Foto: Agência Petrobras
Após quase dois anos de atraso, EAS entrega à Transpetro o navio ‘João Cândido’, primeira das 22 encomendas do Promef
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O Estaleiro Atlântico Sul (EAS) entregou em 25 de maio o navio João Cândido à Transpetro. Este é o segundo navio do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef) a entrar em operação. O primeiro foi o Celso Furtado, construído pelo estaleiro Mauá,
no Rio de Janeiro, em novembro do ano passado. O atraso de quase dois anos na entrega da embarcação acarretou multa ao estaleiro. E a ausência de um parceiro tecnológico para a construção dos petroleiros encomendados ao EAS — a Samsung saiu da sociedade no último mês de março — fez a Transpetro suspender os contratos com o Atlântico Sul.
Com capacidade de transportar 157,7 mil toneladas de porte bruto, o navio tipo Suezmax para transporte de óleo cru pode carregar até um milhão de barris, quase a metade da produção diária nacional. Segundo a estatal, este é o maior navio em operação construído no país. O João Cândido tem 274 metros de comprimento, 51,6 metros de altura e 48 metros de largura. Com 12 tanques de carga e mais dois de sobra que podem comportar até quatro mil toneladas de óleo combustível, o navio tem autonomia para viajar 20 mil milhas náuticas, o que possibilita que a embarcação dê uma volta ao mundo sem necessitar de reabastecimento. O João Cândido pode chegar a uma velocidade de 14,8 nós.
Na cerimônia de entrega do petroleiro, estavam presentes os presidentes da Petrobras, Maria das Graças Foster; da Transpetro, Sergio Machado; do EAS, Otoniel Reis; do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Ariovaldo Rocha, além do governador de Pernambuco, Eduardo Campos; o prefeito de Ipojuca, município onde está instalado o EAS, Pedro Serafim, e representantes da Queiroz Galvão e Camargo Corrêa, sócias controladores do estaleiro.
Após saudar os funcionários que, segundo ele, são os “verdadeiros heróis dessa epopeia”, Machado destacou que o Promef nasceu com três premissas, das quais duas já foram alcançadas: a de voltar a fabricar navios após 20 anos e a de atingir o índice de nacionalização que, no caso do João Cândido, foi de 70%. O próximo passo, afirma o presidente da Transpetro, é tornar o setor competitivo a nível mundial. “A Coreia levou 30 anos para chegar. Nós aprendemos com esse processo, estamos saindo da fase da inércia, foi mais difícil do que pensávamos, mas agora vamos cumprir o terceiro pilar desse programa. Temos que garantir a produtividade para colocar o Brasil no cenário mundial”, disse.
O presidente do EAS afirmou que a entrega do petroleiro é o início de uma nova etapa para o estaleiro. Ele ressaltou também que o empreendimento enfrentou o desafio do apagão da mão de obra no setor, já que o desmonte da indústria naval desestimulou os brasileiros a investir numa carreira nessa área. “Ao mesmo tempo em que o EAS era construído, estávamos investindo no treinamento de milhares de moradores dessa região para a operação do estaleiro. Como se tratava de uma nova fronteira que estava sendo criada, evidentemente não havia oferta de trabalhadores especializados no mercado do Nordeste”, justifica.
O comandante do João Cândido é Carlos Augusto Müller. Segundo ele, a embarcação é atualmente a melhor já construída pela indústria naval brasileira. “Nossa tripulação teve a oportunidade de acompanhar a construção do navio desde o início, participando das inspeções de testes, da fiscalização das diversas etapas de construção e por isso sabemos que o navio foi bem construído e prestará um bom serviço à Petrobras”, declara. O petroleiro conta com motor eletrônico, sistemas de navegação integrados, além de sistemas complexos para supervisão e monitoramento da casa de máquinas e de comunicação de dados em banda larga.
Em sua primeira viagem, o navio partiu levando os seus 25 tripulantes. Sob aplausos, queima de fogos e chuva de papel picado, o João Cândido saiu de Suape rumo à plataforma P-38, no campo de Marlim Sul, na Bacia de Campos. A primeira carga de um milhão de barris vai ser destinada ao Terminal Almirante Barroso (Tebar), em São Sebastião, no estado de São Paulo, para abastecer as refinarias de São Paulo.
A construção do João Cândido teve início em 5 de setembro de 2008, com a cerimônia do corte da primeira chapa de aço. No dia 7 de maio de 2010, o navio foi batizado e lançado ao mar. A entrega do navio estava prevista para setembro do mesmo ano. O fato, no entanto, ocorreu quase dois anos mais tarde. Na cerimônia, as justificativas sobre o atraso tiveram destaque.
Segundo Reis, alguns dos maiores entraves enfrentados pelo estaleiro foram a desativação da indústria de navipeças no país e o ineditismo do EAS. “A cadeia de suprimentos da indústria naval de uma forma geral havia sido desmontada. Não bastasse isso, o primeiro navio de um novo estaleiro é o test drive da empresa e o atraso dessa primeira encomenda é praticamente uma regra em todo mundo”, afirma. Ele salientou também que o navio foi entregue à Transpetro com aprovação da American Bureau of Shipping (ABS). “A qualidade do navio ficou comprovada ao longo dos oito dias de prova de mar do João Cândido. Durante esse período, o petroleiro foi submetido às mais diversas condições de operação em alto-mar e devidamente aprovado.”
O teste foi realizado entre os dias 3 e 8 de abril. Na ocasião, os 24 quilômetros de soldas do navio foram analisados com radiografias e ultrassom. Além da sociedade classificadora, fiscais da Transpetro acompanharam e aprovaram os reparos necessários durante a construção da embarcação.
Machado exemplificou que a Coreia iniciou sua indústria naval em 1960 e apenas na década de 90 atingiu um bom nível de produção. “Os estaleiros levaram prejuízo por dez anos e só com 30 que passaram a ser líderes. Vamos fazer isso em menos tempo, acredito que em 12, 15 anos vamos chegar lá”, prevê. No discurso do presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, o caso da Coreia também foi tomado como exemplo. “Em menos de dez anos, após duas décadas de desativação, a indústria naval brasileira já está dando resposta convincente. A Coreia demorou quase uma década para entregar o primeiro navio e é bastante subsidiada pelo governo local. Estamos prestes a sair da curva de aprendizagem. Só erra quem trabalha”, filosofa.
Na avaliação do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, o Promef permitiu que o país, que gasta cerca de US$ 18 bilhões com afretamento de embarcações, voltasse a construir navios. Ele ressaltou que a curva de aprendizagem é necessária e existe em qualquer processo produtivo. “Não me diga que Luiz Gonzaga fez sucesso ao cantar a primeira música, nem que o primeiro jogo do Pelé foi um sucesso”, compara. A presidente da Transpetro, Maria das Graças Foster, não se pronunciou durante o evento.
Pelo atraso na entrega do navio, de acordo com Machado, o estaleiro já foi multado. Por conta de sigilo contratual, o valor não pode ser divulgado, mas poderá ser alterado de acordo com a justificativa do estaleiro. “Faz parte do contrato. Eu multo, mas a empresa tem o direito de mostrar as razões e justificar. Analiso se acato ou não a justificativa” diz Machado, revelando que o prazo para o estaleiro é de um mês .
O custo adicional do navio para o EAS foi de R$ 170 milhões, chegando a um valor final de R$ 490 milhões. Primeira de 22 embarcações encomendadas ao EAS pelo Promef, o João Cândido consumiu em sua construção 21.549 toneladas de aço estrutural, 860 toneladas de acessório do casco, 940 toneladas de tubos, 111.001 metros de cabos elétricos, 9.048 conexões e 500 mil litros de tinta.
Sem parceiro tecnológico para a construção dos 16 dos 22 petroleiros encomendados pela Transpetro — já que a Samsung saiu da sociedade no último mês de março e, pelo contrato, apenas os seis primeiros terão tecnologia da coreana — a companhia suspendeu a execução dos contratos de compra e venda de 16 dos 22 petroleiros, que integram o Promef, encomendados ao EAS. Além do navio João Cândido, os cinco contratos dos navios subsequentes, que contam com a assistência técnica da Samsung, não serão interrompidos.
Segundo a companhia, os contratos dos 16 petroleiros permanecerão suspensos até o dia 30 de agosto deste ano. Este é o prazo que o EAS terá para encontrar um parceiro técnico com experiência comprovada na construção de navios; ter um plano de ação e cronograma confiável de construção das embarcações e um projeto de engenharia para os navios que atenda às especificações técnicas contratuais.
Se ao final deste prazo o EAS não cumprir as exigências, os contratos poderão ser rescindidos. Segundo a Transpetro, durante o período de suspensão, não serão aportados recursos na construção dos navios e a companhia não será responsável por custos incorridos pelo estaleiro em decorrência da suspensão.
Visando à busca por competitividade internacional, segundo a companhia, a Transpetro está criando o Setor de Acompanhamento dos Processos de Produção (SAP), que terá como função apontar caminhos para que os estaleiros melhorem seus padrões de produtividade, a partir de acompanhamento e auditoria de todas as etapas da linha de montagem dos navios. Até agora, diz a Transpetro, a fiscalização estava focada em aspectos de qualidade, prazos e pagamentos de cada navio. O SAP terá como objetivo acompanhar o processo de forma mais ampla, apontando gargalos e soluções para que os prazos de construção no Brasil sejam reduzidos progressivamente, como preveem os contratos do Promef.
O Programa prevê a construção de 49 navios, dos quais dois — Celso Furtado e João Cândido — já estão em operação. Neste mês de junho está prevista a entrega do navio de produtos Sergio Buarque de Holanda, cuja prova de mar foi concluída no último dia 16 de maio. A embarcação foi construída no estaleiro Mauá, no Rio de Janeiro, onde também está em fase de acabamento os navios de produtos Rômulo Almeida e José Alencar.
Criado formalmente em novembro de 2005, o EAS tem capacidade de processamento da ordem de 100 mil toneladas de aço por ano. As obras de implantação foram iniciadas em fevereiro de 2007 e, em setembro de 2008 entrou em operação a primeira etapa da planta. Com área total de 1,62 milhão de metros quadrados, o EAS também conta com equipamentos modernos, como dois guindastes do tipo Goliath. Cada um deles tem 100 metros de altura, um vão entre as “pernas” de 164 metros e capacidade de içamento de 1,5 mil toneladas. Esses guindastes podem operar sincronizados e, juntos, conseguem movimentar cargas de até 2,8 mil toneladas.
Desde o início do projeto até o momento, já foram investidos R$ 2,1 bilhões no empreendimento. Outros R$ 700 milhões serão aportados até 2013 na expansão das instalações, com a construção de um novo cais, oficinas e escritórios de apoio. O navio João Cândido foi a segunda entrega do EAS. A primeira delas foi o casco da P-55, entregue em dezembro do ano passado.