A crise do novo coronavírus afetou significativamente a vida pessoal e profissional de pessoas em todo o mundo. Assim, uma das principais questões suscitadas pela pandemia foi: de onde os funcionários devem trabalhar e quando.
O trabalho remoto era uma solução conveniente de curto prazo para muitas empresas, enquanto medidas de quarentena e distanciamento social eram aplicadas pelos governos.
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No entanto, esse novo modelo de trabalho provavelmente se tornará uma realidade permanente para as empresas, mesmo com a reabertura econômica. Sob esta perspectiva, as companhias precisarão incorporar métodos de trabalho flexíveis em suas operações diárias, mantendo a sua vantagem e força de trabalho feliz, de modo a atrair os melhores talentos. Em nenhum lugar isso é mais aparente do que na América Latina agora.
O novo normal
Atualmente, a América Latina está passando por uma mudança clara para o trabalho, principalmente por profissionais liberais e colaboradores de grandes empresas. Os números não são precisos, porque a tendência é recente – contudo, é amplamente aceita como um fenômeno aos níveis profissional e socioeconômico.
A mudança para o trabalho flexível foi influenciada por outros fatores além da pandemia — não menos importante, as demandas da chamada "Geração Sanduíche", que compõe a maior parte da força de trabalho atual e é esperada, talvez mais do que qualquer outro grupo demográfico antes dela, para equilibrar o trabalho com o cuidado das crianças e de familiares idosos.
Dados recentes mostram que 61% dos latino-americanos que cuidam de um membro da família com mais de 50 anos estão trabalhando em tempo integral, enquanto metade da força de trabalho de hoje espera cuidar de familiares idosos nos próximos cinco anos.
As opções de trabalho flexíveis permitem que essa força de trabalho crescente, – cujos pais estão vivendo mais – equilibrar as obrigações familiares com as responsabilidades profissionais de forma criativa e eficiente, ao mesmo tempo em que permite as empresas a chegarem a um acordo com o “novo normal” pós-pandemia.
Essas opções incluem a abordagem liberal de “férias ilimitadas” adotada pela Netflix, LinkedIn e outros, bem como ambientes de trabalho que se concentram explicitamente nos resultados em vez do cumprimento das horas de trabalho ou métricas de atendimento.
Na Maersk, acreditamos no trabalho flexível, mas não pensamos que isso seja apenas uma questão de “trabalhar em casa”. Em vez disso, acreditamos que o trabalho flexível se baseia em três pilares: lugar, tempo e momentos que importam.
A maioria das pessoas está familiarizada com o primeiro pilar, visto que trabalhar em casa se tornou a nova realidade para milhões de pessoas em todo o mundo nos últimos 18 meses. Contudo, flexibilidade também pode ser uma questão de tempo — como agendar reuniões em horários não convencionais e sair mais cedo do que outros colegas para abrir espaço para compromissos extracurriculares.
Finalmente, a flexibilidade também precisa ser oferecida aos trabalhadores para que assuntos privados – tornar-se pai ou cuidar de um parente idoso, por exemplo – possam ser tratados separadamente do trabalho, evitando um conflito de interesses potencialmente perturbador. Os momentos importantes devem ter precedência sobre os protocolos de escritório excessivamente zelosos, especialmente nestes tempos sem precedentes.
Como o trabalho flexível afetou a força de trabalho
O trabalho flexível está sendo adotado cada vez mais por empresas com presença na América Latina, e tem sido interessante observar as diferentes abordagens adotadas na região, observando como elas afetaram a força de trabalho e como se destinam a se adaptar ao novo ambiente.
A terceira maior operadora de telecomunicações do Brasil, a TIM, opera com cerca de 7.500 funcionários remotos desde o início da pandemia e, recentemente, revelou que 98% de seus funcionários querem trabalhar em casa pelo menos uma vez por semana; 90% gostariam de fazê-lo duas vezes por semana ou mais.
Mais de 5.000 funcionários participaram do estudo da TIM, que, segundo eles, será usado como base para seus planos de retomada das atividades no local. A TIM também ampliou seu programa de saúde e agora oferece a possibilidade de atendimento médico em casa. Os colaboradores e seus dependentes têm acesso ao Einstein Conecta, atendimento realizado por meio de telefone e computador por profissionais do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Enquanto isso, a imobiliária digital QuintoAndar fará do trabalho remoto uma opção permanente para os funcionários que preferirem este formato pós-Covid. A medida abrange cerca de 1.000 colaboradores diretos em São Paulo e Campinas. Depois da pandemia, a ideia é transformar os escritórios físicos da empresa em centros de reuniões, eventos e treinamentos, além de base para quem prefere trabalhar em escritório físico, desde que tenha saúde e segurança.
Para apoiar os funcionários em casa, a QuintoAndar alugou cadeiras de escritório e introduziu horários de trabalho flexíveis para os pais – uma concessão não apenas para o “onde”, mas também para o “quando” do trabalho remoto. Além disso, a empresa lançou um programa de apoio pessoal e psicológico aos colaboradores, com médicos dedicados ao atendimento telemedicina.
A fabricante finlandesa de equipamentos de telecomunicações Nokia, com escritórios no Brasil, México e Colômbia, afirmou que seus funcionários podem optar por trabalhar até três dias por semana remotamente com maior suporte para horários de trabalho flexíveis a partir de janeiro de 2022. Os 26 mil de seus 92 mil funcionários em 130 diferentes países participaram de uma pesquisa, com a maioria deles declarando que gostariam de trabalhar remotamente de dois a três dias por semana – ante uma média de dois dias antes da pandemia do coronavírus.
Em um comunicado revelador, o CEO da Nokia, Pekka Lundmark, disse que “a pandemia forçou as organizações a mudar. A tecnologia deu às pessoas as ferramentas para inovar. Em muitos casos, os resultados têm sido bons demais para voltar à velha maneira de fazer as coisas”.
Abordagem da Maersk
Mesmo antes do início da pandemia, A.P. Moller-Maersk estava tomando medidas para lançar uma política de trabalho flexível que acomodasse novas formas de trabalho e uma transformação cultural.
Como parte do projeto, foi decidido que os escritórios da Maersk teriam recursos de compartilhamento de mesa no futuro e deveriam ser organizados para acomodar 80% da capacidade – um reconhecimento tácito de que nem todos os nossos funcionários estarão no escritório ao mesmo tempo. Esta política agora é aplicada sempre que projetamos novos escritórios ou alteramos o layout dos existentes.
Embora nossa política de trabalho flexível estivesse em vigor antes da pandemia de covid-19, a crise sanitária definitivamente tornou o trabalho em casa mais aceito ao nível regional. Neste contexto, vimos que reuniões virtuais e ferramentas digitais podem aumentar a eficiência da força de trabalho, mesmo se os funcionários não estiverem trabalhando no escritório.
A natureza de nosso negócio particular significa que alguns funcionários precisam estar em um determinado local ou participar de reuniões em um determinado horário. No entanto, nossas novas comunicações internas deixam claro: “Sempre que possível com base em funções, demandas e necessidades de negócios, as soluções de trabalho flexíveis farão parte da nova maneira de trabalhar”.
Para aumentar a flexibilidade em torno do pilar central do “tempo”, proporcionamos flexibilidade, estilo de vida e horários reduzidos para nossa equipe, bem como oportunidades adicionais para troca de turnos quando necessário.
Quanto ao “local”, implementamos políticas em toda a empresa sobre trabalho remoto e internacional. Por fim, para permitir “momentos que importam”, aumentamos a flexibilidade em torno de licenças, períodos sabáticos e trabalho voluntário, bem como transições graduais e vitalícias para nossos funcionários.
A Maersk ainda é essencialmente uma empresa baseada em escritórios e que conta com a presença física de nossos funcionários em todos os níveis, pelo menos por algum tempo. Entretanto, nossa nova abordagem foi projetada para fornecer à nossa força de trabalho a flexibilidade de que precisam – em termos de lugar, tempo e momentos que mais importam para eles.
É uma tendência que observamos em toda a nossa indústria e em outros lugares, na América Latina e ao redor do mundo – acelerada por circunstâncias infelizes, mas que no final das contas proporciona uma mudança para melhor e que, definitivamente, veio para ficar.
Luciana Pavam Ezequiel é Head de Recursos Humanos da Maersk no Brasil e América Latina