Quando a britânica Genel Energy PLC decidiu, no ano passado, procurar por petróleo na Somália, a empresa não negociou com o governo somali reconhecido internacionalmente.
Em vez disso, o diretor-presidente da Genel, Tony Hayward, voou para Hargeisa, a capital da região separatista Somalilândia, no norte do país. Ele visitou o presidente separatista e disse ao ministro de recursos naturais que a Genel poderia investir cerca de US$ 100 milhões para explorar petróleo na região.
Hayward, que era diretor-presidente da britânica BP PLC quando ocorreu o acidente com a plataforma Deepwater Horizon, no Golfo do México, em 2010, juntou-se a um grupo de exploradores de petróleo que adotam uma estratégia perigosa, mas às vezes lucrativa: procurar pelo combustível em áreas politicamente ou geologicamente arriscadas após negociar com os governos que controlam as terras, mesmos que elas sejam disputadas.
Esses exploradores atuam no que Hayward, de 56 anos, chama de "a fronteira política". Eles às vezes desafiam as posições dos Estados Unidos e da Organização das Nações Unidas, que afirmam que firmas podem agravar conflitos e fomentar instabilidade ao entrar em áreas disputadas.
Na Somalilândia, Hayward está se envolvendo num conflito de décadas. A região se declarou independente em 1991, mas a Somália ainda reclama o território e a ONU não reconhece sua independência. Os acordos de petróleo da separatista Somalilândia são particularmente conflituosos porque às vezes eles se sobrepõem a concessões negocia-das há anos pelo governo central do país africano e que pertencem a empresas como BP, Royal Dutch Shell PLC e ConocoPhillips.
Uma autoridade do Departamento de Estado dos Estados Unidos diz que, sem uma resolução entre os governos central e regional, os acordos petrolíferos "vão gerar conflito". Um relatório da ONU divulgado em julho afirma que fechar acordos de petróleo em regiões fragmentadas da Somália podem "ameaçar a paz e a segurança".
A Somália acredita que o acordo da Genel pode "desestabilizar" o país, disse o governo central a Hayward num email de 2012 a que o The Wall Street Journal teve acesso e que alegava que a Genel está "tentando aumentar seus lucros criando mais problemas nesta parte do mundo".
Hayward diz que não concorda e que encontrar petróleo não somente vai criar riqueza como também acabar com os conflitos. "Se as pessoas tiverem a oportunidade de ganhar dinheiro e comprar uma BMW em vez de correr pelas montanhas com um [rifle] Kalashnikov", diz ele, "elas vão fazer isso". Dualeh, o ministro, diz que o petróleo vai ajudar o governo separatista a conseguir ser reconhecido e gerar recursos para a sua estável, mas extremamente pobre, região.
Os chamados "wildcatters", pioneiros que, como Hayward, procuram petróleo em áreas inexploradas, estão desempenhando um papel cada vez mais importante no setor. Grandes companhias geralmente evitam explorações em regiões instáveis ou com uma geologia problemática. Mas elas precisam de novas reservas. Assim, às vezes elas dependem de pequenas empresas para descobrir petróleo em lugares arriscados. Se os problemas políticos ou geológicos não interromperem a produção, as empresas maiores geralmente seguem os passos das pequenas.
Um exemplo típico é o sucesso da Genel na região do Curdistão, no Iraque. Até dez anos atrás, as grandes companhias de petróleo não estavam lá, principalmente devido a preocupações com a segurança. A Genel fez um acordo com os líderes do Curdistão, tornando-se uma das primeiras empresas ocidentais a explorar petróleo no local. No fim, as concorrentes vieram atrás dela.
Porque as pequenas empresas têm menos dinheiro, "por definição elas têm que ir para a fronteira, seja a fronteira técnica ou a política", diz Hayward. "Não faz sentido imitar as grandes."
A Genel foi fundada em 2002 por Mehmet Sepil, um magnata turco da área de construção. Seu sucesso inspirou outras empresas a seguir o mesmo caminho. Depois, empresas de médio porte, como a americana Hess Corp., entraram nesse mercado.
A Exxon Mobil Corp. e a Chevron Corp., as maiores petrolíferas do mundo, vêm desde 2011 fazendo acordos para entrar no Curdistão. A Exxon não quis comentar. As empresas que primeiro exploraram o Curdistão, diz o presidente da Chevron no Iraque, Donnie MacDonald, "reduziram o risco até certo ponto".
Graças ao crescimento no Curdistão, a Genel obteve no ano passado um lucro de US$ 75,9 milhões e receita de US$ 333,4 milhões, comparado com um prejuízo de US$ 57,7 milhões e receita de US$ 24 milhões em 2011.
O petróleo está gerando prosperidade no Curdistão. Sua capital, Erbil, mostra sinais disso: um aeroporto moderno e condomínios com fachada em mármore. Carros novos podem ser vistos em estradas bem asfaltadas no interior.
Geólogo de formação, Hayward trabalhava em plataformas de petróleo quando foi escolhido para comandar a BP, em 2007. Após deixar a petrolífera britânica, ele buscou sócios e criou uma firma de investimentos no setor de petróleo.
Hayward estava ansioso para explorar e se envolver em política de um jeito que os executivos das grandes empresas não podem. Nos países ricos em petróleo, diz ele, as pequenas empresas dão "oportunidade aos caras no comando de terem um relacionamento pessoal muito mais profundo com os líderes [dos países]".
A firma de Hayward comprou a Genel em 2011. Uma região tecnicamente desafiadora que ela começou a explorar foi a costa do Marrocos, diz Hayward. Assim como no Curdistão, a Genel está chegando à Somalilândia antes das grandes petrolíferas. A Shell e outras tinham licenças nos anos 80 para operar na Somália, incluindo áreas da Somalilândia, mas suspenderam as atividades diante da violência crescente.
Nos últimos dez anos, "wildcatters" começaram a tentar obter licenças de exploração na Somália. A Ophir Energy PLC, do Reino Unido, entrou na Somalilândia em 2004 ao comprar uma participação numa empresa que ganhou uma concessão em 2003 - que se superpõe a outra que a BP obteve do governo central, em Mogadíscio. A Ophir afirma que sua licença é legal. O governo central diz considerar inválidas as licenças emitidas por governos locais.
A concessão da Genel se sobrepõe a outra da americana ConocoPhillips concedida pelo governo central. A ConocoPhillips não está explorando hoje na Somália, mas "nós não abandonamos nossos interesses lá", disse um porta-voz da empresa.
As equipes da Genel começaram testes sísmicos na Somalilândia, mas saíram do local em setembro devido a ameaças à segurança. "As discussões com o governo da Somalilândia continuam em andamento para facilitar o reinício da atividade", afirmou no mês passado a Genel.
Dualeh, o ministro, diz que a Somalilândia pode criar uma "força de proteção do petróleo".
Fonte: Valor Econômico/Por Justin Scheck, Alexis Flynn e Idil Abshir | The Wall Street Journal, de Londres, Erbil, no Iraque, e Mogadíscio, na Somália
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