A instabilidade política e a letargia econômica deixaram no limbo as próximas concessões de infraestrutura. Novos leilões de rodovias federais foram postergados para 2016. O governo ainda não conseguiu atrair investidores para ferrovias. A crise na aviação civil, que vê o número de passageiros recuar pela primeira vez em mais de uma década, coloca algumas incertezas na privatização de aeroportos. E uma licitação para o arrendamento dos quatro primeiros terminais portuários sob as novas regras do setor, realizada no início de dezembro, terminou com resultados antagônicos: houve disputa nos terminais de celulose e de grãos em Santos, mas não apareceram interessados na área licitada em Vila do Conde (PA).
Apesar das dificuldades, convém ao governo seguir adiante e acelerar os estudos para realizar mais concessões, que podem dar uma importante contribuição contra o agravamento da crise. A segunda etapa do Programa de Investimentos em Logística (PIL 2), lançada pela presidente Dilma Rousseff em junho de 2015, previa R$ 198,4 bilhões em novas obras. Trata-se de um valor expressivo para impulsionar a taxa de formação bruta de capital fixo. Mais relevante do que isso é não perder de vista o pós-crise: são empreendimentos decisivos para dotar a economia brasileira de melhores condições de competitividade no futuro.
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É verdade que os desdobramentos da Operação Lava-Jato complicaram a situação financeira de várias empreiteiras com óbvio interesse nos projetos de infraestrutura. Também são pertinentes os comentários de investidores como a espanhola Aena, maior operadora aeroportuária do mundo, que diz ter interesse no país, mas aponta preocupações com o panorama ruim da economia brasileira e a volatilidade do real nos últimos meses. "O tráfego nos aeroportos está muito relacionado com a variação do PIB", afirmou o presidente da Aena, José Manuel Vargas, em recente entrevista ao Valor. "Estamos no meio de uma crise cambial e de crescimento [no Brasil]. Isso não é uma opinião. É evidente".
Diante de tais constatações, entende-se perfeitamente a hesitação do governo em tocar a agenda de concessões, mas não se pode deixar o marasmo tomar conta do país. Pesos-pesados na gestão de projetos de infraestrutura, como a Odebrecht Transport e a CCR (controlada pela Andrade Gutierrez e pela Camargo Corrêa), têm dito reiteradamente que preservam independência empresarial de seus problemáticos acionistas. Muitos estrangeiros continuam depositando um voto de confiança nas perspectivas de longo prazo. A argentina Corporación América acaba de anunciar um investimento bilionário na ampliação do aeroporto internacional de Brasília e deixou clara sua intenção de entrar na disputa pelas próximas concessões no setor: Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Florianópolis.
É preciso ter em mente que boa parte dos projetos do PIL 2 não é mais tão apetitosa como aqueles licitados em outras épocas. Para viabilizar a concessão dos próximos lotes de rodovias, por exemplo, foi necessário fixar tarifas máximas de pedágio em torno de R$ 15 - quase três vezes o valor obtido nos leilões de 2013. Sem tanto crédito barato do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o governo se viu obrigado a abrir mão de uma das "cláusulas pétreas" das últimas privatizações de estradas: a duplicação total em cinco anos.
Não é vergonha nenhuma calibrar essa carteira de ativos à nova realidade. Ajustes à parte, vale a pena testar o humor do mercado e acelerar as concessões em 2016. A bem sucedida relicitação de 29 usinas hidrelétricas que não haviam renovado seus contratos mostrou como projetos bem estruturados e com taxas de retorno adequadas podem seduzir investidores mesmo em tempos de incerteza macroeconômica. O descontrole fiscal e a ameaça de impeachment não tiram do país suas virtudes: uma classe média com alto potencial de consumo, demanda reprimida, necessidades de logística e de mobilidade evidentes. Se os leilões tiverem menos disputa e algum certame ficar sem propostas, paciência. Em um ranking que mede a qualidade da infraestrutura, elaborado pelo International Institute for Management Development (IMD), o Brasil ocupa a 53ª posição entre 61 nações avaliadas. Não há tempo a perder para sairmos do atraso. Portanto, mãos à obra, literalmente.
Fonte: Valor Econômico