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Riqueza do petróleo traz risco de dependência

A creche-escola Estrela do Saber, em Rio das Ostras, na região dos Lagos do Rio, tem cerca de 350 alunos, dos quais 80% são filhos de pais que trabalham na indústria do petróleo. Todas as salas de aula são equipadas com TVs de LCD, DVDs, e por câmeras que permitem aos pais acompanhar os filhos à distância e em tempo real. A modernidade das instalações reflete a riqueza criada pelo petróleo em um município que se tornou dependente do dinheiro gerado pela commodity.

"Vemos a dependência do petróleo como algo positivo", diz o empresário Marcos Cordeiro, sócio da Estrela do Saber. A escola começou pequena, com apenas duas salas (hoje são 26), no fim da década de 1990, quando Cordeiro e a mulher, Roseclair Estrela, deixaram o Rio e mudaram-se com o filho para Rio das Ostras. Cordeiro diz que a escola não para de crescer sustentada por crianças do berçário até o 5º ano do ensino fundamental cujos pais podem pagar mensalidades entre R$ 510 e R$ 1,2 mil, dependendo do número de horas que o filho fica na escola.

O dinheiro do petróleo permitiu que pequenos e médios empresários, como Cordeiro, expandissem seus negócios na região dos Lagos e no norte fluminense nos últimos anos. Mas, ao mesmo tempo, tornou as economias locais e, sobretudo as prefeituras, muito dependentes dessa produção extrativa. No Estado do Rio, o petróleo também ganhou um peso importante nas finanças públicas (depois do ICMS, os royalties e participações especiais cobradas do setor são a principal fonte de receita do Estado).

A dinâmica de crescimento do petróleo, porém, já extrapola o Rio, principal Estado produtor do país, e é visível nas estatísticas nacionais e nas projeções de investimento de instituições como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A indústria de óleo e gás também vem ganhando espaço no Produto Interno Bruto (PIB), movimento que tende a se intensificar, e nos investimentos da indústria.

As petroleiras, representadas pelo Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), consideram que o petróleo já pode estar sendo responsável hoje por algo como 12% da economia nacional, mas essa é uma estimativa e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) trabalha com outros números.

Pela óptica do investimento, o petróleo também vem ganhando espaço. O economista André Sant'Anna, gerente do departamento de acompanhamento econômico e operações do BNDES, é autor de um estudo que mostra que a participação do petróleo na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) vai mais do que dobrar. Essa participação era de 6,3% em 2001 e deve chegar a 14,7% em 2014. A FBCF mede quanto o país investe em máquinas e equipamentos e na construção civil em um determinado período.

Na visão do IBP, o petróleo continuará a crescer e a ter peso maior na economia na próxima década em função do novo ciclo de investimentos que se abriu com as descobertas na camada pré-sal. A entidade considera que o pré-sal pode gerar um crescimento adicional entre 0,2% e 0,3% por ano no PIB na próxima década. Este ano a meta da Petrobras é produzir, no Brasil, 2,1 milhões de barris de petróleo por dia, número que poderá mais do que dobrar até 2020, quando o volume, nas contas da estatal, chegaria a 4,9 milhões de barris/dia. A perspectiva da ANP é um pouco mais conservadora, na faixa de 4 milhões de barris por dia em 2020.

Os números fizeram o Brasil ser considerado a principal fronteira para a expansão da produção de petróleo no mundo no período 2008-2030, segundo a Agência de Informações de Energia dos Estados Unidos citada pelo BNDES na publicação "Visão do Desenvolvimento" (edição 91). A previsão impõe o desafio de fortalecer a cadeia fornecedora de equipamentos e serviços para a indústria de petróleo e gás que ainda é frágil no Brasil, formada por empresas pequenas, muitas vezes familiares. Há quem entenda que é preciso montar grandes empresas brasileiras de serviços e equipamentos que possam concorrer no mercado internacional.

Essa dinâmica de crescimento do setor leva à pergunta se o Brasil poderia se tornar um país mais dependente do petróleo. Uma das vertentes negativas dessa dependência pode ser o aspecto fiscal, que embute o risco de empresas públicas ficarem reféns do dinheiro gerado pelo petróleo para fazer funcionar a máquina do Estado. A situação, se confirmada, poderia levar o Brasil a ir pelo caminho de países como Rússia, México ou Venezuela, economias nas quais o petróleo tem um peso muito forte.

O economista e consultor Ernani Torres, que se desligou este ano do BNDES, avalia que é preciso ter cautela: "O cenário é de aumento do investimento no setor de óleo e gás no Brasil, o que cria o desafio de encontrar caminhos para equilibrar o crescimento do petróleo com o resto da economia e assim evitar o chamado "oil course" [a maldição do petróleo]."

A maldição citada por Torres refere-se a países com abundância de recursos extrativos que tendem a ter menor crescimento do que países com menores recursos naturais. Uma das razões que podem levar a esse fenômeno é a perda de competitividade em outros setores da economia causada pela apreciação da moeda como resultado da maior entrada de divisas a partir da exportação de grandes volumes de recursos naturais, no caso o petróleo. O aumento da receita com a exportação de recursos naturais poderia levar à desindustrialização por força justamente da valorização cambial, a chamada "doença holandesa".

"O Brasil tem que se preparar para que a enxurrada de dólares e a receita a ser gerada pelo petróleo no futuro não gere, do ponto de vista fiscal, um retrocesso, de tal maneira que o petróleo não mude a maneira como a economia vem funcionando", diz Torres.

Florival Rodrigues de Carvalho, diretor da ANP, entende que a indústria de petróleo e gás tende a ganhar participação no PIB e vai aumentar sua contribuição em termos de capacidade de investimento. Também deve, segundo ele, ajudar a melhorar o superávit da balança comercial, além de contribuir para intensificar a industrialização do setor, que é demandante de bens e serviços. Carvalho não vê risco de dependência do petróleo pelo fato de o Brasil ser uma economia diversificada, com uma agricultura forte e uma indústria mineral também robusta que tem um parque siderúrgico e uma indústria de bens associados.

Nos últimos anos, o setor de petróleo e gás se expandiu em ritmo superior ao do resto da indústria. De 2000 a 2008, o setor de petróleo e gás cresceu 52%, quase o dobro do crescimento da indústria no período, de 26,7%, segundo o IBGE. O crescimento médio anual do setor foi de 5,4%, bem acima da expansão da indústria no período, de 3%.

O IBP projeta que o setor vai investir US$ 258 bilhões no período 2011-2015, entre Petrobras e outras petroleiras presentes no país. Do investimento total, US$ 152 bilhões serão aplicados na principal atividade da indústria - exploração e produção. O BNDES também faz as suas contas e está concluindo novo levantamento sobre os investimentos mapeados para a indústria. O trabalho refere-se ao período 2012-2015 e cobre setores que são intensivos em capital como petróleo e gás, mineração e siderurgia, petroquímica, veículos, eletroeletrônica e papel e celulose.

O economista Fernando Puga, superintendente da área de pesquisa e acompanhamento econômico do BNDES, afirma que o cenário é de sustentação do ritmo de investimento pela indústria de petróleo e gás em relação ao mapeamento anterior, válido para o período 2011-2014. Nesse trabalho, o BNDES apontou que os setores da indústria intensivos em capital - e que representam cerca de dois terços da indústria como um todo - tinham como perspectiva investir R$ 614 bilhões até 2014, dos quais R$ 378 bilhões ou 61,5% do total correspondiam ao setor de petróleo e gás. O percentual do setor petróleo e gás deve manter-se próximo disso no mapeamento 2012-2015.

Os dados do BNDES mostram que os investimentos do setor de petróleo e gás vêm crescendo acima do restante da indústria. O economista André Sant'Anna, do BNDES, disse que o investimento do setor petróleo cresceu a uma taxa média anual de 13% ao ano ante um crescimento de 9,8% da indústria como um todo quando se compara a perspectiva apontada pelo mapeamento do período 2011-2014 com os investimentos efetivamente realizados entre 2006 e 2009.


Fonte: Valor Econômico/Por Francisco Góes | Do Rio






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