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Artigo - Da aplicabilidade da prevalência do negociado sobre o legislado no intervalo interjornada do trabalhador portuário avulso

É tema recorrente no âmbito da Justiça do Trabalho do Espírito Santo a possibilidade de redução do intervalo interjornada do trabalhador portuário avulso, mediante negociação coletiva, o que até então se apresenta como o maior passivo trabalhista do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo) — órgão de gestão de mão de obra do trabalhador portuário avulso.

A discussão está em torno da validade da negociação coletiva firmada pelos trabalhadores por meio de seus sindicatos e requisitantes de mão de obra, efetuada com base na autorização constante do art. 8º da Lei 9.719/98 e do art. 43 da Lei 12.815/2013.


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Assim, coexistem no mundo jurídico várias previsões para a redução do intervalo em questão: CCT1 (cláusula 5ª – escalação de mão de obra), ACT2 (cláusula 4ª – horário de trabalho), Lei 9.719/98 3(art. 8º) e lei 12.815/2013 (art. 43)4, que se resumem na possibilidade de se utilizar da excepcionalidade autorizada pela Lei para reduzir o intervalo interjornada em situações específicas, o que por vezes ocorre em razão de eventual aumento de demanda de movimentação, que impossibilita o atendimento de todas as solicitações de funções nos portos do estado do Espírito Santo, dentre outras.

A norma coletiva trouxe uma situação que faz sentido para os entes sociais negociantes, dada a sazonalidade das operações portuárias, de modo que a oferta de serviços depende de vários fatores que refogem à governança dos envolvidos. Em situações excepcionais, há mais requisições de funções do que marcação de presença pelos trabalhadores, o que desafia a adoção de providências equilibrantes, a exemplo de corte de funções em ternos e a diminuição do intervalo interjornada de 11 para 6h.

Não obstante, apesar de existir norma coletiva tratando sobre o tema, com previsão específica dessa excepcionalidade, a questão foi levada ao judiciário, por meio de reclamações trabalhistas individuais ou plúrimas, gerando uma diversidade de posicionamentos no TRT desta 17ª Região.

Notem que ao invés de se intentar a invalidação da norma através de competente ação coletiva anulatória da norma negociada, há uma multiplicidade de processos em andamento, gerando insegurança jurídica de tal forma que se passou a não aplicar a excepcionalidade em prejuízo da eficiência das operações.

Trata-se, como veremos, de grande perda para os trabalhadores, consubstanciada em corte de funções, decorrendo daí diminuição da remuneração média, além de flagrante prejuízo em futuras negociações, que serão permeadas pela insegurança quanto à interferência judicial em questões negociadas.

Pois bem.

Havia muita divergência nas decisões de 1º grau e 2º grau, o que levou a situação ao TST, que também passou a ter decisões conflitantes, a exemplo do processo nº 0001379-86.2012.5.09.0322 — Quarta Turma, de Relatoria do ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, que entendeu que havia negociação coletiva prevendo situações excepcionais para a não fruição do intervalo e que não caberia ao poder judiciário afastar as circunstâncias estabelecidas pela norma coletiva por não considera-las excepcionais, devendo o referido instrumento ser respeitado, na forma insculpida no art. 7º, XXVI, da CF.

Noutra vertente, decidiu de forma desfavorável a ministra Maria Helena Mallmann, no julgamento do ARR nº 0001465-87.2015.5.17.0012, que não conheceu do recurso de revista do órgão gestor, mantendo a invalidade da cláusula coletiva por entender que não foi declinada situação excepcional a justificar a redução do intervalo interjornada, portanto seria devido o pagamento de horas extras naquele caso.

A partir de tanta insegurança jurídica, a excepcionalidade de redução do intervalo passou a ser ato proibido na escalação, inclusive sendo objeto de trava no sistema do Ogmo, de modo que o trabalhador não pode mais escolher os seus engajamentos com intervalo inferior a 11h, ainda que a cláusula tenha sido negociada por sua categoria. Isso é um grande prejuízo para todo o sistema portuário.

Recentemente, o julgamento no STF, do ARE 1121633, em sede de repercussão geral, trouxe um elemento fundamental para pôr fim à insegurança jurídica até então observada: a fixação de tese no Tema 1046, estabelecendo que "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".

A partir da manifestação derradeira do STF sobre a matéria, espera-se que os tribunais do Trabalho passem a aplicar o comando segundo o qual, apesar de ser possível o controle judicial de legalidade das normas coletivas, não existe dispositivo que proíba a transação em casos que envolvam jornada de trabalho, por não se tratar de direito constitucional absolutamente indisponível.

A jurisprudência da Corte Especializada vem, aos poucos, se posicionando após a decisão do STF, de forma a privilegiar a negociação coletiva em casos em que não se observa qualquer vício de consentimento. Em decisão recente, datada de 26/10/22, o exmo. ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte deu provimento, sendo acompanhado pela Turma, ao recurso RRAg 1001681-47.2017.5.02.0022 – 8ª Turma, entendendo que a reforma trabalhista trouxe novos parâmetros à negociação coletiva, trazendo a previsão de que duração do trabalho e os intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para fins de proibição de negociação coletiva, e decidindo de acordo com o tema 1046, reformou o Acórdão Regional por violação ao artigo 7º, XXVI, da CF.

Assim, partindo desta premissa, a mudança de posicionamento deve ser no sentido de que não se pode reduzir substancialmente a autonomia negocial coletiva como os tribunais regionais têm feito, visto que toda negociação supõe concessões recíprocas, na esteira do que reflete a teoria do conglobamento.

A partir desse novo entendimento, entende-se que a consequência lógica é aplicar o tema 1046 a todos os processos em curso que tratam sobre a redução do intervalo interjornada autorizado por norma coletiva, até mesmo sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC).

Também a corroborar essa tendência do TST, ainda no mês de outubro de 2022, no ARR-1328-52.2017.5.17.0007, o exmo. ministro Yves Gandra deu provimento ao recurso do Ogmo/ES, de forma monocrática, afastando a condenação em horas extras decorrentes da diminuição do intervalo interjornada e o fez justamente com base no recente entendimento do STF no tema 1046, reconhecendo a validade da cláusula normativa do instrumento negocial coletiva, entendendo que a decisão do regional contrariava os parâmetros do precedente vinculante do STF, fixados no ARE 1121633, pois a norma coletiva em debate na verdade flexibiliza norma legal atinente à jornada de trabalho.

A decisão reconheceu, por conseguinte, que há prevalência do negociado sobre o legislado, o que independe de especificação de vantagens compensatórias, trazendo expressamente que se os incisos VI, XIII e XIV do art. 7º da CF admitem a redução de salário e de jornada mediante negociação coletiva, que são as duas matérias básicas do contrato de trabalho, todos os demais direitos que tenham a mesma natureza salarial ou temporal são passíveis de flexibilização.

Dessa forma, conclui-se que a Jurisprudência, ainda que de forma gradual, tem se consolidado no sentido de aplicação do entendimento recente do STF de prevalência do acordado sobre o legislado, em atenção ao princípio da colegialidade e da uniformidade das decisões judiciais, a fim de garantir o postulado constitucional da segurança jurídica, tão necessário nas relações de trabalho.

Julieanne Marques dos Santos CerchiJulieanne Marques dos Santos Cerchi é advogada especialista em Direito Individual e Processual do Trabalho pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV. Pós-graduanda em Direito Portuário e Marítimo pela Unisantos. Consultora Jurídica nas áreas de Direito Portuário e Direito Regulatório. Associada do escritório Fardim e Burian Advogados Associados. Membro da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro da OAB/ES.






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