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Isonomia competitiva

 

 

Aos 18 anos, Lei 8.630/1993 ainda gera discussões, sobretudo pelas regras diferenciadas para portos públicos e privados

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Era uma expectativa há mais de uma década, mas, ao que parece, não resolveu todos os problemas. Quando passou a valer, a Lei 8.630/1993, conhecida como Lei dos Portos, foi bem vista por alguns agentes do setor. No entanto, nem todos eles ficaram satisfeitos.

 

 

Após 18 anos das mudanças das regras do sistema portuário, algumas dúvidas e insatisfações ainda estão no ar, sobretudo na regulamentação que interfere na competitividade do setor. A classificação dos terminais em públicos, privados e mistos incomoda alguns operadores, que apontam diferenças, dentre outras regras, na exigência de licitação e na contratação da mão de obra. Também cobra-se fiscalização das cargas próprias declaradas pelos terminais privativos de uso misto, um requisito desta modalidade de operação portuária.

 

Sobre essas discussões, as entidades representativas tentam encontrar uma solução com o máximo de isonomia possível e sem aumentar as rixas no setor. Após o decreto 6.620/2008, que regulamentou a Lei 8.630/93, o governo parece ter dado o assunto dos terminais por encerrado. Esse termo dispõe sobre políticas e diretrizes para o desenvolvimento e o fomento do setor de portos e terminais portuários de competência da Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP-PR), disciplina a concessão de portos, o arrendamento e a autorização de instalações portuárias marítimas, dentre outras providências. Entretanto, no entendimento de alguns agentes, a solução proposta pelo decreto 6.620 para terminar com os conflitos acabou agravando a discussão, ao definir o que é carga própria e de terceiros. A maioria cobra fiscalização nos terminais mistos a fim de comprovar a existência de cargas próprias e evitar operações indevidas.

O diretor geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Fernando Fialho, diminui os efeitos dos conflitos em razão da operação de terminais portuários brasileiros. Ele observa que o tema está “relativamente superado”, após o decreto 6.620. “O governo foi firme na sua decisão. O que está feito está feito. É necessário para o país. Daqui para frente, vamos utilizar portos para prestar serviços. A regra do jogo ficou clara. É porque tem sempre gente que fica insatisfeita”, comenta.

Fialho acredita que a participação da iniciativa privada no setor portuário é um modelo adequado, mas reconhece que ainda há necessidade de ajustes. “A operação foi transferida para iniciativa privada, que é mais ágil e tem muitos interesses econômicos de produzir mais, mais rapidamente. Acredito que esse é um modelo adequado, mas que precisamos de alguns aperfeiçoamentos para poder melhorar até o lado da autoridade portuária”, analisa.

Marco importante do setor, a Lei 8.630/1993 estabelece regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias. O diretor-presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli, ressalta que essa lei trouxe instrumentos importantes como o contrato de arrendamento para áreas portuárias de uso público e as autorizações que permitiram o setor produtivo ter os seus terminais de uso privativo. “Tínhamos portos que estrangulavam nossa economia. Com o movimento empresarial e da própria sociedade, o país conseguiu ter um novo e moderno regime de exploração portuária”, lembra.

A Lei dos Portos definiu três tipos principais de terminais: os privativos, que podem ser exclusivos — operando somente carga própria, mistos — quando possuem carga própria e carga de terceiros, além dos públicos. O artigo 4º dessa lei estabelece que “fica assegurado ao interessado o direito de construir, reformar, ampliar, melhorar, arrendar e explorar instalação portuária, dependendo: I - de contrato de arrendamento, (...) II - de autorização do ministério competente, quando se tratar de terminal de uso privativo (...)”.

Uma das reclamações dos terminais localizados nos portos públicos é que não há limite para que os terminais de contêineres operem carga de terceiros. “Na época da lei, não se imaginava que o segmento de contêineres alcançaria a expressão que está alcançando hoje. E o futuro do sistema portuário passa pelos contêineres”, analisa Manteli. Ele afirma que a disputa comercial ficará fora da ABTP, a fim de evitar que a entidade seja fragilizada com disputas internas. “Nosso papel como ABTP é pacificar esse conflito. Estamos buscando uma solução para não permitir que o setor rache”, conta.

Manteli conta que, numa assembleia há dois anos, a ABTP tomou a decisão de defender os terminais destinados à produção industrial. Ele cita os casos da Petrobras e da Vale, cujas atividades produtivas não podem ter nenhum tipo de restrição, quer em relação à carga própria, quer em relação à carga de terceiros. Manteli ressalta que continua existindo a necessidade de estímulo aos terminais de uso público e de uso privativo. Segundo o executivo, a busca por atrair o capital privado para a indústria e logística permitiu grandes investimentos como os da Vale, que passou a ter terminais privativos. “Posso afirmar que a Vale e a Petrobras não teriam a expressão globalizada que têm hoje se não fossem seus terminais. Imaginem escoar todos seus produtos e minérios, movimentar petróleo e seus derivados na exportação e na importação através dos portos públicos. Não haveria condições”, observa.

O diretor-presidente da ABTP diz que, como reflexos da Lei 8.630/93, das concessões e dos novos modelos de outorgas, os portos nacionais movimentaram 834 milhões de toneladas em 2010, entre importação e exportação, utilizando em torno de sete milhões de contêineres. A expectativa da associação para 2013 é que, se a crise econômica mundial não atingir severamente o setor, serão movimentados mais de 1 bilhão de toneladas nos terminais públicos e privativos. Atualmente, estima-se em torno de 315 áreas que foram arrendadas e 109 terminais privativos, que respondem por 70% dos mais de 800 milhões de toneladas movimentadas.

Entre 1996 e 2010, o fluxo comercial passou de US$ 100 bilhões para US$ 350 bilhões. Comparando 2010 com 2009, o Brasil liderou dentre todas as economias o crescimento de importações (34%) e exportações (38%). Nesse mesmo período, o rendimento dos terminais de contêineres cresceu 391%. As filiadas à Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres de Uso Público (Abratec) representam 74% da movimentação de contêineres, enquanto os demais terminais privativos e de uso misto correspondem a 26%.

O presidente do conselho da Abratec, Juarez Moraes e Silva, acredita que a Lei 8.630/93 trouxe medidas importantes para o sistema portuário nacional. Ele destaca o programa de modernização dos portos brasileiros e o novo Plano Geral de Outorgas (PGO), da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que sinaliza potenciais áreas de desenvolvimento do setor portuário em todo o Brasil. Silva também elogia a diferenciação dos tipos de portos com operações de portos públicos por operadores privados e a criação de terminais privativos de uso misto. Segundo ele, a diferença mais significativa e determinante entre os portos de uso público e privado é em relação à licitação, onde os portos públicos passam por licitação pública, enquanto os terminais privativos passam por autorizações concedidas pelo governo, sem a necessidade de processo licitatório.

Silva afirma que o aumento dos volumes comercializados nos portos deve ser acompanhado de algumas medidas essenciais. O presidente do conselho da Abratec cita o programa de dragagem executado pela Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP-PR), que possibilita aos portos brasileiros calados que atendam à demanda dos grandes navios atuais. Ele ressalta que o país não pode parar por conta de questões mais simples de serem resolvidas, sobretudo pelo bom momento em que vive a economia brasileira.

De acordo com Silva, a Lei 8.630/93 ainda carece de alguns ajustes que os setores envolvidos devem debater bastante para dar mais clareza e viabilizar investimentos de interesse do país. “Sabemos que ainda existem questões que precisam ser melhor definidas, de certa forma, para poder estabilizar regras do setor e que permitam mais investimentos”, diz. Ele enxerga que os operadores privados impulsionaram os portos públicos brasileiros. Segundo Silva, houve evolução de terminais de uso público, alavancando a carga geral, enquanto cargas a granel predominam nos terminais privativos.

 

Arrendamentos. No caso da movimentação dos terminais de contêineres, Silva observa evolução quase que no mesmo nível do crescimento do fluxo de comércio internacional. Para a Abratec, os investimentos estão acontecendo e a Antaq está autorizando concessões. A expectativa da associação, segundo Silva, é que ocorra uma nova onda de arrendamentos, reflexo da Lei de Licitações. “Com esse plano de outorgas e um programa mais agressivo de arrendamentos através de licitações poderemos entregar o que a cadeia produtiva demanda”, avalia.

Fialho, da Antaq, defende o aprimoramento do modelo brasileiro de gestão para permitir que as companhias docas tenham um arcabouço jurídico mais flexível. Ele diz que o cenário jurídico do setor portuário deveria ser mais parecido com o que é praticado no setor de petróleo. Segundo o diretor-geral da Antaq, as companhias docas têm que competir no mercado com outros portos, além de dar soluções ágeis para mais investimentos nos terminais. “O comércio internacional tem uma dinâmica muito rápida. Para que isso aconteça, vamos partir de uma economia mista onde haja flexibilidades de licitações mais céleres e contratação de serviços para resolver problemas imediatos”, aponta.

Fialho destaca que a iniciativa privada movimenta a economia e que o governo deve ter o papel de indutor desse processo, dando condições de financiamento, infraestrutura básica, condições de regulação de mercado e segurança jurídica. “Com o forte crescimento da demanda, o setor privado estará cada vez mais presente no setor portuário — dentro de novos arrendamentos e ampliando investimentos em arrendamentos existentes”, afirma.

Competências. Manteli enxerga que não há condições de se desenvolver um setor com tanta ingerência do governo e num modelo tão centralizado. O diretor-presidente da ABTP observa que, além de órgãos como o Ministério dos Transportes, Secretaria de Portos e Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), os portos são submetidos a decisões de outros órgãos de governo como o Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia Geral da União (AGU) e os ministérios da Defesa, do Trabalho e da Agricultura. Ele cita ainda a presença dos conselhos de autoridades portuárias (CAPs) e dos conselhos de administração. Para o executivo, esse é um dos principais gargalos que trancam o setor portuário, apesar do crescimento do setor no país.

“É difícil investir, não só em novas instalações portuárias, mas também em ampliações. Cada vez mais vai se exigir uma logística perfeita e os portos são fundamentais elos nessa cadeia”, lamenta. “Hoje, para se ter uma ideia, num terminal de uso privativo ou de uso público, para se instalar um banheiro na parte interna tem que se ter uma autorização que vem de Brasília. Estamos repetindo a velha Portobrás, que engessava de Brasília toda a atividade portuária”, recorda-se.

O advogado e professor de Direito Regulatório do Transporte e da Atividade Portuária e Direito Marítimo e Comércio Internacional da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Osvaldo Agripino de Castro Junior, ressalta que o setor portuário convive com mais de 25 órgãos intervenientes, desde SEP e Antaq, até os CAPs, o Ibama e a Polícia Federal. Destes, Agripino considera os CAPs como mais importantes, mas defende mais capacitação para os conselheiros. “Se eles forem chamados para resolver esses conflitos, não têm a formação [necessária]”, avalia.

No âmbito interno, o transporte aquaviário brasileiro é regulado principalmente pela Antaq, sob diretriz do Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit) e seguindo o marco regulatório da Lei 10.233/2001. Em nível internacional, o setor sofre influência da regulação da Organização Marítima Internacional (IMO) e da Organização Mundial do Comércio (OMC). A primeira possui como objetivo implementar a segurança da navegação e a proteção do meio ambiente marinho, enquanto a segunda visa combater o comércio injusto de bens e serviços.

 

Cargas. Um exemplo de impasse envolvendo a exploração de portos acontece em Santa Catarina. De um lado, o porto de Itajaí, de administração municipal pela autoridade portuária, que passou por licitação. Do outro, o porto de Navegantes, operado pela Portonave, que recebeu autorização da Antaq para atuar como terminal misto — opera com carga própria e não passou por licitação. No caso de Itajaí, os trabalhadores são contratados pelo Órgão Gestor da Mão de Obra (Ogmo) local. Como Navegantes não tem as tarifas homologadas pelo CAP, a administração do porto de Itajaí alega que as tarifas do terminal privativo são mais competitivas.

Agripino classifica essas condições como concorrência desleal, a favor do terminal privativo. “Isso gerou uma concorrência desleal entre os portos porque o usuário do serviço vai para onde houver uma tarifa mais competitiva. A Antaq tem que zelar por isso”, analisa. Por conta dessa questão, o porto organizado pediu para que essas outorgas fossem declaradas ilegais, por violação do artigo 175 da Constituição Federal, que levanta a discussão de serviço público e de terminal privativo de carga própria.

Este artigo estabelece que a prestação de serviços públicos deve ser feita sempre por meio de licitação. A legislação abrange os direitos dos usuários, a política tarifária e a obrigação de manutenção de serviços adequados. Também é estabelecido ao regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, assim como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão.

Apesar disso, a Portonave possui um assento para o seu conselheiro superintendente no CAP de Itaguaí. No entanto, há quem diga que a Portonave participa parcialmente do porto organizado, já que tem cadeira no CAP. Esse impasse sobre se o terminal integra o porto público ou não é objeto de grande discussão. “Do custeio do Ogmo ela [Portonave] não quer participar. Mas ela quer ser representante dos terminais dentro do porto organizado no CAP”, enfatiza um profissional da comunidade portuária de Itajaí.  Agripino defende que Itajaí e Navegantes sejam vistos como um condomínio — união dos dois portos para trazer cargas de outros portos, ao invés de promoverem disputas. “A Antaq tem que fazer com que a iniciativa privada venha e tem que criar um ambiente de segurança”, diz. “O problema todo foi que a Lei dos Portos demorou a ser regulamentada. A lei é de 1993 e só foi regulamentada em 2008 com o decreto 6.620. Essa omissão de 15 anos criou esse caos. Se esse decreto viesse lá atrás, o problema não teria sido tão grande”, acredita Agripino. Ele destaca que o decreto 6.620 estabeleceu uma diferença entre os tipos de cargas. “Isso é importante para garantir uma concorrência leal. Se há uma diferença na lei e se é serviço público, então não pode vir um terminal privativo que quer ter o benefício de não participar de licitação e só operar com carga de terceiro, sem carga própria”, opina.

 

Proposta. Tramita em caráter conclusivo na Câmara dos Deputados um projeto que estabelece que os contratos de arrendamento de instalações portuárias que ainda não estão adaptados à Lei dos Portos (8.630/93) sejam ajustados no prazo de 180 dias, a contar da publicação da nova lei. O PL 502/2011, do deputado Geraldo Simões (PT-BA), prevê que os novos contratos terão vigência de 50 anos, contados os anos já passados desde a assinatura dos contratos iniciais. A recusa ou a protelação injustificada da adaptação desses contratos por agentes públicos serão consideradas improbidade administrativa, segundo a proposta.

O projeto prevê ainda que somente serão adaptados os contratos de arrendamento em portos se os arrendatários estiverem atuando em conformidade com suas obrigações legais e contratuais; dispuserem de plano de investimentos destinados à ampliação e modernização das instalações portuárias, adequados ao respectivo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do porto; ou se repactuarem com a administração do porto as obrigações e os direitos vinculados ao arrendamento, assim como as condições de equilíbrio econômico-financeiro do contrato, mediante a inclusão das cláusulas essenciais previstas na Lei dos Portos. Os termos do novo contrato deverão ser examinados pela Antaq, que terá 60 dias para aprová-los ou exigir qualquer reformulação — caso o PL vire lei.

Pela Lei dos Portos, o Executivo deveria adaptar os contratos de concessão, permissão e autorização em até 180 dias da publicação da 8.630, que aconteceu no dia 25 de fevereiro de 1993. O deputado autor do PL alega que o governo ajustou os contratos de arrendamento de instalações portuárias situadas dentro da área do porto organizado, o que, segundo ele, gerou um injusto desequilíbrio na isonomia que deve existir entre os terminais privativos e os públicos.

Para Simões, a adaptação dos contratos e a consequente prorrogação dos prazos de arrendamento para até 50 anos garantem amortizações de investimentos efetuados em valor mais reduzido. Além disso, ele acredita que a nova legislação permitirá que o governo assegure a continuidade das operações portuárias e a consequente manutenção dos investimentos privados no setor, além dos postos de trabalho gerados pela atividade dessas empresas arrendatárias no setor portuário. O projeto ainda será analisado pelas comissões de Viação e Transportes; de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

 



Yanmar

      GHT    Antaq
       

 

 

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