Logística de grãos no país começa a ganhar novos contornos e segue o rumo hidroviário >> A menor distância entre dois pontos é uma linha reta. Mas, em vez de tomar o caminho mais curto, durante décadas a produção de grãos brasileira tomou o rumo do Sul e Sudeste para alcançar os mercados consumidores. São até 2,5 mil quilômetros percorridos em carretas até o porto de Paranaguá (PR) ou de Santos (SP) para que a soja, da qual somos o segundo maior produtor e exportador, alcance os navios que percorrem nossa costa rumo à Europa, Estados Unidos ou Ásia. O imenso desvio de 80% da produção, que custa tempo e dinheiro, pode estar com os dias contados. Cerca de 60% do total da soja que hoje atravessa o Brasil sobre rodas poderá ser transportada pelas hidrovias do Norte na medida em que os investimentos públicos e privados saem do papel.
PUBLICIDADE
Este ano começaram a operar a nova estação de transbordo de carga em Miritituba e o Terminal Portuário Fronteira Norte (Terfron), novo graneleiro em Barcarena (PA), junto ao porto de Vila do Conde, ambos da Bunge. No mesmo município, a ADM Portos do Pará está com terminal pronto e recebeu licença de operação em 14 de julho.
Ainda estão previstos novo maquinário em Santarém (PA), no terminal da Cargill, que vai acelerar o descarregamento de caminhões e os embarques, além de melhorar a produtividade. No Maranhão, espera-se também a inauguração de terminal de grãos no porto de Itaqui, em São Luís. Todos devem contribuir para melhorar a logística de exportação de soja já na próxima safra que, mantendo o ritmo atual de crescimento, pode chegar a 91 milhões de toneladas na próxima temporada, segundo estimativa do Departamento de Agricultura do governo norte-americano. Este ano, foram pouco mais de 86 milhões de toneladas, informou o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada Cepea/Esalq, da USP.
Os investimentos são viabilizados pelo forte interesse das empresas de logística em firmar-se alternativa ao descompasso entre a demanda que cresce exponencialmente e os limites dos portos do Sul e Sudeste em atender à necessidade dos produtores nas novas fronteiras. "A cultura da soja tem se mostrado mais rentável que outras concorrentes e cresce em todas as regiões brasileiras. As maiores taxas são observadas na fronteira agrícola", avalia Lucílio Alves, pesquisador do Cepea/Esalq, apontando para dados da Conab que destacam Roraima, Pará, Tocantins e Piauí. A área cultivada aumentou 96,3% na região Norte desde a safra 2009/10. No Nordeste, a expansão foi de 39,8% e, em todo o país, ficou em 28,3% no mesmo período. A expansão foi maior em Roraima que, mesmo com produção inconstante, deve chegar a 18 mil hectares em 2014, contra 8 mil em 2008/09 e 1,4 na safra seguinte. Em seguida vêm Pará e Tocantins. Ambos mais do que duplicaram a área de cultivo do grão. São estas novas áreas, todas acima do paralelo 16 graus Sul, na altura de Cuiabá, Brasília e Ilhéus, que exigem novas rotas de escoamento.
Outras rotas ainda na bacia do Amazonas ganham atenção do setor privado. Maranhão, Piauí e Bahia representam juntos 75% da produção de soja do Nordeste. Rodrigo Paiva, da Mind Estudos e Projetos, lembra que a logística perto do limite no Sul abriu espaço para que o Norte do Brasil, que não tinha infraestrutura, buscasse opções mais próximas. Além de cortar custos do frete e tempo de transporte, essa solução permite escoar os grãos de forma mais sustentável para o meio ambiente.
Os portos da região Norte brasileira tornaram-se, enfim, a principal opção para escoar grãos do Mato Grosso, responsável por 28% da área cultivada de soja no país. Em quase todos os grandes portos brasileiros houve aumento na movimentação de soja este ano. O porto de Ilhéus (BA) voltou a exportar o grão. No entanto, a capacidade dos terminais atuais de absorver a expansão da produção é limitada. Daí a urgência do mercado em acelerar as obras. Os resultados deverão ser sentidos já na safra 2014/2015, no próximo ano.
Para Paiva, embora a Lei dos Portos (Lei 12.815) facilite a implantação de terminais privados e estimula investimentos, o mais importante não é a legislação. “O que importa é a visão do setor de que a Secretaria Especial de Portos pode criar uma alternativa de oferta de capacidade portuária. O Arco Norte é um consenso, mas agora há a consciência dos setores público e privado”, diz.
Na contramão dos investimentos, porém, a navegação fluvial brasileira sofreu, nos últimos meses, grandes baques relacionados a conflitos na aplicação do uso múltiplo das águas, previsto na política nacional de recursos hídricos. A principal hidrovia do país, no sistema Tietê-Paraná, está com as atividades paralisadas. Porto Velho, em Rondônia, sofreu fortes perdas no início do ano com uma cheia que entrou para a história e deixou prejuízos também na movimentação de grãos. O rio São Francisco está com o tráfego suspenso temporariamente pelo assoreamento e uma das obras mais esperadas para liberar o fluxo de embarcações e cargas no rio Tocantins, o derrocamento do Pedral de São Lourenço, está parado de novo depois do cancelamento da licitação que estava em andamento.
O trajeto atual da soja segue pelo rio Tapajós ou o Madeira até os portos de Santarém (PA) ou Itacoatiara (AM) e vem sendo usado pela norte-americana de grãos Cargill, pela Bunge e Amaggi. Desde 2003 a Cargill mantém um terminal graneleiro com capacidade para movimentar dois milhões de toneladas/ano. A área será ampliada até o fim do ano que vem para receber cinco milhões de toneladas. A adaptação da instalação portuária também aumentará sua versatilidade no recebimento da carga, que poderá ser feito em períodos chuvosos. A multinacional, porém, aposta ainda em uma rota alternativa.
É esse outro percurso que ganha força e atrai mais recursos. Antes mesmo da aprovação da nova Lei dos Portos, que desde o ano passado abriu a possibilidade de empresas investirem em terminais para movimentar cargas de terceiros, um estudo de 2008 da consultoria Macrologística mostrou que o distrito de Miritituba, em Itaituba (PA), teria ótimas condições para embarcar a carga cerca de 250 quilômetros antes do porto organizado no Oeste paraense. A principal vantagem é a localização. Em vez de seguir pelo rio Amazonas, o trajeto pela hidrovia do Tapajós permite o escoamento até os portos que podem se tornar mais competitivos e eficientes por conta do calado maior, como Vila do Conde, Outeiro e até Santana, no Amapá, onde um novo terminal está em construção, da Cianport (Companhia Norte de Navegação e Portos S.A.).
A Estação de Transbordo da Cargill em Miritituba, que espera licença de instalação, absorverá carga que chegará por barcaças de Porto Velho (RO) liberando caminhões que iriam até Santarém com a soja. Já o gerente de Competitividade Industrial e Investimentos da Firjan, Riley Rodrigues, recorre a dados da Secretaria Especial de Portos e diz que há oito novos terminais privados e estações de transbordo autorizados pela Antaq entre dezembro e maio deste ano para movimentar grãos. Além dos já citados, há três empreendimentos da Transportes Bertolini, em Manaus (AM), Juruti (PA) e Porto Velho (RO), o terminal graneleiro da Amaggi. Em Goiás (São Simão) e em São Paulo (Pederneiras), estão previstas estações de transbordo de cargas (ETC) da Louis Dreyfus Commodities do Brasil, conglomerado francês de commodities, na hidrovia do Tietê. Também terão movimentação de grãos o Porto Sul, previsto para Ilhéus, na Bahia, e a ETC Ronav, em Manaus (AM).
Pavan, da Macrologística, cita mais empreendimentos: os terminais aquaviários da Multigrain e da Unirios e mais 851 barcaças para levar o grão até Vila do Conde. “É o maior projeto de logística no Brasil planejado pela iniciativa privada", explica o engenheiro Pavan.
O diretor da Antaq, Adalberto Tokarski, explica que, com o avanço na navegação no rio Tapajós, grandes empresas estão buscando autorização para construir. “A saída pelo Norte vai dividir a carga com o Sul. Vai fazer logística mais eficaz porque transporta produtos de baixo valor agregado por rios, o que é mais barato”, avalia. As rotas alternativas para o escoamento beneficiam o setor produtivo e os portos do Sul e Sudeste ao reduzir a pressão sobre rodovias e portos, permitindo que os terminais dessas regiões dediquem-se a cargas com maior valor agregado. Paranaguá deve passar a receber menos soja e mais açúcar, por exemplo.
Nesse roteiro, a soja também desemboca mais perto do mercado europeu, dos Estados Unidos e do Canal do Panamá, caminho para o crescente mercado asiático. Dessa forma, reduz o tempo de viagem e ainda melhora o fluxo das estradas congestionadas. Com pouca carga sendo movimentada por ferrovias, a maior vantagem, explica Tokarski, é a competição. "Levando só pelas rodovias e ferrovias, o preço segue alto. Com a entrada das hidrovias, os preços de transporte podem melhorar", acredita.
Outra chave para a nova rota hidroviária está na capacidade de cada porto. Mais profundos, eles podem receber navios com maior capacidade, o que significa economia no frete por tonelada. Santarém recebe navios até 50 mil toneladas (panamax) por conta da restrição de calado até 12 metros na saída norte do rio Amazonas, fruto de um assoreamento difícil de contornar. “A navegação transoceânica está mudando. Os novos navios fazem contrabalanceamento entre velocidade e carga para ser mais eficientes e não dá para aproveitar isso em portos para até 50 mil toneladas”, diz Renato Casali Pavan, presidente da consultoria Macrologística.
Enquanto isso, o porto de Vila do Conde tem capacidade para embarcações até 200 mil toneladas (cape size), cujo frete custa a metade do panamax. De acordo com estimativa da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso), o volume total de soja movimentada por Miritituba e Santarém chegará a seis milhões de toneladas ano que vem. A safrinha da soja deste ano, em volume bem menor do que a safra normal, já escoada no primeiro quadrimestre, vai servir de teste para as primeiras inaugurações.
— Com o volume de expansão da soja que está previsto, os investimentos têm que acontecer no curto e médio prazo — afirma Rodrigo Paiva, da Mind. Os portos do Sul deram conta da logística de escoamento da superssafra de soja este ano por fatores climáticos — choveu pouco e houve poucas paralisações do embarque — e por causa do gerenciamento da cadeia logística feito pelo governo, que ordenou a chegada dos caminhões em datas marcadas em Paranaguá e, experimentalmente, em Santos. As paralisações atrapalham porque o porto não consegue receber mais carga. A soja também não pode ser embarcada quando chove, porque pode molhar e estragar.
Além desses projetos, as soluções logísticas pelo Norte incluem a ampliação do porto de Porto Velho (RO), a licitação do porto de Outeiro, a duplicação do porto de Santana (AP) e a entrada em operação do Tegram, em Itaqui (MA). No Sul e Sudeste, o estudo da consultoria Macrologística, considerando o escoamento da soja, aponta como prioridade a ampliação de Paranaguá.
Dois terminais estão em construção às margens do rio Madeira, na rota da BR-364, que passa por São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Pertencentes aos grupos Transportes Bertolini e Amaggi, eles constam da relação da SEP, devem entrar em operação ano que vem e fazem parte do rol de investimentos esperados em uma nova área para estações de transbordo em Porto Velho (RO). A região em ascensão evita a área urbana da capital e fica mais alta e menos sujeita a alagamentos como houve no começo do ano, com a cheia recorde do rio Madeira, em Rondônia.
Na ocasião, a Cargill sofreu danos em seu terminal e suspendeu a operação. Entre janeiro e maio, a soja foi movimentada lá durante apenas 80 dias. A empresa deixou de embarcar 105 mil toneladas no porto rondoniense.
Além deles, oito terminais estão em fase de estudos ou licenciamento ambiental em Miritituba segundo o especialista em logística Edeon Vaz Ferreira, diretor de logística da Aprosoja. “A prioridade são os portos do Arco Norte. Para o setor produtivo do Centro-Oeste e da área chamada de Mapitoba (Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), essa alternativa pelo Norte reduz até 34% no custo do frete ao cortar a distância rodoviária e ampliar o trecho percorrido na hidrovia”, estima Ferreira.
Edeon Vaz Ferreira enumera ainda projetos para estações de transbordo que partem diretamente do Mato Grosso. Via Marabá, a soja que chega por via rodoviária poderá ser carregada em terminal da RM Logística. Em Santana (AP), é grande a expectativa em torno do porto público que foi arrendado pela Cianport, que constrói em ritmo acelerado silos para movimentar grãos. Com acesso pelo rio Amazonas, deverá receber 1,8 milhão de toneladas de grãos na safra 2016/2017, e 3,5 mil toneladas/ano nos anos seguintes. A empresa aposta também na expansão da produção de soja no Amapá. O governo estadual aponta para um potencial de até 350 mil hectares de área plantada.
Outra saída é pelo porto de Itaqui, no Maranhão, onde está sendo construído novo terminal portuário na Ponta da Madeira, que deve ser expandido em breve. O Tegram, no mesmo complexo portuário, tem previsão de inauguração em agosto. O Terminal de Grãos do Maranhão, com capacidade inicial para cinco milhões de toneladas ao ano e funcionando em condomínio com quatro operadores, no futuro deverá dobrar de capacidade.
O porto da Vila do Conde, em Barcarena (PA), inaugura em breve o terminal da ADM. O porto aberto pela Bunge em abril deve exportar em 2015 cerca de dois milhões de toneladas de soja. Se o canal de acesso for dragado, a expectativa é receber no local navios com capacidade para até 120 mil toneladas. Também está em construção na região o terminal da Hidrovias do Brasil, previsto para ser aberto no próximo ano. "O fato de a carga poder ser de terceiros facilita a atuação de empresas que pedem autorização à Antaq ou arrendam", diz Edeon Vaz, da Aprosoja. Isso explica a ansiedade em torno dos arrendamentos dos portos e áreas excedentes em Outeiro, Vila do Conde e Santarém. Para o especialista, muitos outros investimentos virão a reboque da liberação destas áreas.
Renato Pavan, da consultoria Macrologística, acredita ainda que no futuro haverá uma especialização das rotas. A carga destinada à Europa deverá seguir por Santarém, enquanto o volume voltado para a Ásia sairá por Vila do Conde. Serão duas opções de terminais para exportação.
A Macrologística informa que na última safra foram movimentados pelo Norte 2,4 milhões de toneladas de soja por Itacoatiara, no Amazonas, 1,2 milhão por Santarém (PA), nada por Vila do Conde, 3,1 por Itaqui (MA). Em 2020, a previsão da consultoria é de 3,4 milhões de toneladas por Itacoatiara, 8 milhões por Santarém, 4 milhões por Santana, 22 milhões por Vila do Conde, e 4 milhões por Itaqui, diz Pavan.
Tokarski, diretor da Antaq, indica ainda que outro caminho a ganhar força é a hidrovia do rio Paraguai, que precisa de dragagem, mas já vê aumento no transporte de minério de ferro e grãos. Sem barragem para atrapalhar a navegação, as empresas brasileiras deverão voltar a usar as estruturas existentes ali. Segundo Tokarski, o Mato Grosso do Sul tem se esforçado neste sentido.
A navegação interior, que cresceu mais de 19% entre 2010 e 2013, chegando a 28,5 milhões de toneladas de carga transportada, poderá alcançar 120 milhões de toneladas em 2031. O Plano Hidroviário Estratégico, da Antaq, prevê obras nas oito principais bacias hidrográficas brasileiras e R$ 16,8 bilhões até lá. “Tais investimentos abrangem dragagens, derrocamentos, alargamento de vãos de pontes, ampliação e construção de eclusas”, informa a assessoria do órgão.
Para o governo, informa o Ministério dos Transportes, as principais obras a serem realizadas para dar condições às novas opções de escoamento são a dragagem e manutenção do rio Madeira, o derrocamento do Pedral de São Lourenço na hidrovia do Tocantins para implantação de canal de navegação, a dragagem e manutenção do rio São Francisco e obras de melhoria da navegabilidade no rio Tietê que envolvem alargamento de vãos de pontes, ampliação e construção de eclusas.
Até 2015, a previsão é que fiquem prontas quatro intervenções de adequação de pontes (proteção de pilares) na hidrovia do Tietê e uma obra de melhoria em eclusa na mesma rota. Também tem data para o ano que vem a dragagem de manutenção e recuperação de sinalização na hidrovia do rio Madeira. Para 2014, a expectativa é ainda mais modesta. Só a dragagem nos rios Taquari, na Hidrovia do Sul, do rio Madeira, de pontos críticos do rio São Francisco e a sinalização no rio Tapajós devem ser concluídas, segundo levantamento do ministério para a Portos e Navios.
Preparado para a Antaq, o Plano Hidrográfico Estratégico divulgado ano passado analisou a viabilidade econômica dos rios brasileiros. Entre as conclusões, mostrou o imenso potencial da bacia Tocantins-Araguaia por conta de sua localização central e ligação com os portos do Norte (Belém, Barcarena, Vila do Conde), se for ampliado seu trecho navegável. A bacia do rio São Francisco, que hoje não transporta soja, teria menor custo de importação e exportação do que as cargas que passam pelo porto de Santos. No horizonte entre 2015 e 2020, o estudo indicou que 21 novas instalações portuárias seriam viáveis.
Tirar do papel a hidrovia do Tocantins-Araguaia, que hoje é operada em apenas três trechos, é uma das demandas dos ruralistas. Há um esforço do agronegócio para que as quatro intervenções fundamentais para viabilizar essa rota sejam incluídas no PAC 3, diz o diretor da Aprosoja. É preciso concluir a eclusa da barragem de Lageado, construir a da barragem de Estreito e ainda uma barragem que permita a navegação em Serra Quebrada. Por fim, falta fazer o derrocamento do Pedral de São Lourenço. No entanto, ressalva Pavan, da Macrologística, a ação só terá efeito se todas forem concretizadas. Não adianta fazer uma — Lageado já está em obras — e deixar as demais em segundo plano.
O Pedral de São Lourenço fica no final do lago do Tucuruí usina. Embora o projeto da hidrelétrica tenha previsto uma eclusa para permitir a navegação, alguns quilômetros adiante, uma vasta área tem pedras que impedem o tráfego. Eliminar os 43 quilômetros de material pedregoso que compõe o leito do rio vai proporcionar uma navegação contínua com calado de três metros a partir de Marabá, conta Tokarski, da Antaq. E ainda viabilizar o escoamento de grãos vindos do Oeste do Mato Grosso e do Sul do Pará, que são áreas em crescimento para a soja.
O Pedral do Lourenço já tem R$ 500 milhões em recursos para o derrocamento, mas o projeto inicial que estava em licitação previa calado de apenas dois metros, o que não permite a navegação das barcaças, cujo mínimo para transitar é 2,5 metros. O Ministério dos Transportes informa que a licitação, prevista pelo Dnit para 30 de maio, foi anulada por força de decisão judicial. No momento, não há prazo definido para a publicação do novo processo.
De resto, insiste o especialista da Macrologística, é preciso mais manutenção do que estruturação. “Ferrovia e rodovia podem ser dadas à iniciativa privada porque têm retorno. Hidrovia não dá para fazer concessão. O custo não equilibra”, afirma Pavan.
Entre as opções citadas no plano da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, o rio São Francisco, que passa pelos estados de Minas Gerais, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Bahia, está seriamente prejudicado pelo assoreamento. Percorrendo uma extensão de 2,8 mil quilômetros, o rio apresenta dois trechos potencialmente navegáveis: o primeiro com 1.371 quilômetros entre Pirapora (MG) e o polo Petrolina/Juazeiro (BA), e o segundo com 208 quilômetros entre Piranhas (AL) e a foz. O primeiro percurso está com a navegação parada desde 16 de junho.
Os especialistas apontam que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem ignorado regras do uso múltiplos das águas e alterado a vazão da barragem de Sobradinho sem considerar se isso beneficia ou prejudica a navegação. Parte do lago precisa ser dragado, defende Tokarski, da Antaq. A Icofort, única empresa que opera a rota, paralisou suas operações até que as condições sejam restauradas para a navegação comercial. Essa forma de uso da água, reclama o engenheiro civil que foi superintendente de Navegação Interior da agência, só beneficia a geração elétrica. “O rio está vivendo seu pior período, com volume de chuvas baixo e uso da água para gerar energia. Não tem água suficiente nem para o consumo”, lamenta Marcelo Antunes Ferreira, diretor de logística da Icofort.
O Ministério dos Transportes diz que a dragagem de Meleiro, Limoeiro e outros pontos críticos localizados entre Ibotirama e Juazeiro, na Bahia, estão em andamento e têm previsão de conclusão até novembro.
— A hidrovia não evolui se o modal não é tratado como merece — aponta Altamir Olivo, da Cargill, referindo-se à interrupção da navegação no sistema Tietê-Paraná desde o fim de junho. O transporte de carga na hidrovia já estava prejudicado há mais de dois meses. A hidrovia Tietê-Paraná integra as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e abrange cinco grandes estados brasileiros (Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Goiás). De acordo com Adalberto Tokarski, diretor da Antaq, as barragens de Três Irmãos e Solteira, interligadas pelo canal Pereira Barreto, estão intransitáveis. Não há calado para navegar porque a profundidade mínima assegurada nos últimos anos não está sendo respeitada apesar da Lei das Águas assim obrigar. Desde maio o nível foi reduzido, prejudicando a carga que sai de Goiás para São Paulo.
Entre as soluções em debate está o acúmulo de água nos reservatórios até o nível necessário às embarcações e, só então, as hidrelétricas voltariam a gerar energia. A hidrovia do Tietê escoa três milhões de toneladas de grãos, celulose, areias e outros produtos. A carga exigiria cinco mil caminhões por mês na rodovia. "Todo o esforço de fazer planejamento, agendar a chegada dos caminhões, como se fez em Santos, seria desperdiçado. As rodovias também são mais perigosas e piores para o meio ambiente", ressalta Tokarski. Ele destaca que a coordenação é necessária para que não se esgote o volume de água necessário ao fluxo de embarcações. Em maio, a Marinha reduziu o calado perto de Buritama (SP), impedindo que as grandes embarcações usassem a eclusa da hidrelétrica de Nova Avanhandava.
Para a Cargill, os problemas no Tietê significam prejuízo, embora a empresa não informe o montante das perdas. "A safra da soja já se foi e ninguém se pergunta quem é que vai pagar a conta", lamenta o executivo da Cargill. Em 2014, ainda não houve sequer um mês inteiro com condições plenas de navegabilidade no Sudeste do país.
Espera-se uma superssafra ano que vem. A soja este ano registrou recorde de pouco mais de 86 milhões de toneladas produzidas, dentro do esperado. A área com a cultura deve crescer na temporada 2014/15, podendo gerar novo recorde — vai depender da produtividade. Com crescimento da área cultivada em torno de 4,7% ao ano entre as safras 1999/2000 e 2013/14, a soja teve ainda aumento de produtividade de 1,2%. Para Lucilio Alves, economista e pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), logística precária, falta de estrutura como estradas e energia e custos altos são alguns dos fatores que impedem a produção de soja de crescer mais.
Luiz Antônio Fayet, consultor de Logística da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), atribui parte do problema logístico enfrentado por produtores de soja à instabilidade jurídico-institucional e à centralização da regulamentação na Secretaria Especial de Portos, como o caso da indefinição das poligonais que definirão as áreas dos portos públicos, que represaram investimentos privados. O economista da CNA alerta que parte da renda da produção vai para o ralo porque os empreendimentos não ficam prontos de uma hora para outra. “A velocidade de implantação das ampliações dos portos públicos está muito prejudicada e o ponto mais crítico são os terminais”, afirma.
Fayet descreve a trajetória histórica do agronegócio — de importador a exportador, do foco na região Sul para o Norte do país — para explicar que, pela disponibilidade de áreas de expansão a produção, o Brasil é o segundo maior exportador. Mas a fronteira agrícola não avançará necessariamente em direção à Amazônia. “O Brasil tem 70 milhões de hectares com pastagem de baixa produtividade e áreas do cerrado que podem ser ocupadas por lavouras”, destaca.
Existem ainda gargalos em relação à recepção e armazenagem de grãos, alerta Paiva, consultor da Mind. O grão é vendido pelo preço da Bolsa de Chicago. Quando sobe, todo mundo quer vender e tem que entregar. Para isso, é usada a estrutura existente para exportar ao mesmo tempo e não há capacidade suficiente. A armazenagem no porto, que é uma área limitada, não dá conta. Ela precisa ser alocada ao longo do caminho.