Os terminais portuários e empresas de navegação já começam a enfrentar a segunda etapa da crise provocada pela pandemia do coronavírus. Se em um primeiro momento a queda na movimentação de cargas ocorreu pela paralisação na China, agora, é o Brasil e a Europa que sofrem os efeitos do isolamento social.
Nas próximas semanas, as viagens da China para o Brasil deverão voltar a ter cancelamentos - justamente quando as importações voltavam ao normal, com a retomada gradativa das atividades no país asiático.
PUBLICIDADE
Há previsão de viagens suspensas para ao menos as próximas três semanas, afirma Luigi Ferrini, vice-presidente no Brasil da empresa de navegação Hapag-Lloyd. O executivo também já percebe uma queda na taxa de ocupação dos navios que estão saindo da China para o Brasil.
O motivo principal, segundo ele, é a retração na demanda brasileira, provocada pelo fechamento de fábricas e lojas no país.
A oscilação cambial das últimas semanas também tem sido um freio para as importações, avalia Ricardo Arten, presidente da Brasil Terminal Portuário (BTP), um dos maiores operadores de contêineres em Santos.
Além do dólar caro, há um fator de incerteza: como as viagens chegam a durar até um mês, no caso da China, é difícil prever qual será o câmbio quando a carga encomendada atracar no Brasil, o que gera insegurança.
“É uma soma de fatores que desestimulam a importação. É difícil dimensionar o quanto é pela queda da demanda no Brasil, o quanto é pelo câmbio alto”, afirma o executivo do terminal.
As incertezas já começam a se refletir no preço do frete de contêineres na rota Xangai-Porto de Santos (SP). Entre o dia 27 de março e o dia 3 de abril, houve uma diminuição de 15% no valor, para US$ 1.114 por TEU (unidade equivalente a 20 pés), segundo dados do Shanghai Containerized Freight Index.
Para as próximas semanas, já há projeções de que o preço do frete nessa rota cairá ainda mais, para abaixo dos US$ 1.000 por TEU, segundo fontes.
“Apesar da utilização média dos navios dessa rota ainda demonstrar níveis satisfatórios, a demanda para as próximas semanas pode estar desacelerando. Resta agora dimensionar a profundidade e a duração dessa queda”, avalia Leandro Barreto, sócio da consultoria Solve Shipping.
No caso das importações vindas da Europa, também há uma redução na movimentação, mas em patamar muito menor do que a queda vista no auge da epidemia na China.
Até agora não há registros de viagens suspensas, mas o volume de carga vinda de alguns dos países do continente, como a Espanha, já deu sinais de retração, segundo um operador.
No mês de março, foram registradas quedas significativas dessas cargas nos portos de Santos (SP), Itajaí (SC), Navegantes (SC) e Suape (PE), segundo dados da Logcomex.
A previsão é que a situação se agrave em abril. Para a BTP, a previsão é de uma queda de 40% nos volumes de importação da Europa neste mês, embora, em maio, já se espere uma pequena recuperação. A perspectiva é negativa tanto para os navios que partem do Mediterrâneo quanto para os que vêm do Norte do continente.
Para Arten, é difícil analisar as causas e impactos dessa retração vinda da Europa, porque muitos dos portos da região são polos, nos quais há transbordo de cargas vindas de outras partes do mundo - ou seja, pode ser que as importações que deixaram que vir sejam de outros países não europeus, diz ele.
Se o cenário para importações é de retração, as exportações brasileiras seguem fortes, impulsionadas pela safra recorde de grãos e pelo dólar alto, que tem compensado problemas logísticos.
Ajuda o fato de a carga exportada pelo país ser basicamente de alimentos, por se tratar de um consumo mais resistente, avalia Barreto, da Solve Shipping.
“Não quer dizer, porém, que não haverá impacto no consumo de regiões na Europa ou nos Estados Unidos”, diz ele. A avaliação é que dentro de uma a duas semanas devam aparecer impactos.
Outro problema que pode voltar a prejudicar as exportações é a falta de contêineres no Brasil, que tende a se agravar novamente com a perspectiva de novos cancelamentos de viagens entre China e Brasil.
A escassez dos equipamentos, principalmente os refrigerados (que transportam carnes, frutas etc), se tornou um entrave há algumas semanas, devido à paralisação das atividades na China - que levou a um acúmulo de contêineres na Ásia e uma consequente falta no resto do mundo.
O problema vinha sendo solucionado nas últimas semanas. Com a retomada das viagens da China, não apenas a carga voltou a fluir, como embarcações adicionais vinham sendo enviadas, para trazer contêineres vazios.
Agora, com os novos cancelamentos provocados pela crise no Brasil, a escassez volta a ser um temor, diz Ferrini, da Hapag-Lloyd.
Fonte: Valor