O ministério da infraestrutura avalia que existem diferentes tipos de cabotagem e, por isso, as soluções para expandir a atividade precisam ser específicas conforme o segmento de mercado. O diretor do departamento de navegação e hidrovias do ministério, Dino Antunes, reafirmou que o governo está debruçado sobre a cabotagem que pode retirar cargas das rodovias, focando no transporte marítimos de contêineres pela costa brasileira e deixando a cabotagem de hidrocarbonetos e derivados de fora do BR do Mar num primeiro momento. O desafio do programa de estímulo ao modal, segundo ele, é fazer um ajuste fino para assegurar o crescimento e criar condições de afretamento sem desestruturar um segmento que está performando bem.
"Trabalhamos para que armador — em mercados novos ainda não atendidos — possa trazer embarcações sem lastro para fazer esse teste de mercado. Facilitaremos o afretamento na substituição de embarcações que estejam em construção, no Brasil ou exterior", detalhou Antunes. "Fomos atacando vários tipos de mercados, avaliando que nem todos os clientes da cabotagem têm potencial de estruturar suas operações com lastro em contratos de longo prazo. Se outros não têm essa possibilidade, precisamos trazê-los ao mercado", completou Antunes, que participou na última semana do VIII Congresso Nacional de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro. O evento foi organizado pela comissão de direito portuário e marítimo da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF).
O representante do ministério disse que, apesar de os estaleiros nacionais terem se destacado na construção de embarcações de apoio e navegação interior nos últimos anos, houve poucas entregas de navios de cabotagem. Ele comparou que somente dois estaleiros sul-coreanos entregaram 212 embarcações desse porte em 2016. O diretor declarou que a cabotagem 'stricto sensu' precisa de atenção especial, sobretudo para ampliação da oferta de embarcações que, nesse momento, não poderia ser oferecida pela indústria naval brasileira. Antunes ressaltou que o ministério da infraestrutura tem como competência trabalhar a política da navegação, enquanto a indústria naval hoje está associada ao ministério da economia.
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No mesmo painel, a presidente do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), Nicole Terpins, defendeu que o governo precisa atacar diversos aspectos para indústria ser competitiva. Ela citou estudo de ITF (International Transport Worker's Federation) que apontou que a maioria dos 140 países da Organização das Nações Unidas (ONU) que possuem legislação de cabotagem estabelecendo a proteção de bandeira nacional e estímulo à indústria naval. Nicole comparou que, enquanto países asiáticos sempre tiveram estímulo a suas indústrias navais e os Estados Unidos adotaram postura protecionista a partir do Jones Act (1920), a indústria naval no Brasil nunca foi objeto de um programa de Estado, apenas de programas de governo. Ela acrescentou que em países asiáticos os próprios governos colocam novas encomendas quando existem gaps na demanda.
Para a presidente do EAS, a questão produtividade não é problema para construção de navios, porém o Custo Brasil atinge diretamente a competitividade da indústria naval brasileira. “Se houvesse política industrial que endereçasse essas assimetrias competitivas, [o governo] poderia chamar a indústria naval a competir com preço, pois já competimos com prazo", ressaltou. Nicole alegou que o Custo Brasil representa em torno de 40% dos custos dos navios construídos no país. Além dos custos trabalhistas, a política anti-dumping eleva os custos para compra de aço.
Ela defende que vale a pena investir na construção naval brasileira, a fim de recuperar os mais de 50 mil empregos diretos perdidos nos últimos cinco anos. Para isso, é preciso colocar a indústria brasileira no mesmo nível de competição de seus concorrentes estrangeiros. Segundo Nicole, a construção naval brasileira tem vivenciado de alguma forma uma política de desindustrialização, inclusive já sendo possível observar estaleiros inadimplentes com o Fundo da Marinha Mercante (FMM). Ela avalia que retirar a demanda da indústria nacional, que poderia ser absorvida localmente, cria risco sistêmico.
Nos últimos 10 anos, a cabotagem brasileira cresceu 12,8% ao ano. De acordo com a Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem, o incremento chegou a 20% no segundo trimestre deste ano em comparação com mesmo período do ano passado, ao passo que a economia brasileira cresceu 0,6%. Nesses 10 anos, sem considerar o sistema Petrobras/Transpetro, foram incorporadas 20 novas embarcações à frota nacional de cabotagem. A Abac destaca que o segmento conseguiu avançar, apesar das condições adversas do mercado, e que vê a greve dos caminhoneiros ocorrida no ano passado como um divisor de águas para alavancar a navegação de cabotagem.
A associação entende que o programa deve ter como objetivo a regularidade de serviços e maior racionalidade na matriz de transportes. Para entidade, qualquer política de cabotagem precisa se submeter a uma lógica econômica nacional. "A indústria de navegação no mundo trabalha num modelo simples: toda empresa de navegação tem embarcação própria, embarcação afretada a longo prazo e a curto prazo. Quando se mexe na dinâmica disso, tentando intervir ou regular ou definir um marco regulatório, isso deve ser feito sobre essas alavancas", disse o presidente da Abac, Cleber Lucas.
A Abac entende que uma empresa brasileira de navegação (EBN) é outorgada para operar porque se reconhece nela responsabilidade pelas consequências que podem ser geradas por sua atividade. O presidente da associação considera que a EBN deve ser capaz de responder pelos seus atos. “No momento em que, levemente que seja, se deixa passar uma empresa brasileira que não tem embarcação, estamos subvertendo a figura da EBN e de uma empresa de navegação”, alerta Cleber. Ele disse que as empresas de navegação no mundo precisam ter navios próprios, investimentos altos e escala e que navios com volume de cargas relevante para transportar é que remuneram os investimentos. "Essa equação de alto investimento e alta escala que leva ao movimento de concentração de mercado porque o tamanho dos navios no mundo aumenta. Tem que aglomerar e criar uma escala de alguma maneira com estrutura de custo menor", explicou.
O ministério da Economia considera que não faz sentido liberar totalmente a cabotagem brasileira a embarcações com bandeiras estrangeiras, sobretudo porque os atuais custos trabalhistas pesam e geram assimetria. “Arvorar bandeira estrangeira com legislação estrangeira deve ser [uma ação] feita de forma muito controlada”, ponderou o secretário de advocacia da concorrência e competitividade do ministério da economia, César Mattos.
Mattos falou que grande parte do incremento da produtividade brasileira ao longo da década de 1990 tem a ver com a abertura da economia, inclusive na área de navegação. Ele avalia que a antiga Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale) não teria embarcado na onda de prosperidade da década passada se não houvesse optado pela importação de navios de maior capacidade. Para o secretário, o que traz regularidade às empresas é o contrato, e não encontrar barreiras de entrada e saída.
Na visão da pasta, a estratégia para os diversos segmentos da economia passa por medidas que contribuam para redução do Custo Brasil. O ministério concorda que o anti-dumping no Brasil tem removido a competitividade de várias indústrias nos últimos anos. "Concorrência é ingrediente fundamental nas políticas de incentivo. Quanto mais barreiras de entrada ou de saída, mais difícil", resumiu Mattos.