O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que presidiu a comissão especial criada para analisar o projeto de lei do governo destinando à educação os recursos do petróleo da camada pré-sal, considera que o substitutivo do deputado André Figueiredo (PDT-CE) ameaça a pontos fundamentais do marco regulatório do setor, sancionado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010.
O substitutivo foi aprovado pelos deputados, alterado no Senado, com aval do governo, e retornou à Câmara para a votação final. Na semana passada, o texto-base de Figueiredo foi restabelecido, mas falta a votação de destaques (emendas ao texto) que podem reintroduzir mudanças feitas pelos senadores. É o que quer o governo e defende Zarattini. A votação dos destaques está prevista para hoje ou amanhã.
"Não sei se é intenção dele [Figueiredo], mas o resultado do substitutivo acaba alterando o marco regulatório do pré-sal em duas questões importantes", diz o petista. Na sua opinião, o interesse dos que querem aumentar os recursos para a educação na Câmara se juntou ao interesse da oposição, que "aproveita qualquer fio desencapado" para derrotar o governo.
"Acho que a Câmara tem que fazer uma análise menos passional, para que seja aprovado um projeto redondo, que garanta mais recursos à educação e não sofra vetos."
A maior preocupação é com o prejuízo ao Fundo Social, criado para ser uma poupança de longo prazo para beneficiar gerações futuras e evitar estagnação na industrialização com a exploração de recursos naturais e uma entrada excessiva de recursos no país - a chamada "doença holandesa". O substitutivo destina 50% do capital principal do fundo à educação, mas a presidente havia proposto a aplicação de 50% dos rendimentos da aplicação do fundo.
"Quando André coloca 50% do principal para educação, ele está na verdade desmontando o fundo, permitindo que, num próximo momento, alguém questione por que não [mexer no capital principal] para a saúde, a ciência e tecnologia, e qualquer outra coisa. Ele abre um precedente que altera a filosofia do Fundo Social. Essa é a primeira alteração em profundidade do marco regulatório."
Outro ponto para o qual Zarattini chama a atenção é a fixação de percentual mínimo de 60% para o excedente em óleo que a empresa tem que dar à União, no sistema da partilha de produção (modelo de exploração da camada pré-sal e de áreas consideradas estratégicas pelo governo). Essa exigência, segundo o petista, "coloca em risco" a própria exploração do pré-sal.
"Essa alteração é complicada. Por exemplo: o Campo de Libra [na Bacia de Campos, objeto da primeira rodada de leilões do modelo de partilha, a ser realizada em outubro], o óleo lucro para a União foi fixado [no edital de licitação, publicado na semana passada] em 41,6% no mínimo. Se você somar tudo que a empresa tem que pagar - 15% de royalties [volume cobrado no sistema de partilha], bônus de assinatura, imposto de renda e contribuição sobre o lucro líquido [CSLL] -, chega em 75% a parcela do governo nas receitas da prospecção", diz Zarattini, citando informações da diretora-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Magda Chambriard.
E ele complementa: "Se o excedente em óleo passar de 41,6% para 60%, como prevê o projeto do André, chega a 94% a parte da União e a empresa exploradora vai ficar com 6%, de onde vai ter que tirar seu lucro e o custo operacional. Isso coloca em risco a própria execução do pré-sal."
O deputado do PT de São Paulo foi relator de projeto de lei dispondo da polêmica distribuição de royalties e participações especiais (PE) proveniente de campos localizados no mar e da Medida Provisória da presidente Dilma Rousseff que destinava 100% da renda à educação.
Essa MP não foi votada dentro do prazo de validade e perdeu a vigência. Por isso, Dilma enviou ao Congresso o projeto de lei que está sendo votado, praticamente com o mesmo teor da MP.
Em seu substitutivo, Figueiredo faz alterações substanciais à proposta de Dilma, como na questão do Fundo Social. A presidente destinou à educação 50% dos rendimentos e não do valor principal, como propõe o relator. Entre outras mudanças, ele altera a aplicação dos recursos obtidos por campos já em exploração, desde que tenham obtido declaração de comercialidade após 3 de dezembro de 2010.
No Senado, o relator, Eduardo Braga (PMDB-AM), líder do governo, apresentou proposta intermediária, mantendo algumas ideias do texto da Câmara, mas retomando o projeto de Dilma em questões consideradas fundamentais. Uma delas é a destinação à área social (educação e saúde) de metade dos rendimentos da aplicação do fundo) - e não do seu valor principal -, como fez a presidente.
Por outro lado, a União concordou em destinar diretamente à educação metade da receita em royalties e participações especiais a que tem direito nas áreas localizadas no pré-sal, contratadas sob o regime de concessão. Esse dispositivo não estava no texto da Câmara. Pela legislação atual, esses recursos iriam para o Fundo Social, assim como o valor do bônus de assinatura pago pelas empresas no contrato de partilha de produção, os royalties recebidos pela União nesse modelo de exploração e receita da comercialização de petróleo e gás natural, receitas não obrigatórias.
Além disso, para evitar que Estados questionem a constitucionalidade da regra, o projeto do Senado destina apenas a parte da União na arrecadação dos campos já explorados (porque o governo federal concordou), mantendo intocada a parcela das outras unidades da federação. Entre outras modificações feitas no Senado, o piso de 60% para o excedente em óleo, incluído por Figueiredo, foi retirado da proposta pelo senadores.
"O Senado produziu um projeto que tem mais coerência que o da Câmara e é um avanço em relação à questão social. Ficou uma parte maior dos recursos para a educação e uma menor para a saúde. Houve ganhos, sem o risco de judicialização que tem o da Câmara [com a possibilidade de os Estados contestarem a mudança na aplicação de parte de sua arrecadação nos campos licitados antes de 3 dezembro]", diz Zarattini.
Uma mudança feita na primeira votação da Câmara e mantida no Senado que acabou aceita pelo governo foi a destinação de parte dos recursos para a saúde (25%). Na MP e no projeto de Dilma, apenas a educação recebia recursos de royalties e PE.
O projeto tramita na Câmara com urgência constitucional, o que significa que tem prioridade na ordem do dia e tranca a pauta de votações. É prioridade da pauta nos dias 16 e 17. Depois, irá para a sanção presidencial e estará sujeito a vetos.
Fonte: Valor Econômico/Raquel Ulhôa | De Brasília
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