Às vésperas da eleição para a Presidência da República, o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) decidiu cobrar publicamente mudanças nas regras do mercado e lançar uma agenda prioritária para a indústria, em uma demonstração do descontentamento do setor petrolífero com a situação atual. A propostas enfrentam resistência dentro do governo, mas encontram ressonância nos discursos dos candidatos de oposição - Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB).
Um calendário de leilões de blocos exploratórios, dando previsibilidade às petroleiras, a revisão da política de conteúdo local e do marco regulatório do pré-sal e a correção dos preços dos combustíveis no mercado interno praticados pela Petrobras são apenas alguns dos pleitos ignorados pelo programa de Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição, mas reforçados pelos opositores.
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A criação de um calendário de leilões, por exemplo, é uma das principais propostas de Aécio. No governo, contudo, o pleito está descartado. Durante a Rio Oil & Gas, maior evento do setor na América Latina, no mês passado, o secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, Marco Antonio Almeida, disse que a continuidade dos leilões é um dos objetivos do governo, mas que a pasta não quer assumir um compromisso de rodadas sem ter a garantia de áreas interessantes a ofertar.
A disposição política do ministério será testada em dezembro, quando está prevista a reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para discutir as áreas exploratórias propostas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para a 13ª Rodada de Licitações. Se o CNPE aprovar os blocos no fim do ano, o leilão poderá ser realizado em maio de 2015, segundo a diretora-geral da autarquia, Magda Chambriard. O objetivo do governo é fazer o leilão no primeiro semestre de 2015.
O governo federal também tem se mostrado avesso aos pedidos de revisão do marco regulatório do pré-sal, que concede à Petrobras a operação exclusiva das áreas sob o regime de partilha da produção. "O governo brasileiro apoia a Petrobras irrestritamente nesse sentido (operação única)", diz o secretário de Petróleo.
O fim da operação única da estatal no pré-sal é uma bandeira defendida pelo IBP e tema de campanha do senador tucano. Aécio propõe o respeito aos contratos assinados sob regime de partilha, mas já manifestou interesse em abrir a discussão em torno das atuais regras do pré-sal.
"O que me preocupa em relação à partilha é a capacidade da Petrobras de fazer no tempo adequado o volume de investimentos que está demandada a fazer, que é obrigada a fazer, participando com pelo menos 30% de cada área. Essa é uma preocupação que eu tenho. Quero fazer essa discussão sem preconceitos ideológicos, com os especialistas", disse Aécio, na semana passada, em entrevista ao programa "Bom Dia Brasil", da Rede Globo.
O consultor e ex-diretor da ANP David Zylbersztajn também é favorável à revisão da regra que obriga a Petrobras a ser operadora única das áreas licitadas no modelo de partilha. "A Petrobras é uma empresa hiperqualificada, mas, como qualquer empresa, tem limites. A exploração no pré-sal está balizada pela capacidade da Petrobras. Se a Petrobras fica limitada, o setor fica limitado", disse o especialista.
A continuidade da atual política é o tom das propostas de governo apresentadas pela presidente Dilma ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que evitam falar em mudanças para um novo mandato e se limitam a enaltecer os avanços do setor petrolífero ao longo dos 12 anos de governo PT. O documento não traz novas propostas e destaca o aumento de 50% da produção de petróleo entre 2002 e 2013, atualmente da ordem de 2,2 milhões de barris diários, e os avanços no pré-sal, onde o volume produzido já superou os 500 mil barris diários.
A candidatura de Dilma também comemora os resultados do primeiro leilão do pré-sal, que ofertou o campo gigante de Libra, na Bacia de Santos, que possui volume de petróleo recuperável estimado entre 8 e 12 bilhões de barris. E também ressalta a recuperação da indústria naval. A estimativa do governo é que até 2017 os estaleiros brasileiros empreguem 100 mil trabalhadores, cerca de 20 mil a mais que os números atuais.
"Essa recuperação é fruto das grandes encomendas da Petrobras com exigência de conteúdo nacional, e da disponibilidade de financiamento pelo Fundo de Marinha Mercante, que cresceu 784%, em termos reais, entre 2002 e 2013", defende o governo, no documento enviado ao TSE.
A revisão da política de conteúdo local pleiteada pelas petroleiras, sob o argumento de que a indústria brasileira está sobrecontratada, também faz parte do programa de governo de Marina.
"Outra indispensável ação da política industrial será a revisão em profundidade de todos os programas atuais que demandem incentivos e proteção, incluindo os casos em que é aplicada a política de 'conteúdo nacional'. (...) Nunca é demais enfatizar que as políticas de proteção e de conteúdo local só são efetivas enquanto constituírem casos especiais, e não a regra da política industrial", diz documento divulgado pela candidata do PSB.
O posicionamento de Marina, no entanto, é ambíguo. Em setembro, após receber críticas de Dilma, a ex-senadora voltou atrás e chegou a defender a manutenção das regras de conteúdo local como estratégica para que se tenha uma melhor qualidade do desempenho das empresas brasileiras do setor.
Responsável pela adoção de metas de conteúdo local nos leilões da ANP, Zylbersztajn também avalia ser necessário rever a política de nacionalização de equipamentos. "O [conteúdo] mínimo tem que ser bem calibrado. A indústria manufatureira local tem que acompanhar o ritmo da indústria do petróleo. E não o contrário", disse.
Se Marina reviu sua posição com relação ao conteúdo local, ela é clara quando se trata do equilíbrio dos preços dos combustíveis praticados no mercado interno, em relação aos valores pagos para importar gasolina e diesel. Para a ex-senadora, subsídios como esses "reduzem a eficiência na alocação de recursos e comprometem o crescimento econômico". "Assim, equilibraremos os preços praticados por estatais para refletir custos e condições de mercado", afirma a candidata em seu programa.
Aécio também promete que, em um eventual governo seu, as regras para reajustes de preços de combustíveis, energia elétrica e transportes terão "regras claras".
A defasagem dos preços dos combustíveis também é tratada pelo atual governo. O vice-presidente da República e candidato à reeleição, Michel Temer (PMDB), afirmou, em setembro, que um eventual novo governo de Dilma vai aprimorar o modelo de aplicação de reajustes de preços dos combustíveis da Petrobras.
De acordo com levantamento do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) a defasagem entre o preço da gasolina nas refinarias nacionais e o preços internacionais do combustível está em 19,8%. Com relação ao preço do diesel, a defasagem é de 10,7%.
Segundo o presidente do IBP, João Carlos de Luca, a Petrobras já perdeu de R$ 60 bilhões a R$ 80 bilhões em receita nos últimos anos com a defasagem de preços dos combustíveis que vende no país, frente ao valor praticado no mercado internacional.
Entre outras propostas para o setor, Aécio defende o estimulo à formação de parcerias entre Petrobras e empresas privadas que permitam o acesso de novos "players" do setor aos gasodutos, plantas de regaseificação e unidades de tratamento de gás.
Já Marina, acusada durante a campanha de querer reduzir os investimentos no pré-sal, negou as especulações. A candidata defende, em seu programa, a redução gradual do consumo de combustíveis fósseis, mas reforçou seu compromisso em investir numa produção responsável.
No seu programa, consta a intenção de instituir um grupo de especialistas para discutir a fundo a tecnologia de segurança utilizada no pré-sal e a que será adotada para exploração do gás não convencional no país, para que a sociedade tenha maior clareza em relação aos riscos envolvidos.
Fonte: Valor Econômico\André Ramalho e Rodrigo Polito | Do Rio