Dezenas de cargueiros recém construídos esperam que seus donos os resgatem; situação pode piorar a já combalida finança dos bancos europeus.
Os arranha-céus e praias imaculadas do porto de Singapura observam um dos maiores estacionamentos do mundo: quilômetros de navios cargueiros vazios, até onde a vista alcança. Frotas parecidas balançam ancoradas, com porões de carga vazios, ao largo da costa do sudeste da Malásia e Hong Kong. E dezenas de cargueiros recém-construídos flutuam vazios perto de estaleiros da Coreia do Sul e da China, com proprietários do mundo inteiro relutantes em aceitar a entrega em meio a um dos piores mercados de todos os tempos para a indústria mundial da navegação.
Até semanas atrás, grandes cargueiros que podem carregar commodities a granel como minério de ferro ou cereais aceitavam taxas de fretamento de US$ 15 mil por dia. Agora, segundo corretores e proprietários, a taxa em vigor é de US$ 6 mil - se os clientes puderem ser achados.
Embora a culpa possa ser parcialmente atribuída à calmaria da economia global, o principal fator é a saturação de novos cargueiros. O excesso de oferta está pressionando financeiramente os armadores que os compraram e os bancos europeus, que já estão sofrendo e financiaram várias das aquisições.
As principais empresas da indústria da navegação têm pouca esperança de recuperação rápida.
"Se o túnel for 2012, não consigo ver luz nenhuma em seu final", diz Tim Huxley, presidente executivo da Wah Kwong Maritime Transport Holdings, companhia de navegação com sede em Hong Kong, com 29 navios-tanques e graneleiros.
Na época da explosão global das commodities, que continuou até os primeiros meses de 2008, os armadores mundiais mal davam conta de encomendar cargueiros. Contudo, devido aos longos prazos de entrega na construção de navios, tais embarcações começam agora a ser entregues às centenas - num cenário econômico internacional muito diferente, muito menos robusto do que quando foram encomendados.
Para a indústria naval, a saturação significa taxas de fretamento mais baixas e declínio abrupto do valor dos navios. Entretanto, os maiores perdedores podem vir a ser alguns dos maiores bancos europeus, muitos dos quais enfrentam grandes perdas em função dos investimentos em títulos governamentais da Grécia, Itália e outras nações europeias fortemente endividadas.
Basil Karatzas, presidente executivo da Karatzas Marine Advisors, corretora marítima e empresa de consultoria financeira de Manhattan, estima que os bancos europeus detenham cerca de US$ 500 bilhões em empréstimos para o setor e têm pela frente quase US$ 100 bilhões em perdas para reestruturá-los.
Segundo Karatzas, "a maior preocupação dos bancos é como amortizar, e como tratar isso do ponto de vista contábil. Eles não sabem como lidar com essas perdas".
Há muito tempo, os bancos da Europa são os líderes mundiais em financiamento de navios porque alguns dos maiores proprietários de frotas têm sede lá. Contudo, muitos pararam abruptamente de emprestar dinheiro a armadores. Alguns, enquanto lutam para reunir capital e atender solicitações de reserva mais severas exigidas pelos órgãos reguladores do setor bancário europeu, chegaram a tentar levantar dinheiro pedindo a armadores que pagassem empréstimos com antecedência em troca de desconto.
Existe um mercado secundário restrito de empréstimos para navios, a não ser com grandes descontos que os bancos aceitam com relutância, segundo especialistas em financiamento do segmento. De acordo com eles, mesmo no caso de empréstimos em que a embarcação ainda vale mais do que a hipoteca, o desconto exigido chega a 20%.
Commerzbank, da Alemanha, e Lloyds Banking Group, da Grã-Bretanha, estão entre as instituições que anunciaram publicamente a redução da exposição a empréstimos marítimos.
O Société Générale, da França, também está procurando formas de reduzir seus investimentos em empréstimos marítimos e de se concentrar em prestar consultoria financeira para a indústria naval, segundo duas pessoas inteiradas das intenções do banco.
Enquanto isso, os nervosos armadores monitoram um indicador que é referência da indústria, o Baltic Dry Index, de taxas de fretamento de graneleiros, que perdeu mais metade do valor desde o começo do ano. O índice está no valor mínimo desde janeiro de 2009, durante o ponto mais fundo da retração econômica após a falência do Lehman Brothers.
À medida que o valor do fretamento despenca, o mesmo acontece com as embarcações em si. Um navio-tanque enorme, vendido por US$ 137 milhões no começo de 2008, o Samho Dream, foi retomado pelos banqueiros no final do ano passado e vendido recentemente em Hong Kong por US$ 28,3 milhões.
A tonelagem mundial dos grandes cargueiros está crescendo mais de 10%, com 1.650 cargueiros grandes de transporte graneleiro devendo deixar os estaleiros somente neste ano. Enquanto a tonelagem transportada pelo comércio mundial sobe anualmente apenas de 2% a 3%, a oferta excessiva só pode se tornar mais opressiva para a indústria naval.
O que torna a abundância especialmente aguda agora é o fato de que os estaleiros entregaram um grande número de embarcações para os proprietários desde o começo do ano. Da mesma forma que compradores de carros querem adquirir um automóvel no começo do ano - porque vai manter por mais tempo o valor de revenda - os armadores costumam receber o maior número possível de embarcações em janeiro, além de ter um ano civil de uso completo antes de a embarcação completar o primeiro aniversário, diz Natasha Boyden, analista da Cantor Fitzgerald, de Nova York.
Os compradores que se sentirem tentados a recusar a entrega da embarcação podem perder o adiantamento, que geralmente chega a 40% do preço de contrato do navio. No entanto, está ficando mais complicado tomar emprestado dinheiro de bancos em dificuldade para pagar os 60% remanescentes - principalmente com os valores de revenda muito mais baixos do que os preços pelos quais os contratos foram assinados há quatro ou cinco anos.
O valor do frete está perto do custo de operação de muitos graneleiros, não deixando quase nada para pagar a hipoteca, assim mais embarcações antigas podem ser descartadas nos próximos anos, o que reduziria o excesso de oferta.
Em âmbito mundial, os empréstimos para navios totalizaram quase US$ 100 bilhões ano passado, um pouco menos que nos anos anteriores, segundo estimativas da indústria. Porém, quase três quartos dos empréstimos de 2011 serviram para refinanciar ou reestruturar empréstimos antigos que os tomadores sofriam para quitar, afirmaram executivos de finanças marítimas.
Harley Seyedin, presidente da Câmara Americana de Comércio no Sul da China, disse que muitos projetos foram reduzidos ao mínimo, numa tentativa dos construtores de convencer os banqueiros a continuar financiando projetos em andamento.
Além disso, a abundância crescente de embarcações, combinada a fatores sazonais, poderia distorcer a confiabilidade do transporte marinho como indicador econômico global. O mau tempo na Austrália e Brasil, os dois países onde os graneleiros têm maior probabilidade de carregar minério de ferro e outras cargas, deixou empresas desconfiadas quanto a fretar embarcações e arriscar esperar dias para os portos reabrirem após tempestades.
Para confundir ainda mais o cenário, o custo para enviar um contêiner da China para os Estados Unidos ou Europa saltou nas duas primeiras semanas do ano, enquanto as fábricas corriam para atender pedidos antes de fechar por até um mês para a comemoração do Ano-Novo chinês. Porém, esse pode ser um critério enganoso porque a taxa de contêiner sobe todo ano para as últimas viagens antes do Ano-Novo chinês.
Ainda que o comércio mundial não seja reduzido nos próximos meses, a indústria naval tem um longo caminho a percorrer antes que a demanda por carga alcance a capacidade. Enquanto isso, centenas de graneleiros, navios-porta-contêineres, navios-tanque e frigoríficos balançam vazios nas ondas daqui, com os cascos exibindo faixas largas de tinta que estariam submersas caso eles estivessem completamente carregados.
Fonte: Economia - iG
PUBLICIDADE