Bancos destacam novas oportunidades no setor até 2020. Cadeia de fornecedores cobra mais encomendas - A expectativa de bilhões de dólares em investimentos para o setor naval e offshore nos próximos anos traz mais preocupação do que otimismo à indústria nacional. Embora os bancos destaquem suas linhas de financiamento e o aumento dos desembolsos nos últimos anos, a cadeia de fornecedores encontra dificuldades para competir com a produção estrangeira. E enxerga incertezas nos investimentos no segmento.
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Para o presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais e de Offshore (CSEN) da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), César Prata, o desafio é fazer com que as condições hoje encontradas para o financiamento dos cascos de navios alcancem toda a cadeia produtiva. Ele considera que o crédito para construção de embarcações no Brasil está bem resolvido na medida em que as condições são atraentes. Ele cita o financiamento pelo Fundo da Marinha Mercante (FMM), com assistência de agentes repassadores, juro negativo, com financiamento de até 90% em períodos longos, podendo chegar a até 20 anos. “Apesar do custo de construção do navio ser muito caro no Brasil — mais alto que em qualquer outro lugar —, quando o financiamento é aplicado em cima dos valores contratados é tão bom que torna os valores atraentes. Mesmo que o valor inicial seja alto”, avalia Prata.
Ao contrário do que acontece na hora de financiar a construção dos cascos dos navios, a aquisição de navipeças pelos estaleiros leva em conta o câmbio, evidenciando a falta de competitividade dos fornecedores nacionais. “Os estaleiros nos comparam com preços internacionais em relação direta real-dólar e convertem o câmbio, escancarando a desvantagem competitiva”, afirma.
O dirigente da Abimaq acrescenta que os regimes tributários, como o REB (construção naval e offshore) e Repetro (plataformas) são renúncias fiscais que prejudicam toda a cadeia produtiva. Ele sugere que o imposto de importação deveria ser usado para corrigir distorções cambiais e proteger o setor de equipamentos naval e offshore da influência de produtos importados, a exemplo do que acontece na indústria automobilística.
Até 31 de dezembro de 2013, o Programa de Financiamento da Cadeia Produtiva da Petrobras (Progredir) aprovou 1.601 financiamentos que totalizam R$ 7,76 bilhões. Segundo a Petrobras, 597 empresas já foram beneficiadas. O Progredir foi criado com o objetivo de garantir sustentabilidade e expansão da cadeia de suprimentos. A sistemática permite que cada empresa com contrato de fornecimento com a Petrobras utilize entre 50% e 80% dos recebíveis destes contratos como garantia para seus financiamentos.
No caso do levantamento de crédito bancário, os fornecedores enfrentam custo elevado devido à carência de informações para avaliação dos bancos e também pela necessidade de levantamento das garantias requeridas. Quando não existe um histórico de performance, ocorre demora no fechamento dos financiamentos. Além das fontes de crédito, a qualificação de mão de obra e acesso à tecnologia são alguns dos entraves à expansão da cadeia de suprimentos.
O pré-sal aumentou o desafio para a implantação segura, rentável e dentro dos cronogramas previstos dos projetos de exploração e produção da Petrobras, cujo plano de negócios e gestão prevê US$ 220,6 bilhões no período 2014-2018. Para atender parte dessa demanda, o Progredir vem aumentando desde a sua criação a rede de bancos públicos e privados parceiros: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, HSBC, Itaú, Santander, Citibank, Banrisul, BICBanco e Banco Safra.
A Caixa Econômica Federal oferece empréstimos para toda a cadeia de fornecedores, com possibilidade de carência, para as empresas vencedoras de licitação que precisam de recursos para as obras ou serviços e capital de giro para a execução. “Por meio de análise do escopo do contrato e da necessidade exposta pelo fornecedor, a Caixa antecipa determinado percentual do contrato a taxas competitivas em prazos adequados”, diz o superintendente executivo de grandes empresas, petróleo, gás e indústria naval da Caixa, Antonio Gil Padilha Bernardes Silveira.
O banco lidera os empréstimos no âmbito do Progredir, em quantidade e em volume de operações. Por meio do Portal Progredir, o banco já concedeu um total de R$ 1,8 bilhão. Em 2013, foram contratadas 126 operações que somam o valor total de R$ 731 milhões no âmbito do portal. A ferramenta desenvolvida pela Petrobras, bancos e com apoio do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), permite aos fornecedores cadastrados seguirem os requisitos do programa e solicitar financiamento aos bancos participantes.
Prata, da Abimaq, revela que os fabricantes vêm relatando que a Petrobras aumentou o rigor nos desembolsos nos últimos anos. Antes, a estatal conseguia, por exemplo, pagar antes de o bem ser entregue. Nos últimos anos, esses fabricantes contam a dificuldade de precisar produzir antecipadamente para só receber depois. “Isso onera o produto e coloca os fornecedores em desvantagem competitiva”, aponta Prata. Esses fabricantes alegam que atrasos de pagamento afetam a cadeia como um todo. Eles observam a tendência de a Petrobras, em nome da urgência, não esperar a indústria nacional se desenvolver, e importar os bens, ao invés de produzi-los no Brasil.
O presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais e de Offshore da Abimaq lembra que o Progredir surgiu em decorrência dessa dificuldade de caixa da estatal. “O Progredir é uma espécie de remendo. O programa veio num momento para tentar suprir dificuldades de caixa da Petrobras”, avalia Prata.
De acordo com o plano de negócios 2014-2018, a principal fonte de recursos da Petrobras será sua própria geração operacional de caixa crescente no período. “O aumento da produção nos tornará exportadores líquidos em 2016, e então nossas receitas totais em reais, segundo as premissas adotadas, serão maiores quando a taxa de câmbio aumentar (real mais desvalorizado em relação ao dólar americano) ou se o preço internacional do petróleo subir”, informou a companhia. Para obter parte dos recursos, a Petrobras realizou em março de 2014 uma oferta de títulos no mercado internacional, captando US$ 8,5 bilhões. Esse montante será incorporado ao caixa da estatal.
Na avaliação da Abimaq, os grandes vilões da cadeia de fornecedores são o câmbio defasado e a alta dos juros. Prata analisa que não há política econômica voltada para a indústria no Brasil. Ele observa que o país vive um processo de desindustrialização e chama de ‘política de puxadinhos’, na medida em que o governo atenderia alguns setores da economia de forma isolada. Ele cita incentivos à venda de automóveis e produtos de linha branca. “Já fomos a sétima potência industrial do planeta há 20 anos. Hoje, somos a 15ª. Estamos descendo por falta de políticas industriais”, lamenta.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) revela que o crescimento da indústria naval é superior ao de navipeças, mas que as empresas que atendem ou pretendem atender à indústria naval tiveram um rendimento superior ao de seus pares. “É um bom indício de que se tratam de empresas mais capacitadas e que estão buscando a expansão de seus mercados”, analisou o pesquisador do Ipea, Fabiano Pompermayer, um dos organizadores da publicação.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) possui carteira de R$ 2,3 bilhões em financiamentos para o setor de óleo e gás, apoiando investimentos que somam R$ 4 bilhões, no âmbito do programa BNDES P&G, lançado em 2011 e com vigência até 2015. “Ainda temos orçamento nesse programa. Foram R$ 4 bilhões de orçamento, R$ 2,3 bilhões já estão comprometidos. Ainda temos R$ 1,7 bilhão até 2015. Ele está na curva que havíamos planejado”, destaca o superintendente da área de insumos básicos do BNDES, Rodrigo Bacellar.
A carteira do BNDES P&G possui 36 projetos que envolvem diversos setores, desde fabricantes de equipamentos subsea, prestadoras de serviço (principalmente serviços de montagem de módulos) e empresas de engenharia, até empresas de sísmica e de automação industrial para o setor. “É uma carteira bastante relevante e expressiva, mas compatível com essa demanda bastante pujante do setor de petróleo e gás para os próximos anos — basta vermos o plano de negócios da Petrobras para os próximos cinco anos”, projeta Bacellar.
A chefe do departamento de petróleo e gás e construção naval do BNDES, Priscila Branquinho, explica que o BNDES P&G tem sido utilizado para buscar o desenvolvimento da capacidade fabril no Brasil junto aos fornecedores da indústria naval e da indústria offshore. “É um trabalho para fomento da cadeia de fornecedores, para não ficarmos no apoio somente aos estaleiros, construção das embarcações offshore, plataformas, ou as sondas”, detalha Priscila.
Bacellar ressalta que o BNDES vem conseguindo contribuir para o aumento de conteúdo local. Ele destaca que o índice no segmento de embarcações de apoio offshore chegou a 57%, em 2009 e 70% em 2013. “Estamos conseguindo responder a essa política de aumento de conteúdo local e isso tem se materializado”, diz.
Prata observa que muitos estaleiros se desinteressam pela busca de parceiros locais para construção de navios petroleiros porque conseguem atender ao potencial de conteúdo local com mão de obra e chapas de aço. No caso dos navios de apoio offshore, ele diz que há algum interesse de os armadores nacionalizarem um pouco mais as embarcações. Ele considera que a exigência de conteúdo nacional para embarcações e plataformas ainda é baixa.
Para as próximas contratações provenientes das rodadas da ANP, os equipamentos serão contratados por sistemas de família. Prata cita que a 11ª rodada refletirá nos negócios e fornecedores somente daqui a cerca de quatro anos. “O setor ficou anos sem leilões e não teve novos investimentos. Esses projetos que hoje estão entrando no mercado são dos leilões que ocorreram em 2007 e 2008”, lembra.
Prata alerta que os fabricantes de equipamentos pesados e máquinas de grande porte estão próximos da extinção. “O Brasil sempre teve indústria pesada. Nos últimos três anos, no entanto, equipamentos de grande porte foram importados por falta de uma política industrial que as proteja contra as importações”, define.
De acordo com o Plano de Negócios e Gestão da Petrobras, o pré-sal representará 52% da sua produção em 2018. No período de 2014 a 2018, 28 novas unidades de produção devem entrar em operação e a produção de óleo deverá atingir 3,2 milhões de barris diários, chegando a 4,2 milhões diários em 2020. Segundo a Petrobras, o sucesso desta curva está vinculado a algumas variáveis, entre elas o desempenho da indústria de bens e serviços no Brasil e no exterior.
Considerando o gás natural, a produção total da Petrobras no Brasil será 3,9 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boed) em 2018 e 5,2 milhões de boed em 2020. Em 2014, a produção de petróleo crescerá 7,5%. A projeção considera a conclusão de nove plataformas em 2013, além da entrada em operação da P-63 e P-55. A P-58 e as unidades P-62, P-61 e TAD também estão previstas para este ano, assim como a conclusão das unidades Cidade de Ilhabela e Cidade de Mangaratiba.
A carteira de crédito do Banco do Brasil no setor de O&G cresceu 60,1% em 2013, fechando o ano com saldo de R$ 40,5 bilhões. O destaque foram os projetos com recursos do Fundo da Marinha Mercante e crédito para capital de giro por meio do Progredir. No fim de 2013, o banco totalizava R$ 8 bilhões em operações contratadas com recursos do fundo, referentes ao financiamento de seis estaleiros e mais de 240 embarcações.
O gerente executivo da diretoria comercial do Banco do Brasil, Márcio Giannico, diz que o principal entrave para o financiamento de projetos é a disponibilidade de garantias suficientes para cobertura do risco da operação. Outro fator crítico é a comprovação da disponibilidade de capital próprio para a contrapartida do financiamento. O prazo de análise de contratação depende das particularidades dos empreendimentos. “A disponibilidade do crédito pode até mesmo ser imediata, desde que o cliente apresente cadastro satisfatório e disponha de limite de crédito suficiente”, explica Giannico.
Ele adianta que estão no radar do banco o financiamento de navios-sonda, estaleiros de reparos, bases offshore e fornecedores de navipeças. Conforme dados do portal da transparência do governo federal, o BB liberou ao longo de 2013 mais de R$ 1,7 bilhão em financiamentos com recursos do Fundo da Marinha Mercante, o melhor desempenho do banco desde que iniciou atuação como agente financeiro do FMM.
Quando a empresa está em situação financeira difícil, seja porque está muito alavancada, seja por gestão ruim, não há contrato que seja suficiente. Bacellar, do BNDES, diz que nessas situações a empresa fica com avaliação de rating ruim, dificultando a operação. Mas ressalta que o histórico do BNDES P&G tem sido bom, a inadimplência está controlada e até abaixo do estimado.
Ele conta que há muitas empresas com estrutura de capital e gestão boas, apesar de serem de pequeno porte, e que conseguem contratos longos. “Para essas empresas, nosso apoio tem ocorrido e é fundamental porque permite que a empresa com boa situação financeira consiga participar e entregar sua encomenda, tendo financiamento adequado em termos de custo e em termos de prazo”, afirma Bacellar.
Na Caixa, cada linha tem um tipo de garantia exigida. “Após a análise de crédito, a Caixa solicita a apresentação das garantias adequadas às características da operação — por um lado, há operações com garantia de aval dos controladores; por outro, há concessões que requerem garantias mais robustas, comuns em financiamentos de projetos, por exemplo”, explica Silveira. Linhas de capital de giro podem ser aprovadas em dois dias úteis. Já as linhas de financiamento com análise de projetos acabam levando um tempo maior por conta da complexidade na estruturação das operações.
Desde 2010, quando se tornou agente repassador do FMM, a Caixa concedeu R$ 4,7 bilhões, de um total de R$ 5,3 bilhões para o segmento indústria naval. Silveira diz que a Caixa pretende manter-se na liderança das operações do Progredir e aumentar a participação entre os repassadores de recursos do FMM. Ele destaca que, entre as operações em análise, há um volume considerável de projetos para navegação interior. O foco é a demanda que virá com a nova rota para o escoamento de grãos pela região Norte.
Bacellar revela que o radar atual do BNDES para o setor de O&G vai até 2020, com prospecção com mais de 30 empresas nacionais de médio e grande porte, sendo que 13 já são clientes do banco. O BNDES espera agregar de 13 a 15 empresas nessa carteira nos próximos anos tendo em vista a demanda até 2020. Ele lembra que a Petrobras precisará de novas plataformas de petróleo. “Uma plataforma dessas é um investimento enorme. Imaginemos o que tem de equipamentos de serviço numa plataforma dessas. Se multiplicarmos isso por 35 dá uma demanda grande”, destaca.
O BNDES possui R$ 37 bilhões do FMM em carteira para investimentos que somam R$ 55 bilhões. Recentemente, o banco fechou contrato com a Sete Brasil que envolve empréstimo de R$ 8,8 bilhões para financiar as nove primeiras sondas de um total de 28 encomendadas pela Petrobras. A carteira do setor de O&G no banco somam 121 projetos em toda a cadeia produtiva.
O banco também tem possibilidade de, além de conceder crédito, conceder apoio via participação no capital das companhias. Um exemplo foi a Oceana Navegação — empresa que constrói e presta serviços de afretamento de embarcações de apoio offshore. O banco tem participação acionária minoritária no capital da Oceana, que recentemente incorporou a CBO.
Bacellar explica que a nova entrante vislumbrou essa oportunidade de crescimento porque existe demanda grande nos próximos anos por embarcações de apoio. “O banco já faz isso há muitos anos. Buscamos os setores que estão mais pujantes e a cadeia produtiva de petróleo e gás se coloca como boa oportunidade”, completa.
O Fundo de Garantia para Construção Naval (FGCN), administrado pela Caixa, foi uma reivindicação do setor criada para servir de garantia para os estaleiros. O FGCN começou a operar em 2010 e desde então outorgou cerca de 66 garantias de crédito (a armadores) e de performance (a estaleiros brasileiros), sendo quase todas essas garantias destinadas à construção das sondas brasileiras do Projeto Sondas da Petrobras. A Caixa informou que, até o momento, não houve desembolso pelo fundo.
A previsão é que o Projeto Sondas demande praticamente toda a capacidade do fundo em 2016-2017, período da maior demanda por garantias. Posteriormente, à medida que o fundo se desonere dessas garantias, ficará disponível para outros projetos que a legislação prevê, tais como os de embarcações, de pesca industrial, de pesca artesanal profissional, de transporte interior de cargas ou de passageiros de elevado interesse social, de cabotagem, de proteção e segurança à navegação, de apoio marítimo e portuário.
Bacellar, do BNDES, enfatiza que investimentos em inovação e tecnologia são importantes para as empresas que atuam no setor e que desejam obter financiamento. “Há uma intensidade tecnológica que é inerente desse setor. É primordial que sejam investidos recursos significativos em inovação. As empresas vão ter que capacitar seus quadros e, para isso, elas precisarão de crédito, capital e sócios dispostos a correr esse risco e dar estrutura de capital adequada para empresa. Precisam ter esforço de inovação permanente com quadros muito qualificados”, analisa Bacellar.