A onda de calor no Hemisfério Norte e greves em terminais de diferentes países devem agravar o congestionamento visto em portos no mundo todo, piorando as já desafiadoras condições para o comércio global de celulose.
Sobretudo na Europa, a seca severa tem levado fábricas a suspender ou reduzir operações por causa das dificuldades de captação de água e de recebimento e escoamento de produtos. Na China, o racionamento de energia pode atingir as fábricas de papel.
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Os estoques globais de 30 dias estão bem abaixo dos níveis históricos e daqueles considerados adequados pela indústria
Entre os produtores brasileiros, a avaliação é que os atrasos nas entregas não devem ser corrigidos dentro deste ano e os mais recentes problemas de oferta e transporte da matéria-prima podem sustentar preços recorde por mais tempo do que se esperava - o risco de baixa vem das papeleiras, que podem reduzir produção, e portanto o consumo de matéria-prima, diante do cenário complexo de custos e demanda.
Em análise desta semana, a Brian McClay & Associates (TTO BMA), renomada empresa de inteligência de mercado em celulose, alertou que as condições climáticas adversas no Hemisfério Norte vão afetar oferta e demanda. Enquanto a unidade da espanhola Ence, em Pontevedra, teve de parar produção por causa do baixo nível do rio Lérez, outras fábricas na Península Ibérica e na França foram forçadas a reduzir a taxa de operação.
Já a seca no Rio Reno, importante via de escoamento de celulose e papel, e de muitos outros produtos, dentro do mercado europeu, reduziu a operação com barcaças. “Com custos com energia, químicos e logística em ascensão e a inflação afetando a demanda, fábricas de papel na Europa podem anunciar paradas de produção nos próximos meses”, aponta a consultoria.
Ainda sobre logística, indicou o Bank of America (BofA) em relatório da semana passada, os ciclos de fornecimento da celulose estariam em média 10 dias mais longos por causa dos gargalos logísticos e dos lockdowns na China, maior mercado mundial para a matéria-prima. Isso implicaria em estoques globais de 30 dias, bem abaixo dos níveis históricos e daqueles considerados adequados pela indústria, estimados em 40 dias a 42 dias.
Ontem, a Fastmarkets RISI informou que os trabalhadores de mais um porto europeu, agora o de Felixstowe, entraram em greve. O terminal é o maior para contêineres no Reino Unido. Paralisações já haviam sido registradas em outros terminais europeus, dos Estados Unidos e da Ásia.
“A cadeia logística internacional segue muito estressada”, diz o diretor de florestal, logística e suprimentos da Suzano, Carlos Aníbal de Almeida. Como suas pares, a maior produtora mundial de celulose de mercado tem experimentado ciclos mais longos do que o normal até o cliente. Mas, conforme o executivo, seu nível de serviço acaba menos comprometido uma vez que opera a partir de três portos no Brasil e conta com frota de dez navios dedicados.
“Espera-se que as condições melhorem no ano que vem. Uma recessão econômica pode contribuir para a redução do congestionamento, mas ainda há muitas incertezas”, avalia Aníbal.
Na Klabin, que além de celulose exporta volume significativo de papel, a expectativa é começar a perceber melhoria tanto no nível de serviço quanto de custo de frete ao longo do ano que vem. “Há alguns sinais de melhora, mas isso depende muito da rota. Não é generalizado”, conta o diretor de planejamento operacional, logística, suprimentos e TI da companhia, Roberto Bisogni.
De acordo com o executivo, armadores têm indicado que haverá entrada de capacidade de navios no ano que vem. Além disso, a redução das restrições na China para conter a covid-19 contribui de maneira importante para condições mais favoráveis de logística. E, hoje, para determinadas rotas, o nível de recusa de reservas em navios (booking) é menor.
Dentro de casa, conta, a Klabin explorou o mix diversificado de produtos e geografias para mitigar em parte o problema logístico e buscou novas alternativas, como embarcar papel também em navios de carga solta (“break bulk”) ao invés de usar contêineres. No auge da crise, foi mais afetada pela escassez de contêineres para embarque de sacos industriais para clientes nas Américas.
Há cerca de duas semanas, o diretor comercial e de logística da Eldorado Brasil, Rodrigo Libaber, disse que não é possível saber se o pior ficou para trás. Em sua avaliação, não há perspectiva de normalização neste ano ou no início do próximo. “Hoje não vemos sinal de reversão. Pode ter uma acomodação, mas segue havendo atrasos de navio e contêiner”, disse, na conferência latino-americana da Fastmarkets RISI.
Libaber lembrou que os ciclos logísticos na indústria de celulose são muito longos e, também por isso, as soluções levarão tempo a surtir efeito. “Também não acredito que vamos ter a logística que tínhamos antes. Dificilmente haverá reversão neste ano e as coisas vão acontecer de forma gradativa até que se chegue ao equilíbrio novamente”, acrescentou.
No mercado europeu, os preços da celulose de fibra curta mais que dobraram desde o primeiro semestre do ano passado, para US$ 1.380 por tonelada na semana passada. Na China, o preço líquido desse tipo de celulose chegou a US$ 865,75 por tonelada, de cerca de US$ 460 no fim de 2020.
Fonte: Valor