A força-tarefa da Operação Lava-Jato e o Tribunal de Contas da União (TCU) identificaram uma série de obras da Petrobras que após custarem bilhões de reais não renderam um centavo de receita para a estatal. Não bastasse o fracasso operacional - já parcialmente contabilizado como prejuízo nos livros contábeis da empresa -, os mesmos projetos movimentaram centenas de milhões de reais em propinas.
Dois exemplos são as refinarias "premium", projetadas para processarem petróleo no Maranhão e no Ceará. O Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, apurou que uma auditoria recém-concluída pelo Tribunal de Contas da Obras da Petrobras têm prejuízos União (TCU) identificou que R$ 3,8 bilhões foram pelo ralo somente nesses dois projetos. Longe dos holofotes desde que deixou a Petrobras, em fevereiro deste ano, a ex-presidente Graça Foster será convocada para explicar o rombo.
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Na construção de dois navios-sonda - Vitória 10000 e Petrobras 10000 - para explorar petróleo nas costas da África e do México, os valores desperdiçados foram ainda maiores. A Petrobras desembolsou cerca de US$ 1,2 bilhão (mais de R$ 5 bilhões em valores atuais) e não obteve qualquer ganho. Denúncia feita pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF), apontou um desvio de US$ 40 milhões em propinas para a construção das duas embarcações.
Anunciada em janeiro de 2010 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cerimônia com a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o ex-presidente José Sarney, a refinaria Premium I foi projetada para processar 600 mil barris de petróleo por dia no município de Bacabeira, no Maranhão.
Na ocasião, Lula disse que o investimento de US$ 20 bilhões na unidade era parte de uma política de desenvolvimento regional que não poderia mais ser revertida. "Daqui a alguns anos, quando formos olhar o mapa do Brasil, não mais apontaremos o Norte e o Nordeste como a parte pobre do Brasil, pois estamos construindo refinarias nos Estados de Pernambuco, Ceará, Maranhão e Rio Grande do Norte e investindo um total de US$ 45 bilhões nessas obras", disse Lula. Passados cinco anos, no local onde deveria funcionar a refinaria o que há é uma obra abandonada. O projeto foi formalmente cancelado pela Petrobras, em 22 de janeiro deste ano.
O doleiro Alberto Youssef relatou desvios de recursos na terraplenagem na Premium I Em sua delação premiada, o doleiro Alberto Youssef relatou desvios de recursos nas obras de terraplenagem na Premium I. Segundo ele, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa - que era o responsável pelas refinarias da empresa - teria levado até 30% de alguns contratos relativos às obras de terraplenagem das duas unidades, que foram licitadas entre 2010 e 2011.
"Eu queria dizer que não há a mínima hipótese, a mínima possibilidade de a refinaria não ser executada", afirmou Costa, após posar para fotografias ao lado de Dilma e Lula, durante a cerimônia de lançamento da pedra fundamental da Premium I, em 2010. Segundo documentos da Lava-Jato, o então diretor de Abastecimento atuou para beneficiar a empresa chinesa Sinopec na obtenção de contratos da Premium II, em Fortaleza. Esta refinaria também foi anunciada com promessas de redenção econômica para a região.
A pedra fundamental da Premium II foi lançada por Lula em dezembro de 2010, poucos dias antes de ele transmitir o cargo para Dilma. Foi naquela ocasião que o presidente confirmou que José Sérgio Gabrielli seria mantido no comando da Petrobras. Diante do olhar satisfeito de Paulo Roberto Costa, Lula assumiu o compromisso de entregar a refinaria cearense. "Assumo com o povo o compromisso final de que o Ceará, finalmente, terá a tão sonhada refinaria, que tanta gente prometeu e que não conseguiram fazer", afirmou. A obra também não foi adiante.
Após muito insistir na viabilidade dos dois projetos, a Petrobras sucumbiu e contabilizou no balanço de 2014 uma baixa de R$ 2,8 bilhões relativa à suspensão das refinarias premium. A diferença de R$ 1 bilhão entre o cálculo do prejuízo feito pela estatal e o do TCU pode estar nas despesas correntes desembolsadas durante as obras, que não contam em termos de baixa nos ativos da empresa.
Se considerados os critérios de distribuição de propina delatados por Youssef e Costa, em que 3% do valor dos contratos eram desviados para partidos políticos, as duas refinarias - que não renderam um centavo em receitas para a Petrobras - podem ter gerado até R$ 115 milhões em propinas.
Em maio, perdas com o Vitória 10000 e o Petrobras 10000 foram calculados em US$ 281,8 milhões Investigadores da Lava-Jato indicaram que políticos estariam entre os principais beneficiários dessas obras inacabadas. Youssef apontou a ex- governadora do Maranhão Roseana Sarney e o deputado Luiz Fernando Faria (PP-MA) como destinatários de parte dos desvios na refinaria do Maranhão.
Procurado, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, que defende Roseana, afirmou desconhecer a acusação. No caso dos navios-sonda, os gastos foram imensos: US$ 586 milhões com o Petrobras 10000, num acordo negociado em julho de 2006, e mais US$ 616 milhões com o Vitória 10000, em março de 2007. O primeiro navio chegou a operar na costa da África, onde fez três perfurações perto de Angola, sem sucesso. O segundo nem sequer efetuou perfurações na costa mexicana.
Em depoimento à Justiça Federal, em março passado, Gabrielli disse que os dois navios foram aprovados pela diretoria da estatal e justificou a ausência de tentativas de encontrar petróleo no México a um acidente ocorrido em 2008 com a British Petroleum, episódio que teria inviabilizado o uso do navio para aquele fim.
A construção dos dois navios-sonda foi citada, em agosto, na denúncia feita por Janot contra o presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Segundo o procurador-geral, Cunha teria negociado propinas de US$ 40 milhões para a construção de ambos e recebido US$ 5 milhões, através da intermediação do doleiro Fernando Soares para favorecer a Samsung nas obras. Cunha negou as acusações e seu advogado, o ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza, vai responder à denúncia formalmente, nos autos do processo no STF.
Quase dez anos depois das negociações, o Vitória 10000 e o Petrobras 10000 servem à estatal, mas não conseguiram obter um centavo na tarefa para a qual foram construídos inicialmente. Em maio, a Petrobras calculou em US$ 281,8 milhões os prejuízos com os dois navios - R$ 845 milhões em valores da época ou R$ 1,1 bilhão em valores atuais, considerando o dólar a R$ 4,05. Em auditoria enviada ao Ministério Público Federal, a estatal alegou que os contratos foram assinados com base em "premissas otimistas, criando uma expectativa que não se confirmou".
Fonte: Valor Econômico/Juliano Basile e Murillo Camarotto | De Brasília