O Ministério Público do Tribunal de Contas da União (TCU) pediu a rejeição da renovação antecipada da concessão ferroviária da Malha Paulista, operada pela Rumo, empresa de logística controlada pelo grupo Cosan.
O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que analisava o caso desde o fim de março, pediu a rejeição da prorrogação do contrato. Ele alega não enxergar vantagens à sociedade brasileira na renovação e diz preferir uma nova licitação da ferrovia após o término do contrato, previsto para dezembro de 2029.
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A renovação por mais 30 anos da concessão, em troca de investimentos de cerca de R$ 7 bilhões, já tinha ganhado o aval da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e da área técnica do TCU, que aprovou a medida mediante algumas alterações no termo aditivo do contrato.
Agora, com o parecer do procurador em mãos, o relator do processo, o ministro Augusto Nardes, irá elaborar seu relatório final - que não necessariamente acatará a opinião do Ministério Público - e encaminhá-lo para o plenário do tribunal.
O relatório foi considerado rigoroso, mas já era esperado pela companhia, segundo apurou o Valor. Pelo perfil de Oliveira, que já havia sido contrário ao leilão do tramo central da Ferrovia Norte-Sul, e pelo prazo de análise, de mais de três meses, o setor já previa objeções ao projeto.
Apesar do revés, a expectativa do governo federal, da companhia e do mercado é que os ministros concordem com a renovação, ainda que com algumas alterações nos termos, afirmam fontes. Após a divulgação do parecer negativo, os papéis da Rumo terminaram o pregão de ontem na B3 em alta de 1,24%.
A prorrogação do contrato da Malha Paulista é considerada estratégica pelo setor e pelo governo porque é o primeiro pedido de renovação antecipada de uma ferrovia a ser analisado pelo TCU. Há outros quatro projetos do gênero já qualificados pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que antecipariam cerca de R$ 30 bilhões de investimentos no setor, segundo o governo.
Uma das críticas feitas pelo procurador é que a ANTT não considerou, em sua análise, a possibilidade de os investimentos previstos na renovação antecipada serem feitos mesmo sem a prorrogação. Ele sugere que isso seja realizado por meio de outra concessão da Rumo, a Malha Norte - que, juntamente com a Malha Paulista, forma um corredor entre Rondonópolis (MT) e o porto de Santos (SP).
Apesar de deixar clara sua oposição à prorrogação, Oliveira incluiu uma série de recomendações de mudanças no aditivo, caso o TCU opte pela renovação.
A expectativa é que o ministro relator do tribunal acate algumas das alterações sugeridas, o que, a princípio, não deverá representar um grande entrave, já que a maior parte delas foi considerada aceitável pelo grupo, segundo fontes de mercado.
Uma delas é a determinação de que, caso a renovação se concretize, a companhia terá que quitar suas dívidas bilionárias com o poder concedente - decorrentes, por exemplo, de multas -, abrindo mão de todos processos judiciais e administrativos. O argumento é que seria incoerente estender um contrato com uma empresa que tem litígios em aberto com a União.
Outro ponto questionado é que os investimentos adicionais propostos pela empresa seriam amortizados antes dos 30 anos de prorrogação, e que portanto haveria um "excesso de prazo" - o que poderia ser corrigido por meio de sua redução ou pelo pagamento de uma outorga adicional ao governo federal.
O procurador questionou a solução que havia sido apresentada para a questão - reservar um valor adicional de investimentos, destinados a futuras obras para mitigar conflitos urbanos nos municípios por onde passa a ferrovia. Ele afirma que esses empreendimentos não são de responsabilidade da União, e sim dos municípios ou da própria concessionária. No entanto, Oliveira já apresenta uma recomendação para o caso de essa saída ser aceita pelo tribunal: as obras deverão estar "previamente projetadas, orçadas e aprovadas, com cronograma físico-financeiro de execução".
Como essa questão já havia sido levantada pela área técnica do TCU, a Rumo vinha trabalhando em um detalhamento dessas obras desde março, o que poderá elevar os investimentos em conflitos urbanos de R$ 1,3 bilhão (como calculado inicialmente) para até R$ 2 bilhões.
Procurada pela reportagem, a Rumo afirmou, em nota, que "vem cumprindo todos os requisitos legais para a renovação" e que os investimentos trarão um aumento de 150% de capacidade de transporte na via, o que "elevará a eficiência de escoamento do agronegócio brasileiro e na movimentação de cargas industriais destinadas, principalmente, ao mercado interno".
Fonte: Valor