O tráfego intenso de caminhonetes é um indicador da velocidade das mudanças em Santo Antônio dos Lopes, na região central do Maranhão, desde que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) esteve na cidade pela última vez.
Dados do Censo de 2010 mostram uma cidade que se movia sobre duas rodas: com apenas 177 automóveis, a frota local tinha 1.527 motos. Os motoqueiros continuam dominando a paisagem - quase sempre sem capacete e, não raro, carregando mais de um passageiro -, mas hoje disputam as ruas recém asfaltadas com grandes veículos com tração nas quatro rodas, trazidos de fora por empresas prestadoras de serviço para a indústria do petróleo.
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Vivendo essencialmente de agropecuária de subsistência e serviços, os 14,3 mil habitantes de Santo Antônio dos Lopes viram sua rotina mudar a partir de 2010, quando a petroleira OGX, do grupo de Eike Batista, anunciou a descoberta de reservas de gás na zona rural do município.
Na ocasião, as imagens de uma enorme chama saindo do poço descobridor, em meio às palmeiras de babaçu, indicava novas perspectivas para a região. "Descobrimos meia Bolívia no Maranhão", exagerou Batista, referindo-se ao país que, na época, era o principal supridor de gás para o mercado brasileiro.
Em três anos, e com apenas nove dos 18 poços previstos para o campo de Gavião Real, a cidade se tornou a segunda maior produtora de gás em terra no Brasil, atrás apenas de Urucu (AM).
A produção atual, de 4,5 milhões de metros cúbicos por dia é destinada a uma usina térmica construída pela MPX, do mesmo grupo econômico, e projetada para ser a maior do país.
Os investimentos, que já somam US$ 800 milhões, movimentam a economia local e geram esperança de desenvolvimento para a pequena cidade, que ocupa a 5.035ª posição no ranking brasileiro de desenvolvimento humano e convive com falta de água e esgoto escorrendo pelo meio fio.
Benefícios ainda não são para todos
Na noite de segunda-feira passada, enquanto a TV mostrava imagens dos protestos no Rio, São Paulo e Brasília, duas dúzias de homens jantavam no Hotel D. Lira, uma hospedaria simples às margens da BR 135, que divide Santo Antônio dos Lopes (MA).
Parte da clientela era formada por caminhoneiros que há décadas usam a cidade como repouso na rota entre o Centro Oeste e a capital São Luis, 260 quilômetros ao norte. A maioria, porém, representava um novo tipo de cliente: empregados de empresas especializadas em exploração de petróleo e gás, que começaram a chegar em 2009 e hoje lotam os poucos hotéis e restaurantes locais.
No pico das obras, OGX e MPX chegaram a ter 4,5 mil postos de trabalho na cidade. Grande parte ocupada por gente trazida de outras regiões, dada a necessidade de trabalhadores especializados. Um contingente que abriu novo mercado para empreendedores locais.
"As coisas eram muito paradas por aqui", comenta a empresária Maria Cartaxo, que, desde que começou a prestar serviços para o setor, criou um pequeno império a partir de uma churrascaria de beira de estrada. Usando o apelido de infância, Bia, ela teve seu primeiro contato com as petroleiras já em 2009, servindo quentinhas para os técnicos que vieram buscar as reservas de gás.
Hoje, a Bia Cozinha Industrial serve 3,6 mil refeições por dia para empregados de 15 companhias. Em outra empresa, Bia Serviços Gerais, cuida da conservação da térmica Parnaíba I, da MPX. Já na Cristal Lavanderia Industrial, lava entre 700 e 800 peças por dia. Ao todo, são 83 empregados e um ônibus para transportar o pessoal. "Tomo café da manhã em uma empresa, almoço em outra e janto em uma terceira", conta. "Quem não é visto não é lembrado", ensina a cearense que chegou há 15 anos em D. Pedro, cidade vizinha a Santo Antônio dos Lopes, fugindo da violência em São Paulo.
Bia prefere não abrir as finanças de suas empresas, como quase todos os entrevistados. "Graças a Deus, dá para tirar um dinheirinho", deixa escapar Raimundo Nonato Rodrigues dos Santos, ex-caminhoneiro que decidiu investir em hotelaria e serviços para os forasteiros.
Depois de décadas "puxando tomate" para Santo Antonio dos Lopes, Nonato abriu seu próprio ‘restaurante dormitório', o Hotel D. Lira, batizado em homenagem à sogra, ao lado do principal posto de gasolina da cidade. Com a descoberta do gás, investiu na Pousada D. Lira, e a Lan House D. Lira. Tem hoje 83 quartos, quase sempre ocupados.
Bia e Nonato aproveitaram o primeiro fluxo de trabalhadores para a cidade, que chegou a experimentar uma queda de quase 20% em sua população entre 1991 e 2010. Uma tendência que os moradores esperam que seja revertida com o início das operações da térmica, que ocorreu em fevereiro deste ano. O projeto está ainda em sua primeira fase, com a geração de 676 megawatts (MW) dos 3,7 mil MW previstos.
Do lado do suprimento de gás, dois novos campos já foram descobertos na região, Gavião Azul e Gavião Branco, e novos investimentos em exploração estão a caminho, motivados pela grande disputa pela Bacia do Parnaíba no último leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No campo de Gavião Real, já em operação, apenas 9 dos 16 poços previstos estão em produção.
"Aqui só não trabalha quem não quer", afirma o pecuarista Evaldo Rocha da Silva, proprietário da fazenda onde estão os primeiros poços produtores. Chamados de superficiários, os proprietários de terras onde há petróleo e gás são beneficiados com 1% do faturamento de cada poço, além de um valor de aluguel pela área ocupada pelos equipamentos de produção. De aluguel, Evaldo diz que são quatro salários mínimos, ou R$ 2.712 por mês. Sobre a parcela do faturamento, prefere não falar.
Segundo a ANP, o pagamento a superficiários no Maranhão soma R$ 27,2 mil em 2013. Evaldo, com seis poços em sua fazenda, divide o montante com seu vizinho Deusamar Pereira de Souza, onde estão os outros três poços em operação no estado.
"Por enquanto, dá para o cabra sobreviver. Se entrar mais, dá para o cabra comprar alguma coisa", brinca Deusamar, que comprou as terras por R$ 70 mil dois anos antes da descoberta do gás. "Muita gente me chamou de doido, ‘botar R$ 70 mil num carrasco (formação vegetal constituída por arbustos entrelaçados e de ramos duros) daquele, melhor era botar em juros'", diverte-se.
Ao município, a exploração do gás já rendeu R$ 1,3 milhão e royalties desde fevereiro. A população reclama, porém, que, fora o asfalto novo da região central da cidade, não vê investimentos em melhoria da infraestrutura. A cidade tem dificuldades no abastecimento de água e não tem saneamento básico. O posto policial tem apenas um guarda.
"Tenho água aqui mas não é todo dia que vem", reclama Francisca Nascimento dos Santos, que mora há menos de um quilômetro dos poços produtores, mas diz não ter sentido diferença após o início da produção. "Só a poeira que aumentou por causa dos caminhões", ressalta ela, que vive em uma casa de um cômodo com o pai, a mãe e o filho. "Dizem que vão colocar asfalto aqui, aí sim as coisas vão melhorar."
Primeiro município produtor de uma bacia de 680 mil quilômetros quadrados, Santo Antônio dos Lopes pode ser encarada como uma espécie de laboratório sobre as possibilidades de desenvolvimento geradas pela exploração do gás na região.
Fonte: Brasil Econômico/Nicola Pamplona