O petróleo perdeu mais da metade de seu valor nos últimos doze meses e, com esse forte movimento de queda, levou consigo também a rentabilidade das companhias do setor. Segundo cálculos da consultoria de energia Rystad, da Noruega, sobre o custo de produção de cada região ao redor do mundo, os preços atuais fazem com que quase 20 milhões de barris por dia da capacidade global registrem prejuízo na extração.
O volume representa cerca de 22% da demanda global pela commodity, que é calculada em pouco mais de 90 milhões de barris diários. Se forem consideradas despesas financeiras e gastos com royalties, o petróleo abaixo de US$ 30 deixa operações no vermelho especialmente no xisto dos Estados Unidos, em campos no Brasil, na Rússia e nas areias betuminosas do Canadá.
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"Considerando todos os custos, vejo projetos batendo no breakeven [ponto de equilíbrio das operações, a partir da qual elas começam a dar lucro ou prejuízo] na Venezuela, nos Estados Unidos, no Canadá e até mesmo no Brasil. Mas varia muito de campo para campo", comentou, em entrevista ao Valor, o analista da Tendências Consultoria, Walter de Vitto.
Mas no curto prazo, as produtoras mantêm suas atividades mesmo que estejam perdendo dinheiro, lembra Michael Cohen, do Barclays. Ele explica que o impacto sobre o balanço seria muito maior caso as operações fossem paradas e retomadas novamente no futuro, caso a pressão sobre os preços seja aliviada.
O analista do banco britânico ressalta que os cortes de capacidade começam primeiro nas operações mais maduras, que se encontram no período de esgotamento das reservas, porém lembra que poucas empresas devem, de fato, desligar as operações e abandonar campos.
Em relatório, o Goldman Sachs afirma que o mercado entra agora em uma fase de inflexão, logo após um período de sobrevivência devido à desvalorização da commodity, no qual os ativos menos rentáveis serão vendidos. E esse, segundo os analistas, deverá ser o caminho para as produtoras tentarem se desfazer da produção deficitária.
Na sexta-feira, os contratos futuros do Brent com vencimento em março fecharam cotados em US$ 29,17 o barril na ICE Futures de Londres. Na Nymex, de Nova York, o WTI ficou em US$ 29,42 - ambos significam recuou acima de 50% em 12 meses. Níveis abaixo de US$ 30 foram observados pela última vez em 2004, o que mostra o tamanho da crise pela qual passa o mercado petrolífero.
Nenhum dos analistas consultados pelo Valor diz acreditar que a cotação irá superar US$ 50 na média deste ano. O Barclays prevê US$ 37; a Tendências, US$ 41,15; o Bank of America Merrill Lynch (BofA), US$ 46; o Morgan Stanley, US$ 41,90; o Goldman Sachs, US$ 45; o UBS, US$ 42,50; e o Société Génerale, também o mesmo valor do UBS.
Mas quando o interesse dos investidores é analisado, o cenário parece ainda mais complicado. Isso porque os contratos futuros do Brent com vencimento em dezembro deste ano apontam para preço de US$ 35,19. Até o fim de 2019, nenhum dos contratos apontam para patamares acima de US$ 50 - o último deles, que fecha em dezembro daquele ano, está cotado em US$ 47,30. Esses níveis estão US$ 20 abaixo do registrado há apenas três meses.
O fato contraditório é que esse mesmo ambiente de deterioração pode lançar as bases para a retomada dos preços. A consultoria Capital Economics escreve em relatório que ainda há espaço para o petróleo tocar os US$ 20 - assim como BofA, Barclays, Morgan Stanley e outros bancos esperam -, mas que a queda atingiria em cheio o produtor marginal - os EUA.
Sozinha, a Arábia Saudita, que tem os menores custos de produção do mundo, não é suficiente para suprir a procura pelo petróleo. Mas em conjunto com as empresas americanas e os países com ponto de equilíbrio parecido, a oferta bastaria. "Faz mais sentido olhar para os EUA, que hoje, provavelmente, são o produtor marginal e onde os cortes de oferta provavelmente se acelerariam se a cotação cair abaixo de US$ 25", diz a consultoria.
Mas Jodie Gunzberg, diretora de commodities na S&P Dow Jones Indices, cita um fator aleatório que pode estragar todas as projeções. A China, além de ser a segunda maior compradora de petróleo internacional, também possui um número de reservas que é difícil de calcular. "Se o preço começar a subir, ela pode parar de comprar e usar essas reservas", alerta a especialista. "Não há nada de normal com esse cenário do petróleo hoje. É uma crise que nunca vimos antes", afirma.
Fonte: Valor