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Tem, mas está em falta

Pós-venda ineficiente é pedra no sapato de terminais que investem em vultosos equipamentos de movimentação de cargas

Para ser bem-sucedida, uma boa gestão de vendas não se limita apenas à negociação e entrega de um produto ou serviço, mas engloba também o processo de treinamento, acompanhamento e assistência ao cliente no uso dos bens adquiridos, o chamado pós-venda.

Mas questões mercadológicas podem dificultar a transformação da teoria em prática. Esse cenário de dificuldades, muitas vezes, é o encontrado por terminais portuários instalados no Brasil e por seus fornecedores de equipamentos de grande porte e serviços, que quase sempre são estrangeiros, operam em território nacional através de representantes comerciais e não possuem uma unidade física.


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— Quando pensamos no processo de venda, tem que ter um planejamento envolvido. Se o fornecedor planeja vir para o Brasil ou então se só quer atender a um cliente daqui, o correto seria preparar uma estrutura, como sede, escritórios ou qualquer unidade para ter um pós-venda de qualidade e lugares de produção para peças de rápida necessidade ou de reposição. Se não for montar uma fábrica aqui, que pelo menos forme parcerias com fabricantes locais —, diz o professor de gestão de operações e gestão de logística da pós-graduação da ESPM-RJ, Ricardo Scaroni.

O professor da escola politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em engenharia costeira e portuária, Gilberto Fialho, lembra que os equipamentos de uso portuário como guindastes, portêineres e transtêineres, são, de maneira geral, formados por peças que nem sempre possuem a mesma durabilidade. Segundo ele, a forma e a frequência do uso destes bens tornam algumas peças mais vulneráveis a apresentar defeitos ou quebrar do que outras. Itens iguais usados em condições diferentes vão apresentar defeitos diferentes. “Os equipamentos portuários para movimentação de carga são caros e levam um bom tempo para serem completamente amortizados. A vida útil deles é longa e por isso não costumam ser trocados depois de apenas cinco anos, como pode ocorrer com empilhadeiras pequenas”, exemplifica.

O acadêmico lembra que quem faz a condução do negócio entre o fabricante e o cliente na maioria dos casos no Brasil é uma empresa representante, que às vezes é não é de grande porte e não tem como estocar um bom volume de peças sobressalentes.

Scaroni explica que um dos equipamentos à venda pode, por exemplo, ser composto por peças de fabricação exclusiva, mas nada impede que o fabricante forme uma parceria com uma empresa brasileira para que consiga atender ao cliente diretamente no país, sem perder o know-how. “O parceiro pode fabricar apenas uma das peças que formem um componente maior. Se o fabricante não conseguir envolver representantes comerciais ou parceiros com unidades locais de produção, ele aumenta a chance de falha no processo de pós-venda”, afirma.

Alguns fabricantes nacionais conseguem produzir um substituto para itens que tenham apresentado algum defeito, mas essa não é a regra. “Existem peças que são mais complexas e não podem ser produzidas sem ajuda do fornecedor”, diz Scaroni.

O diretor geral da Triunfo Logística, Rogério Caffaro, diz que se a companhia dependesse da qualidade do serviço de pós-venda das fornecedoras de equipamentos estrangeiros não compraria de ninguém. “Elas são altamente competitivas nos quesitos preço e qualidade para maquinários de grande porte. Mas o prazo de entrega de peças sobressalentes é muito ruim. Hoje temos que nos adaptar ao prazo de entrega do fornecedor”, frisa.

Segundo Caffaro, os terminais portuários brasileiros se encontram nesse cenário por conta das condições atuais de mercado do Brasil, que é considerado pequeno em comparação com outros países. “Por isso ainda não é vantajoso para multinacionais construir um estoque de peças sobressalentes. É um custo muito alto para clientes não tão numerosos”, avalia o executivo, cuja empresa comprou há dois anos alguns equipamentos de uma companhia chinesa através de um representante comercial.

“A reposição de peças dessa multinacional chinesa é péssima. Quando os problemas são mecânicos, conseguimos desenvolver algumas adaptações próprias, mas quando é a parte eletrônica do produto que apresenta defeito, ficamos à mercê do fornecedor principal”, afirma.

Caffaro conta inclusive que a Triunfo foi contratada recentemente para um trabalho de movimentação de carga que só precisaria de um equipamento em operação, mas, por segurança, vai levar uma segunda máquina. “A logística de transportar e colocar dois maquinários desse porte operando é enorme”, diz.

Arthur Gomes da Cruz, comprador da Sepetiba Tecon, terminal integrante do grupo Companhia Siderúrgica Nacional, informa que a empresa também andou enfrentando problemas com o pós-venda de produtos comprados da China. “A companhia adquiriu dois portêineres e dois transtêineres da ZPMC em 2010. Desde então, a Tecnimport, representante comercial que nos vendeu o equipamento, não forneceu um parafuso sequer para os equipamentos e nem indicou qualquer outra empresa que pudesse nos fornecer os sobressalentes”, diz. “Conseguimos os sobressalentes com a empresa brasileira Rimac, que se disponibilizou a fornecer as peças. Mas, apesar da boa vontade, a Rimac esbarra na burocracia do fabricante ZPMC, que demora a responder a cotação de pedidos e enviar as peças”, afirma. Segundo ele, hoje o prazo entre a resposta e a entrega de material gira em torno de 60 a 90 dias.

— Ou a gente compra direto do fabricante original ou consegue outro fornecedor mais acessível e fica só nele, que pratica o preço que acha justo. Parece que as empresas só querem vender o maquinário, que tem maior valor agregado, e não têm estrutura ou interesse em vender peça sobressalente —, avalia Arthur.

Segundo o comprador da Sepetiba Tecon, o processo de pós-venda com algumas multinacionais às vezes se parece com um verdadeiro telefone sem fio, o que atrasa o conserto do equipamento defeituoso e, consequentemente, a movimentação de carga nos terminais portuários, acarretando um prejuízo enorme. “A nossa equipe técnica nos envia uma solicitação de compra de peças, que enviamos ao representante comercial ou fornecedor, que por sua vez, encaminha ao fabricante, que está em outro país. Acontece às vezes de a fábrica pedir mais detalhes sobre a nossa solicitação, que faz todo o caminho inverso até a nossa equipe técnica. Isso tudo consome muito tempo”, reclama.

Arthur acredita que o fabricante espera acumular diversos pedidos de sobressalentes de diferentes empresas para então despachar todas as peças juntas, com o objetivo de economizar na frente. Para o equipamento não ficar parado enquanto não consegue uma resposta, Arthur Cruz diz que a Sepetiba Tecon adota medidas paliativas, como fabricar peças próprias até que as originais cheguem. “Mas às vezes não tem jeito e o maquinário tem que ficar de lado”, resigna-se o funcionário. Procurada, a Tecnimport não retornou o contato da Portos e Navios.

Tanto a Sepetiba Tecon, como a Triunfo e diversos outros terminais portuários brasileiros têm como prática “canibalizar” as peças de um item já velho ou que não tenha uma utilidade tão evidente. As empresas também costumam se ajudar com peças sobressalentes que não estão sendo usadas no momento.

A brasileira Rimac tem 19 anos de mercado e comercializa equipamentos pesados para operação em portos, indústrias siderúrgicas, estaleiros e transportadoras de cargas especiais. Representante comercial de companhias portuárias europeias, como a Bromma, Smag, Terbergm, dentre outras, a empresa possui sede em São Paulo (SP). Com o objetivo de ficar perto dos clientes, ela tem uma filial em Santos (SP) e três bases de serviço: uma em Curitiba (para atender ao porto de Paranaguá), outra em Itajaí (que atende aos terminais de Santa Catarina) e em Recife (para ficar mais perto dos portos do Norte e Nordeste).

— As nossas bases de serviços começaram a ser criadas no ano passado. É interessante ficarmos perto dos clientes porque agiliza o atendimento. Como a sede é em São Paulo, o tempo e o custo de locomoção atrapalhava um pouco na hora de atender a certos consumidores —, diz o diretor operacional-comercial da Rimac, Marcelo Vieira. Segundo o executivo, esse processo de descentralização do atendimento pela empresa acompanha um movimento natural do mercado portuário brasileiro, que nos últimos anos está investindo cada vez mais nos portos do Norte e Nordeste.

“Há uns cinco anos, essas duas regiões correspondiam apenas a 10% da nossa demanda. Hoje esse percentual chega a 30% e até mesmo 40%. São locais com carência de atendimento para o setor e que cada vez mais vão precisar assistência para operação portuária”, assinala Vieira. A aprovação pelo Congresso Nacional da Medida Provisória 595, a MP dos Portos — que permite portos privados movimentarem cargas de terceiros — tende a reforçar esse movimento. “Nos adaptamos ao que o cliente precisa”.

Segundo Viera, todo equipamento vendido é montado, testado e usado pelos clientes no treinamento de seus funcionários. Durante o período da garantia, a representante faz o acompanhamento do uso que o consumidor faz do maquinário, com manutenções, inspeções e treinamento. “Tentamos manter aberto o canal entre clientes e fornecedores. O fabricante também se beneficia com uma boa comunicação pois só pode fazer melhorias nos produtos com base no feedback dos clientes”, diz.

Findo esse tempo contratual, o cliente pode ficar por conta própria no manuseio da peça ou contratar a pós-garantia, que pode abranger uma manutenção preventiva, corretiva e/ou com acompanhamento periódico a ser e definido. “Não existe uma fórmula de como o mercado funciona. Vendemos para a área siderúrgica, construção naval e terminais portuários. Cada um tem uma necessidade por assistência técnica, mas todos têm a mesma necessidade de manter o equipamento funcionando ou corre risco de ter prejuízo”, diz, lembrando que os portos brasileiros em geral vêm enfrentando uma carência enorme por funcionários de manutenção.

Algumas companhias do país conhecem bem a dificuldade de trabalhar produtos voltados para o transporte de carga portuária. A Cabezza Indústria de Máquinas é um negócio nacional que foi criado para desenvolver equipamentos de movimentação de carga em geral. Há sete anos ela fabrica pórticos de movimentação logística, que atende setores como o siderúrgico. Há três anos, voltou-se à área portuária e desenvolveu um protótipo de RTG que está sendo usado em fase de testes por um terminal cujo nome não foi divulgado.

— É um mercado dominado por importados, mas que vale a pena investir. Queremos atender os terminais e as retroáreas, mas para isso é preciso investimento de pesado e não temos condições de fazer isso agora”, diz Marcos Cabezza, diretor-geral da companhia. Ele conta que a empresa já tentou linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), mas esbarrou na burocracia.

Mesmo com o know-how adquirido na fabricação de equipamentos de movimentação de carga em geral e o protótipo que construiu, a Cabezza não consegue fornecer peças sobressalentes para terminais portuários que possuem equipamentos importados. “Os projetos dos produtos comprados no exterior são muito específicos e não temos acesso a eles. Algumas peças que fabricamos são similares mas não são iguais. Agora, não temos problemas para atender às solicitações dos nossos clientes ou dos nossos parceiros comerciais”, assegura. O diretor-geral diz que a companhia trabalha com um pequeno estoque de peças para atender a alguma eventualidade. “O cliente não quer uma resposta imediata, quer uma resposta rápida. Quer saber que vai ser atendido em um prazo determinado e que esse prazo vai ser cumprido”, frisa.

Fundada em 1949 na Suíça, a Liebherr aportou no Brasil em 1974 já com um departamento de pós-venda estruturado para atender aos clientes. A companhia trabalha com RTGs, RMGs, guindastes para estaleiros, dentre outros produtos voltados para área portuárias e outros setores. A divisão de equipamentos marítimos e portuários tem uma área de pós-vendas especializada sediada na fábrica da empresa em Guaratinguetá (SP) e postos avançados de assistência técnica para agilizar o atendimento ao cliente.

Na fábrica em Guaratinguetá, a Liebherr possui uma área de engenharia de serviços para serviços de reparo e manutenção de componentes e equipamentos, com estoque de peças e um Centro de Treinamento com um simulador de guindaste para técnicos, colaboradores e clientes. Mesmo com toda essa infraestrutura disponível, Marcos Leone, gerente de pós-vendas de Guindastes Portuários e Navais da multinacional lembra que é essencial que o cliente mantenha um canal de comunicação aberto com o fornecedor e que faça sempre as manutenções programadas nos equipamentos adquiridos.

A opinião de Leone é semelhante a de Paulo Roberto Bertinetti, diretor do Tecon Rio Grande, localizado no Rio Grande do Sul. “O cliente tem que fazer um trabalho muito grande e ajudar o fabricante a não cometer erros com a documentação necessária para vender para o Brasil. Temos que saber comprar, fazer o pedido, saber o que de fato precisa, como a peça será usada e qual o prazo que ela vai chegar”, explica.

Como alguns terminais fazem acordos de troca de peças sobressalentes, o executivo lembra que é comum também haver intercâmbio de informação entre as equipes de manutenção dos terminais portuários. “O Brasil é muito grande e às vezes o uso de um equipamento varia bastante de um lugar para o outro. A gente tem que adequar a manutenção para o produto que temos em casa, mas manter contato com outras empresas ainda é essencial”, diz. É o chamado benchmarketing, ou como Ricardo Scaroni explica, é a busca pelas melhoras práticas do mercado.

“Por muito tempo o setor portuário nacional não investiu em equipamentos ou mão de obra porque não achava necessário, as condições do mercado eram outras. Hoje o cenário mudou e a exigência por qualidade tem crescido, o que gera pressão sobre o setor de compras e por contratos de aquisição mais detalhados, com mais garantias”, diz. “É essencial que hoje as equipes de compras dos terminais portuários do Brasil troquem informações e se capacitem para conseguirem fazer frente a um mercado cada vez mais competitivo”, finaliza o professor.  n






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