diz Augusto Mendonça, da Abenav. Desde que as parcerias deixem de herança uma indústria forte em tecnologia para encarar os próximos desafios, é claro. “Navios serão sempre necessários, mas não seremos competitivos soldando navio a mão”, sentencia Rui Carlos Botter, da USP.