O Brasil chega neste fim de semana ao 20º ano após seu primeiro leilão de concessões de áreas de petróleo após o fim do monopólio ainda com forte predomínio da Petrobras nas operações do setor.
Especialistas, porém, veem o início de um novo ciclo de investimentos com mais participação privada.
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Apesar da forte atração de empresas estrangeiras nos 19 leilões realizados até hoje, os campos operados pela estatal foram responsáveis em abril por 95% da produção nacional, que foi de 3,3 milhões de barris de petróleo e gás.
Para especialistas, o lento ritmo de expansão privada nesse segmento reflete políticas nacionalistas adotadas nos governos Lula e Dilma, que deram à Petrobras exclusividade na operação do pré-sal e suspenderam a realização de leilões por cinco anos, limitando o acesso a reservas.
A expectativa, porém, é que o resultado dos últimos leilões atraia cerca de R$ 500 bilhões em investimentos, reduzindo gradativamente essa participação. Considerando a fatia em campos operados pela Petrobras, as estrangeiras têm hoje direito a 25% da produção nacional.
A primeira rodada de licitações da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) foi realizada sob protestos em um hotel de luxo na zona sul do Rio nos dias 15 e 16 de junho de 1999.
A agência concedeu 12 das 36 áreas leiloadas, e 13 empresas estrangeiras participaram da concorrência.
Com arrecadação de R$ 487 milhões (o equivalente hoje a R$ 1,6 bilhão), o resultado foi considerado um sucesso na época e celebrado como o primeiro passo para a diversificação de empresas em busca de petróleo na costa brasileira.
Antes, companhias estrangeiras só tinham chance de explorar no país associadas à Petrobras, primeiro em infrutíferas parcerias assinadas nos anos 1970, e, depois, em blocos cedidos pelo governo à estatal ao fim do monopólio.
Das áreas concedidas no primeiro leilão, a Petrobras era operadora em apenas três. As outras nove foram vencidas por empresas estrangeiras, sozinhas ou liderando consórcios. A maior vencedora foi a italiana Eni, que levou quatro lotes.
Além da Eni, participaram do leilão a gigante americana Esso, a britânica BP, a anglo-holandesa Shell, a argentina YPF e uma série de companhias que depois acabaram sendo adquiridas por outras maiores, como a Texaco, a BG e a Mobil, entre outras.
"Foi, até então, a maior avalanche de investimentos no setor em curto espaço de tempo. Em 1998 e no início de 1999, mais de 70 empresas se instalaram no Rio", recorda o então diretor-geral da ANP, David Zylbersztajn, para quem o resultado veio "dentro do cenário otimista".
"A gente viajou muito pelo mundo. Isso era necessário porque ainda havia algum ceticismo com relação a uma coisa tão simbólica quanto quebrar o monopólio da Petrobras. A expectativa sobre o Brasil era enorme."
O leilão, porém, não trouxe frutos em termos de produção: todas as áreas arrematadas foram devolvidas por falta de descobertas comerciais --o pré-sal acabou sendo encontrado em blocos licitados na segunda rodada de licitações da ANP, em 2000.
"Aquelas áreas foram todas arrematadas de olho no pós-sal, o pré-sal só foi descoberto em 2006. Em 1999, estava todo o mundo procurando coisas iguais a Roncador [a maior descoberta brasileira até então]", diz o consultor Pedro Zalan, que era geólogo da Petrobras na época.
O período entre o primeiro leilão e a descoberta do pré-sal é visto como um primeiro ciclo de investimentos após a abertura do setor. Atraiu empresas estrangeiras, mas ainda sob a sombra da Petrobras, que dominava o conhecimento sob o subsolo brasileiro.
O segundo ciclo, após o pré-sal, foi marcado por um recuo no esforço para atrair capital privado. Com Lula e, depois, com Dilma, a Petrobras ganhou musculatura e privilégios na disputa das áreas mais promissoras.
Após a confirmação da descoberta do megacampo de Lula, hoje chamado de Búzios, o governo decidiu rever as regras do setor e interrompeu por cinco anos a realização de leilões, o que levou a um processo de desmobilização de empresas estrangeiras no país.
Dados da ANP mostram que a paralisação afetou fortemente a atividade do setor. Em 2011, quando atingiu o pico, foram perfurados 238 poços exploratórios no país. Em 2018, depois de duas fortes quedas da cotação internacional e da crise da Petrobras, foram apenas 28.
O número de sondas e perfuração em atividade no Brasil, que chegou a 90 no início da década, gira neste início de 2019 em torno de 10, segundo dados compilados pela americana Baker Hughes.
"Houve uma quebra de confiança, de credibilidade, que atrasou o país", afirma Zylbersztajn. "A gente parou. Hoje teríamos mais do que o dobro da produção, com maior dinâmica de atividade e de empregos."
O setor vê hoje o início de um novo ciclo de investimentos, agora com maior relevância de empresas privadas, a partir das concessões realizadas no fim do governo Dilma e no governo Temer.
Consórcios liderados por empresas estrangeiras levaram 6 das 13 áreas do pré-sal licitadas sob Temer, tendo sido responsáveis por 99% dos R$ 6,8 bilhões arrecadados. O forte apetite vem de mudanças regulatórias que aliviaram obrigações de compras no país e permitiram a operação privada no pré-sal.
Como resultado dos leilões recentes, a ANP espera investimentos que, apenas as áreas leiloadas sob Temer, demandem cerca de 20 plataformas de produção.
Considerando leilões anteriores, o potencial de investimentos chega a R$ 1,8 trilhão, com cerca de 60 plataformas.
A norueguesa Equinor, por exemplo, prevê cinco poços no pré-sal brasileiro pelos próximos três anos e espera chegar a 2030 produzindo entre 300 mil e 500 mil barris por dia no país. A Exxon também fala em cinco poços entre este ano e o próximo.
"Esse futuro já está contratado", diz o secretário-executivo do IBP (instituto que reúne as petroleiras), Antônio Guimarães. "Se voltar a investir US$ 40 bilhões (R$ 160 bilhões) por ano, que é a perspectiva para 2022 ou 2023, esse setor vai ser um motor da economia brasileira."
O diretor-geral da ANP, Décio Oddone, diz que o desafio agora é fomentar a criação e atração de empresas independentes para produzir em campos de pequeno e médio porte, que era também uma das metas de Zylbersztajn há 20 anos.
O plano parou na resistência da Petrobras em abrir espaço no segmento.
A ANP determinou que a Petrobras venda até o fim do ano áreas em que não tem mais interesse em investir --a estatal tem atualmente 23 processos abertos de venda de ativos de campos terrestres ou em águas rasas-- e decidiu manter em oferta permanente todas as áreas terrestres que têm em mãos.
Com os campos vendidos pela Petrobras, diz Oddone, pequenas empresas poderão fazer caixa para adquirir novos projetos exploratórios em terra e águas rasas que hoje não são interessantes para companhias de grande porte.
"A importância da diversidade de empresas é o impacto regionalizado da atividade, com geração de empregos e negócios locais", defende.
Leilões de petróleo ao longo de duas décadas
País deu início a realização de leilões em 15 e 16 de junho de 1999
Rodadas de leilões Ano Blocos ofertados Blocos arrematados
Rodada 1 1999 27 12
Rodada 2 2000 23 21
Rodada 3 2001 53 34
Rodada 4 2002 54 21
Rodada 5 2003 908 101
Rodada 6 2004 913 154
Rodada 7 2005 1,16 251
Rodada 9 2007 271 117
Rodada 10 2008 130 54
Rodada 11 2013 289 142
Rodada 12 2013 240 72
1ª rodada de partilha 2013 1 1
Rodada 13 2015 266 37
Rodada 14 2017 287 37
2ª rodada do pré-sal 2017 4 3
3ª rodada do pré-sal 2017 4 3
Rodada 15 2018 70 22
4ª rodada do pré-sal 2018 4 3
5ª rodada do pré-sal 2018 4 4
Fontes: ANP, IBP e BP Statistical Review of World Energy
Fonte: Folha SP