A anglo-holandesa Shell pode se tornar a operadora de uma área de acumulação de petróleo descoberta pela companhia em sua zona de concessão e que avança para uma região da camada pré-sal pertencente à União. A interpretação é da Pré-Sal Petróleo SA (PPSA), estatal criada pelo governo no ano passado e que representa a União nas áreas não licitadas do pré-sal. Ela é uma das principais envolvidas no assunto.
Até então havia um entendimento comum no setor de que qualquer área da União no pré-sal teria que ser licitada sob o regime de partilha da produção e ter, obrigatoriamente, a Petrobras como operadora. Mas o caso, que ainda gera incertezas no mercado devido ao seu ineditismo, pode ditar o futuro de outras 12 regiões em discussão ou em pré-acordo no âmbito da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
O caso da Shell é o mais avançado. Trata-se da jazida de Gato do Mato, localizada no bloco BM-S-54, na Bacia de Santos. Há fortes indícios de que a jazida extrapola a área delimitada do bloco e avança em uma parte de pré-sal da União ainda não leiloada pelo governo. A concessão do bloco - no qual a Shell detém 80% e a francesa Total, 20% - foi suspensa pela ANP em janeiro para que a petroleira iniciasse as conversas com a PPSA para a unitização da jazida. Na prática, a unitização é o processo que determina a unificação da produção de um campo que extrapola o limite de um bloco.
"A Petrobras é [operadora] exclusiva nos contratos de partilha de produção. Quando eu tenho uma concessão que está saindo do bloco e está saindo para uma área não contratada, não há contrato de partilha ali e nenhum outro tipo de contrato. Então, do ponto de vista legal, neste momento, no atual estado da arte da nossa legislação, não há vedação para que haja operação por outro operador [que não seja a Petrobras]", afirmou ontem Olavo Bentes, consultor jurídico da PPSA e procurador federal cedido pela Advocacia Geral da União (AGU), na Rio Oil & Gas, evento do setor petrolífero, que acontece esta semana no Rio de Janeiro.
O assunto foi tema de longo e complexo debate, de três horas de duração, ontem no evento, que contou com a presença de representantes da PPSA, ANP, Petrobras, BG e outros. Nos bastidores da feira, alguns representantes do setor afirmaram que o caso de Gato do Mato pode abrir precedente e servir de brecha para o governo evitar que a Petrobras fique sobrecarregada financeiramente com a obrigação de investir o equivalente a pelo menos 30% em todas as áreas do pré-sal licitadas sob o modelo de partilha.
A lei 12.351 de 2010, a "Lei do Regime de Partilha", determina que a Petrobras seja a única operadora das áreas do pré-sal sob o regime de partilha. No caso de Gato do Mato, porém, a área do pré-sal em análise não está sob o modelo de partilha, pois uma parte da jazida está em área licitada sob o modelo de concessão e outra parte - que cabe à União - não foi sequer licitada. "Não se trata de uma área contratada, muito menos sob o modelo de partilha de produção. Se trata de uma área não contratada", destacou Bentes.
O consultor jurídico da PPSA, no entanto, lembrou que a área de Gato do Mato ainda está em exploração, em fase de avaliação de descoberta. Para que seja desenvolvida uma produção no local, será preciso firmar um acordo de individualização da produção (AIP) com a União. Esse acordo significará na prática a unitização da jazida.
Bentes explicou que, de qualquer forma, o petróleo localizado na área fora do bloco BM-S-54 pertence integralmente à União. "Se chegar até o início da produção, a União terá 100% do petróleo que está na área não contratada, que nessa hora já será uma área individualizada, mas que não estará ainda em regime de partilha de produção, porque não terá havido leilão, e que vai ser produzida e operada pelo concessionário, neste caso a Shell", completou.
O consultor jurídico da PPSA acrescentou que quando, e se, o governo decidir pelo leilão dessa área específica da União, sob o regime de partilha, automaticamente a operação da jazida terá de passar para a Petrobras. A decisão de leiloar, ou não, a área caberá ao governo, com base em estudos de economicidade, segundo Bentes. "Tudo que se quer é que esse óleo, que é da União em área não contratada, não seja conduzido indevidamente", disse Bentes.
Para o advogado especializado no setor petróleo Pedro Dittrich, do escritório Tozzini Freire Advogados, o caso de Gato do Mato é importante, pois o que for decidido demonstrará a tendência e o entendimento que a ANP adotará para o tema. Mas ele frisou que cada caso deve ser analisado separadamente, do ponto de vista da economicidade, das características da jazida e das melhores práticas.
O Valor apurou que há cinco acordos de unitização em discussão na ANP, relativos a Lula/Sul de Lula; Tartaruga Mestiça; Gato do Mato; Sapinhoá e Carcará, todos no pré-sal. Além deles, há oito pré-acordos de unitização na agência.
Fonte: Valor Econômico\Rodrigo Polito e André Ramalho | Do Rio
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