A Petrobras consegue esperar até setembro para fazer a capitalização, mas não mais do que isso. Sem o dinheiro da oferta pública de ações e sem frear investimentos, a estatal poderá perder o selo de investimento no fim do terceiro trimestre deste ano. A opinião é unânime entre analistas, que começaram a fazer contas para entender como a Petrobras poderá investir R$ 88,5 bilhões em 2010 mesmo tendo fechado dezembro com R$ 29 bilhões disponíveis e com previsão de geração operacional de caixa, após pagamento de dividendos, de R$ 39 bilhões.
Apenas com esses R$ 68 bilhões a conta não fecha. Seriam necessários ainda R$ 20,5 bilhões de dinheiro novo, que, a princípio, poderiam ser captados por meio de emissão de dívida no mercado internacional ou acessando uma linha já disponível de R$ 20 bilhões no BNDES.
O problema é que a empresa não pode tomar um empréstimo desse tamanho com o nível atual de patrimônio líquido. Sem a capitalização e gastando o caixa, o limite dos 35% de alavancagem chega no terceiro trimestre, segundo um analista.
Outro lembra que tradicionalmente os investimentos são maiores no segundo e terceiro trimestres, o que aumenta as dúvidas quanto ao fôlego da companhia até a capitalização, agora adiada para setembro.
Passado o limite de 35% de endividamento, que mede a relação entre a dívida líquida e a capitalização líquida (soma da própria dívida líquida com o patrimônio), acende a luz amarela das agências de classificação de risco. A melhor nota da empresa hoje é a dada pela Moody's, de Baa1, enquanto a Fitch atribui BBB e a Standard & Poor's BBB-, o primeiro degrau dentro da categoria considerada segura. Qualquer rebaixamento da S&P, portanto, significa devolver a estatal ao nível especulativo de crédito.
No fim de março, o índice de endividamento da Petrobras estava em 32,3%. Já se fizer uma capitalização com cessão onerosa, no valor de R$ 108 bilhões (US$ 60 bilhões), sendo metade em dinheiro e metade em barris, o endividamento cai para 8,9%. A operação injetaria R$ 54 bilhões no caixa da empresa, engordaria o patrimônio líquido, e abriria espaço para ela tomar mais R$ 120 bilhões em dívida.
Isso é mais do que os R$ 104,4 bilhões (US$ 58 bilhões) que a Petrobras diz que terá que captar no mercado, via ações ou dívida, para custear seu plano de investimento de US$ 224 bilhões de 2010 a 2014. O restante viria da geração operacional de caixa.
O maior problema da Petrobras é político, na medida em que uma simples operação de aumento de capital resolveria seu problema. Mas o governo insiste em uma operação complexa envolvendo barris de petróleo repassados com base em uma lei que ainda precisa ser sancionada pelo presidente da República.
De qualquer forma, como a corda começa a esticar, a própria estatal divulgou comunicado na sexta-feira destacando que a transferência dos barris e a oferta pública de ações são eventos jurídicos distintos. Segundo ela, uma capitalização sem a participação do governo com barris não depende do projeto de lei aprovado e já tem o aval dado pelos acionistas em assembleia geral.
Ou seja, ela dará a chance de esperar até setembro. Mas indica que se houver um novo problema com a certificação dos barris pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), o que motivou o adiamento anunciado na semana passada, pode haver uma capitalização pura.
Com uma oferta de ações tradicional, os atuais acionistas entrariam com dinheiro na proporção das suas ações e a empresa conseguiria fôlego, talvez uns US$ 20 bilhões (R$ 36 bilhões), que a tirariam do sufoco. Ela reduzira o nível de endividamento para 18% e teria capacidade para absorver novas dívidas de R$ 65 bilhões.
Numa operação dessas, no entanto, a União teria que encontrar recursos para acompanhar o aumento de capital, para não ter sua participação diluída.
Ainda como alternativa para aumentar o caixa disponível para investimentos, também se questiona o fato de a Petrobras distribuir 30% do lucro na forma de dividendos, quando o mínimo é 25%, e ainda o fato de ela dar tratamento igualitário para detentores de ações preferenciais (sem direito a voto) e ordinárias (com voto), quando o único papel que tem dividendo mínimo obrigatório são as PN. Mas esse ponto parece imutável.
Já a opção de cortar investimentos fica prejudicada por conta das eleições e pelo fato de a candidata do PT, Dilma Rousseff, liderar as pesquisas. Por isso ninguém acredita que a Petrobras seja poupada esse ano. "Estamos em um ano eleitoral em que a Petrobras tem um protagonismo muito grande. Os grandes projetos da companhia fazem parte do PAC 2 e agora não tem jeito, é pé no acelerador", resume um observador privilegiado da situação da estatal.
E não são apenas os investimentos de 2010 que estão na berlinda. Alguns estrategistas ouvidos pelo Valor com o compromisso de não terem seus nomes divulgados - os interesses dos bancos nesse momento são enormes e ninguém quer provocar mau-humor na Petrobras - já reviram para baixo várias premissas do plano estratégico até 2014.
A projeção da Petrobras para geração operacional de caixa no período, de US$ 155 bilhões já descontados dividendos, foi considerada muito otimista. Pressupõe aumento médio anual de 9,4% na produção, o que ninguém aposta, e também um valor muito alto para o petróleo, de US$ 81 por barril na média anual dos próximos cinco anos, contra a média de US$ 73 projetada no plano anterior.
Um banco de investimentos reviu para US$ 135 bilhões o caixa operacional depois de reduzir os volumes médios de produção ano a ano e o preço do barril para uma média de US$ 75. A produção média da Petrobras nos últimos doze anos aumentou a uma média de 5,8%, com o maior pico, de 12,7%, tendo ocorrido em 1999. Em 2004 a produção caiu 3,1% e no ano passado cresceu 6,2%. Um observador destaca que, nos últimos anos, a companhia nunca entregou a produção prometida. "Para 2010 ela prevê 2,1 milhões mas não deve chegar a isso
Fonte: Valor Econômico/ Por Cláudia Schüffner e Fernando Torres, do Rio e de São Paulo
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