Participação dos custos portuários no comércio internacional diminui 0,83%, mas permanece muito alta - O porto de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, passará a contar com fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) também em finais de semana e feriados para ajudar nas vistorias e emissões de certificados fitossanitários de origem para as embarcações que movimentam grãos. A medida é uma demanda da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). Com isso, a entidade quer diminuir a fila de espera das embarcações do porto de Paranaguá (SC) e reduzir o montante gasto em demurrage pelas empresas. O novo esquema de trabalho deve começar em breve, mas ainda não há um prazo certo. As informações são de Sérgio Teixeira Mendes, diretor geral da Anec. A medida é apenas uma maneira de aliviar de forma pontual os elevados custos portuários nacionais.
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A demurrage (ou sobre-estadia) está em segundo lugar no ranking de maiores custos portuários do país, após movimentação e armazenagem, segundo o estudo Evolução do Custo Portuário Brasileiro, divulgado em agosto do ano passado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBTP). De acordo com o documento, somente esse item foi responsável por 18,5% dos custos portuários entre janeiro de 2009 e junho de 2013. “O que mais preocupa hoje as empresas nacionais exportadoras de grãos e cereais é a capacidade operacional dos portos e o tamanho das filas de embarcações que se formam. E o que isso significa em termos de demurrage”, diz Mendes.
Para Bruno Batista, diretor executivo da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), o alto valor da demurrage é o sintoma mais claro da ineficiência dos portos do país.
Segundo o diretor geral da Anec, o valor total aportado em sobre-estadia no ano passado somado ao custo do transporte de carga desde o produtor até o embarque gerou prejuízo em torno de US$ 2,5 bilhões. Ele diz que em 2013, o comum era cada veículo esperar mais de 60 dias para poder conseguir embarcar a produção nacional. “Multiplica isso por US$ 20 mil, que é o preço da estadia diária, e o resultado é um valor enorme. Muitos navios saíram de Paranaguá com prejuízo de cerca de US$ 1 milhão, cada, só em demurrage”, afirma.
Apesar das ressalvas, o coordenador da Câmara de Logística Integrada (CLI) da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Jovelino Pires, vê algumas melhorias no setor. Ele aponta que, segundo o IBTP, o percentual da participação dos custos portuários sobre o somatório das exportações e importações registrou queda de 0,83 ponto percentual, indo de 3,49% em janeiro de 2009 — cerca de US$ 14,16 por tonelada — para 2,66% em junho do ano passado — em torno de US$ 15,67 por tonelada. “Apesar do aumento dos custos por tonelada em valores absolutos, houve queda na participação dos custos portuários em relação a soma das exportações e importações”, diz.
A pesquisa do instituto aponta que os custos portuários no Brasil em dólar cresceram 27,2% de junho de 2009 a dezembro de 2012, para US$ 9,5 bilhões. Só nos seis primeiros meses do ano passado, os gastos gerados pelos portos no país somaram US$ 4,8 bilhões, sendo que mais da metade (54,4% ou US$ 4,8 bilhões) foi gerada pela movimentação e armazenagem de carga. Para muitos que acompanham o setor, o resultado já era esperado, mas há quem veja evolução nos dados levantados pelo instituto.
No ranking do IBTP, despacho aduaneiro se encontra em terceiro lugar, com 17,84%, logo após os itens movimentação, armazenagem e demurrage. Depois estão os custos com rebocagem (2,97%), praticagem (2,48%) e — com participação abaixo de um ponto percentual — agenciamento marítimo, atracação/desatracação, transporte de tripulação, vigias e outros (como taxas, impostos, serviços burocráticos e aluguel de veículos). O levantamento é o segundo do IBTP voltado para o setor portuário. O primeiro foi um estudo sobre o comportamento de fretes marítimos no país.
Ao comparar os dados levantados pelo instituto entre 2009 e 2013, percebe-se que apenas três itens registraram alta em participação percentual no custo portuário total: aluguel de lancha (cujo gasto cresceu 0,02 ponto percentual entre um período e outro, para 0,58%), demurrage (alta de 0,23 ponto percentual, para 18,56%) e despacho aduaneiro (aumento de 0,52 ponto percentual, para 17,84%). Todos os outros itens registraram queda ou ficaram estáveis entre um ano e outro.
O instituto foi criado há 21 anos para discutir questões específicas do planejamento tributário no país. Em 2011, ele ampliou o campo de atuação e criou grupos para atender aos setores de atividades econômicas. “Existe a máxima de que é caro importar e exportar pelos portos brasileiros. Nosso objetivo então era ver melhor quanto cada item representa no custo portuário total do país”, explica Gilberto Luiz do Amaral, coordenador de estudos do IBPT.
Bruno Batista, diretor executivo da CNT, concorda com os números auferidos pela pesquisa do IBTP. “O resultado está condizente com as condições que o Brasil oferece. É uma pena porque perde a oportunidade de se tornar mais competitivo no comércio mundial”, diz. Batista ainda aponta que o governo federal só executou cerca de um terço do orçamento total de R$ 15,3 bilhões previstos para 2013 em infraestrutura de transportes. “Ou seja, ao todo, quase R$ 5 bilhões em melhorias não foram aplicados. Isso mostra uma deficiência grave.”
Dados do Boletim Econômico da CNT de janeiro deste ano apontam que os investimentos da União e das estatais em infraestrutura de transporte aquaviário vêm caindo desde 2009, quando os aportes atingiram o máximo valor de R$ 1,29 bilhão. De 2009 a 2013, os investimentos diretos no segmento caíram 59,8%, para R$ 520 milhões. Ainda assim, esse valor é 88,8% maior que os R$ 275,66 milhões de 2002 — primeiro ano da comparação — e 1.639,8% a mais do que os R$ 29,9 milhões de 2003 — o menor valor registrado na tabela.
Na avaliação de Batista, não houve melhorias significativas nas condições da infraestrutura portuária nacional desde o ano passado. “O país gastou apenas 0,29% em relação ao valor total do Produto Interno Bruto. A perspectiva para o cenário de custos portuários não são boas em curto prazo. Talvez a Lei dos Portos possa melhorar essa situação, mas ela ainda vai levar um certo tempo para mostrar resultado.”
Em 2012, a CNT lançou a Pesquisa CNT de Transporte Marítimo, que apontava algumas das reclamações do setor. A maior parte (56,1%) dos participantes apontou como “muito grave” o excesso de tributação como um dos principais problemas do setor. Também foram considerados “muito graves” o excesso de tarifação e o elevado custo tarifário. De acordo com a CNT, enquanto há dois anos o custo médio de movimentação de um contêiner no Brasil chegava a US$ 200, o valor médio nos principais portos europeus — como Roterdã, Hamburgo e Antuérpia — era de US$ 110. Nos asiáticos esse valor girava em torno de US$ 75. Em 2002, o custo médio de movimentação de um contêiner no país era de US$ 500.
Fabrizio Pierdomenico, consultor da Agencia Porto Consultoria Portuária, destaca também outro ponto positivo levantado pela pesquisa do IBTP: enquanto a tonelagem dos produtos transportados cresceu 22,9% de janeiro de 2009 a dezembro de 2012, o valor do custo portuário em dólar por tonelada registrou alta de 10,6%. Ao mesmo tempo, o número de manobras vem caindo.
“A primeira conclusão que se tira da pesquisa é que apesar do crescimento da movimentação em volume, os custos totais não acompanharam essa alta. Foi um percentual bem menor”, diz. “Isso demonstra algo que intuitivamente já falávamos há anos, que o melhor remédio para diminuir o custo portuário é a escala. Ou seja, uma boa solução é aumentar o número de terminais de cargas que concentram o embarque e o desembarque de determinados tipos de produtos”, assegura Pierdomenico.
O consultor acredita que uma das grandes soluções para os altos custos dos portos brasileiros hoje é perseguir a escala no embarque e desembarque e a especialização no transporte de determinados tipos de produtos. “Os terminais, ainda mais aqueles arrendados para uso privado, precisam focar cada vez mais em escala”, avalia. Pierdomenico diz que, com a nova Lei dos Portos, esse movimento de aumento na escala de embarque pelos terminais portuários tende a ficar cada vez mais forte.
O diretor geral da Anec lembra que outras medidas que estão sendo adotadas também dão mais competitividade ao setor e diminuem os custos. Em outubro do ano passado, por exemplo, a Administração dos Portos de Paranaguá (Appa) emitiu a ordem de serviço n° 126/2013, que destina, a partir de janeiro, um dos berços de atracação do porto de Paranaguá como preferencial na atracação para navios que forem embarcar cargas de até três terminais diferentes, com mínimo de embarque de 18 mil toneladas em cada um deles, o que otimizaria a operação do Corredor de Exportação local.
Além da adoção da ‘fila preferencial’, a Appa também mexeu na formatação do line up (programação) dos navios, que agora deverão ter o plano de cargas validado pelo operador. Dessa forma, a Appa precisa estar informada do volume da carga total a ser embarcada e de quais terminais ela virá. Antes, muitos navios que entravam na fila do Corredor de Exportação não possuíam carga consolidada.
Mesmo com essas medidas adotadas por Paranaguá, Sérgio Teixeira Mendes, da Anec, foi à Brasília conversar com representantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento pedir para que os fiscais do ministério trabalhem no final de semana no porto de São Francisco do Sul. “É um reforço para aliviar a situação de Paranaguá. Será feita uma programação para que os fiscais possam operar mesmo durante o carnaval e nos feriados. Isso melhoraria a nossa vida em curtíssimo prazo”, diz.
O diretor geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CeCafé), Guilherme Braga, não vê com muito otimismo a situação dos custos do porto de Santos (SP) que é responsável quase por 80% dos embarques do grão no país. “Qualquer aumento na safra de café esbarra no fato de Santos operar em quase plena capacidade operacional. Isso afeta os nossos custos à medida que a nossa carga não consegue ser carregada na embarcação prevista. Isso gera prejuízos ainda maiores em armazenagem”, relata.
Esses gargalos operacionais, diz Braga, levam em boa parte das vezes ao aumento dos aportes em THC (Terminal Handling Charge, a taxa cobrada pelo serviço de movimentação de cargas entre o portão do terminal portuário e o costado da embarcação). “Se o caminhão fica de três a quatro dias sem poder movimentar a carga, o valor da THC, que é de R$ 700 em Santos, vai para R$ 840 e até mesmo R$ 1 mil”, reclama.
Por conta das filas de caminhões em Santos, o setor nacional exportador de carnes também amarga alguns prejuízos, além das tarifas de atracação e aquelas pagas a terminais portuários. Segundo Fernando Sampaio, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), com os gargalos no embarque as empresas da companhia têm que gastar mais com armazenagem. “Cada contêiner refrigerado precisa de R$ 120 por dia para permanecer funcionando”, assinala. Para facilitar o desembaraço e diminuir esses custos, algumas associadas da Abiec, como a JBS, estão utilizando a tecnologia do lacre eletrônico, que reduz o tempo gasto com trâmites burocráticos na liberação da carga.
“Com o lacre, dá para economizar pelo menos 57 horas entre o tempo de chegada dos contêineres no porto e a liberação dos mesmos para embarque. A nossa estimativa é economizar R$ 18,6 milhões por ano com energia e despachos aduaneiros”, afirma. Como o setor não consegue atuar mais fortemente na melhoria da eficiência dos portos, decidiu melhorar a eficácia no ambiente interno.
Talvez por ser a primeira pesquisa feita pela IBTP sobre o setor, o relatório final foi alvo de algumas críticas de Jovelino Pires. “Ao longo do estudo são mencionados custos portuários que são decorrentes da burocracia criada pelos órgãos do governo. Estes itens deveriam ser melhor organizados, pois dizem respeito tanto ao longo curso como à cabotagem, nota-se assimetria com os outros modais, terrestre, em especial”, destaca.
Ele critica também o fato de que o estudo trata de custos portuários em geral sem separar o que é afeto à cabotagem e ao longo curso, “ainda que haja as mesmas dificuldades”. “A divisão dos custos portuários em porcentagens é sempre motivo de discussões, como, por exemplo, o custo da praticagem já que quem paga este serviço é a empresa de navegação”, assinala Pires.
Por outro lado, o coordenador do IBTP diz que na época que foi lançado, não houve praticamente nenhuma contestação ao estudo. “Só uma empresa entrou em contato conosco, e foi para pedir um esclarecimento de informação. Queremos que esses relatórios tenham aplicação no mercado, sejam fonte de referência”, diz.
Amaral reclama que o setor portuário é o mais fechado dentre todos aqueles que o IBTP pesquisa. Bruno Batista tem a mesma opinião. “Talvez pela dificuldade que muitos enfrentam com a burocracia do país, muitas companhias entendem que qualquer informação que elas divulguem pode ser entendida como algo que pode abalar a própria competitividade no mercado”, relata.
O levantamento do IBTP não diferencia custos entre navegação marítima e hidroviária. Mas em novembro do ano passado a CNT divulgou um panorama do sistema hidroviário nacional: a Pesquisa CNT da Navegação Interior. O levantamento revela que, para a maioria dos armadores entrevistados (87,2%), o combustível é um dos itens de maior peso no custo total para as empresas que atuam no segmento. Para os armadores, o custo total do transporte hidroviário abrange gastos com combustível, peças e acessórios, óleo lubrificante, manutenção de equipamentos, terminais e atracagens, salário de funcionários, tributos, dentre outros itens.
De acordo com a CNT, a incidência de tributos em combustíveis é um dos grandes responsáveis pela má avaliação do item na pesquisa. A confederação informa que, enquanto a navegação marítima de longo curso é isenta de PIS/Cofins e ICMS, a incidência desses impostos sobre os combustíveis da navegação interior resulta em um preço final 37% superior.
Outros itens considerados representativos na planilha de custos da navegação interior foram os gastos com tripulação (citados por 53,2% dos entrevistados), com tributos (por 44,7%) e com mão de obra avulsa (por 31,9%) e serviços gerais (12,8%). Cada entrevistado pôde mencionar até três itens com maior relevância nos custos totais.
Entre os armadores que utilizam os serviços de rebocadores/empurradores de terceiros no transporte hidroviário, 55,3% avaliaram que os custos envolvidos com a atividade são elevados e 33,3%, que são moderados. Os demais 11,1% não souberam ou não responderam. Nenhum entrevistado avaliou os custos como baixos.