Desde os tempos de Francisco de Orellana, que em 1542 se tornou o primeiro europeu a navegar pelo Rio Amazonas, que nossa região é vista pelos estrangeiros com assombro e um grande potencial de geração de riquezas. No século XVI, eles buscavam ouro – hoje, as riquezas amazônicas se traduzem na biodiversidade e no papel essencial da região na descarbonização do planeta.
Neste ano, é inegável que a Amazônia será um dos assuntos mais falados em todo o mundo – e olha que a concorrência é grande! A realização da COP30 em Belém, no mês de novembro, fará com que as atenções do planeta estejam sobre a nossa região. Essa é uma oportunidade para destravarmos muitas questões que têm avançado muito lentamente nos últimos anos.
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Participei recentemente de um evento com representantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A instituição fechou um acordo em dezembro com o BNDES para criar um programa de financiamento para empresas na Amazônia, em um total de R$ 5,4 bilhões. O Pró-Amazônia busca fortalecer atividades produtivas sustentáveis que geram empregos e aumento de renda.
Esse programa é parte de um esforço mundial do BID, que quer ampliar seu financiamento climático e ambiental anual na América Latina para US$ 11,3 bilhões até 2030, sendo 50% em financiamentos de iniciativas de descarbonização ou baixo carbono. E a navegação fluvial é vista como um dos fatores essenciais para fazer a economia amazônica avançar.
Mais uma vez, quem olha de fora parece ter uma visão melhor que os que estão aqui perto. O transporte de pessoas e cargas na região amazônica é muito mais eficiente, produtivo e sustentável quando é feito pelas hidrovias – e o BID tem demonstrado disposição em contribuir para a melhoria da infraestrutura fluvial.
Com esse tipo de iniciativa, é possível avançar em diversas frentes – e certamente veremos inovações que hoje geram dúvidas ou são consideradas por muitos como inviáveis. É o caso de um projeto de um barco elétrico desenvolvido pela Universidade Federal do Pará: o uso de placas solares gera energia que movimenta a embarcação, diminuindo fortemente sua pegada de carbono.
Outro exemplo é o uso de biocombustíveis e o desenvolvimento de embarcações híbridas, que usam a energia acumulada de fonte solar em parte do tempo (no restante, usam-se combustíveis tradicionais ou biocombustíveis). Da parte do BID, existe a disposição de conectar experiências de todo o mundo para estimular o desenvolvimento de tecnologias que reduzam a poluição e a pegada de carbono das embarcações.
Além disso, percebi que já existe o entendimento de que é preciso aliar proteção ambiental e desenvolvimento econômico. O discurso de preservar a Amazônia intocada foi substituído pelo manejo responsável dos ecossistemas. Afinal de contas, é preciso trabalhar na evolução da condição de vida da população amazônida. Não podemos e não devemos ficar presos no passado.
Para isso, é preciso melhorar a infraestrutura da região. Nesse sentido, a infraestrutura portuária é um grande ponto de atenção. Outro ponto importante, cujos efeitos vivenciamos no dia a dia, é a questão da segurança dos rios, especialmente pela invasão do narcotráfico na região. Temos que atuar diariamente para conscientizar as autoridades sobre os riscos que essa falta de segurança traz para nós, para a sociedade e para a economia – e a luz que um banco de desenvolvimento joga sobre essa questão é muito importante para quem quer gerar empregos legais e contribuir para a sociedade.
Vejo com bons olhos as iniciativas de fomento ao desenvolvimento da Amazônia, principalmente porque preenchem uma lacuna que o Estado brasileiro e as instituições financeiras privadas não têm ocupado. Muitas questões envolvem nossa região, como a segurança, o desenvolvimento ambiental e o financiamento da infraestrutura.
Financiar embarcações, em particular, envolve um preconceito enorme quanto às garantias. As instituições financeiras, no ar-condicionado em seus escritórios no Sudeste, não conseguem conhecer o que fazemos. Aliado a isso, temos o fato de que boa parte da construção naval ainda é artesanal: desde que o índio escavou um tronco de árvore para fazer uma canoa, é possível construir um barco simples – ao contrário do que acontece com um avião, trem ou carro.
Existem soluções. Mas para enxergá-las, é preciso conhecer de perto o ambiente de negócios da Amazônia. É o que o BID veio fazer, e que, neste ano de COP30, cada vez mais empresas e instituições farão. Cabe a nós aproveitar esse bom momento e as oportunidades que certamente surgirão para então construir um futuro melhor.
O ano de mostrar quem somos
Temos em 2025 uma oportunidade imensa, talvez única, de jogar luz, discutir e quem sabe resolver alguns problemas importantes da sociedade amazônida. A realização da COP30 em Belém, no mês de novembro, colocará os holofotes do mundo sobre nossa região. É hora de nos apresentarmos bem e aproveitarmos para solucionar questões que dificilmente são levantadas.
Daqui a alguns meses, todo mundo vai querer discutir a Amazônia, mesmo quem nunca colocou os pés aqui e não tem ideia da dimensão e das características locais. O lado bom disso é a visibilidade que vamos ter: aqui não é a Europa nem a África, e poderemos mostrar que as questões ambientais, sociais e econômicas são únicas.
Um dos pontos em que vejo uma grande oportunidade de trazer problemas e encontrar soluções está na descarbonização da sociedade. Transportamos 14 milhões de pessoas e 100 milhões de toneladas de carga (madeira, minério, combustíveis, containers e carga geral) por ano pelos rios – e a pegada de carbono deixada é um item relevante na pauta ambiental e do ponto de vista econômico. Que inovações podemos explorar para eletrificar as embarcações, utilizar combustíveis renováveis ou biocombustíveis?
Outra questão que precisamos debater é o descarte do lixo. O transporte de cargas tem regras mais claras em relação ao tema, com contratos definindo sua destinação, mas no transporte de passageiros existe um vácuo que precisa ser solucionado.
Existe uma romantização do transporte de passageiros no Amazonas. Uma imagem de um barco navegando em um rio tranquilo e muito largo, com pássaros voando ao redor, um por do sol maravilhoso e as pessoas felizes contemplando toda essa paisagem. O que ninguém discute é o lixo necessariamente gerado por 14 milhões de pessoas ao ano. De copos plásticos ao papel higiênico, há um volume imenso de lixo sendo gerado.
Uma embarcação sobe o rio em oito dias, acumulando seu lixo em algum lugar em seu interior. Ao chegar à cidade destino, a prefeitura se recusa a receber o lixo para destiná-lo. A ideia de reciclagem é maravilhosa, útil e precisa ser aplicada – mas onde estão as estruturas necessárias para isso? Essa é uma questão que precisamos resolver, se quisermos realmente nos posicionar de maneira positiva sobre sustentabilidade.
Esse é apenas um exemplo. Temos muitas questões incômodas que serão levantadas antes e durante a COP30 – da violência causada pelo narcotráfico à prostituição infantil, passando pelo garimpo ilegal. Tudo isso será visto com lupa ao longo deste ano por todo o mundo, e cabe a nós nos apresentarmos bem para explicar a realidade e buscar recursos, metodologias e tecnologias que nos ajudem a resolver cada um desses problemas.
A Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Navegação Interior (Abani), como parte de suas ações visando a COP30, está trabalhando para colocar um barco navegando em frente a Belém, com uma programação de eventos para que os visitantes possam discutir os desafios e oportunidades da navegação interior na Amazônia. Essa é uma grande oportunidade para termos mais visibilidade, colocando a navegação como uma alternativa viável de modal para o mundo.
E esse é apenas um dos pontos que nós, como sociedade, precisamos nos preparar para apresentar, discutir, propor ideias e gerar soluções ao longo deste ano de 2025. Esse é um desafio de todos nós.
Dodó Carvalho é vice-presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento da Navegação Interior (Abani)