Por Rafael Purcinelli
Recentemente, em vários veículos de comunicação e jornais de todo país foi veiculada a notícia de que os bancos reteriam 0,38% a título de IOF sob valores de receita de exportação levadas a cabo pelas principais empresas do ramo. A retenção teria como base a Solução de Consulta COSIT n.º 246, de 11 de dezembro de 2018, fixou o entendimento de que “se os recursos inicialmente mantidos em conta no exterior forem, em data posterior à conclusão do processo de exportação, remetidos ao Brasil, haverá incidência de IOF à alíquota de 0,38%, conforme determina o caput do art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 2007”.
Em atitude reacionária, grandes empresas do ramo que foram à Justiça conseguiram obter liminares contra o pagamento o imposto sobre a entrada do dinheiro oriundo de operações de exportação no Brasil. As empresas alegam que o art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 2007 garante alíquota zero de IOF quando da entrada dessas receitas no país.
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De todas as liminares concedidas, três merecem ser analisadas mais detidamente, justamente por serem as pioneiras que serviram de base a pedidos posteriores das empresas do ramo de exportação: a) uma da processadora de cana-de-açúcar Bioserv, concedida pela 11ª Vara Cível Federal de São Paulo; b) uma da Equinor Energy, da 30ª Vara Federal do Rio de Janeiro e; c) da ArcelorMittal, dada pela 15ª Vara Cível de Minas Gerais.
Na liminar concedida na Justiça Federal de São Paulo, a juíza entendeu que a COSIT nº 246 fixou uma limitação temporal no art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 2007, que chamou de “ciclo de exportação”, ou seja, só não incidiria o IOF se o recebedor do dinheiro remetê-lo ao Brasil no mesmo dia de seu depósito no exterior, de modo que eventual remessa em data posterior estaria fora do “ciclo de exportação”, escapando assim da benesse de alíquota zero prevista no inciso I do art. 15-B do referido Decreto.
Conclui a decisão Paulista no sentido de que o marco temporal fixado pela Receita Federal não se sustenta à luz do próprio art. art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 2007, que apenas exige que as receitas sejam oriundas de operação de exportação, pouco importando quando serão remetidas ao Brasil.
De fato, a norma em referência não exige qualquer marco temporal para a alíquota zero, de modo que qualquer interpretação em sentido diverso transborda de sua finalidade, sendo o mesmo que legislar apenas com fins secundários e meramente arrecadatórios. O limite temporal de 24h para não incidir o IOF foi criado e não interpretado pela Receita Federal do Brasil, do que se conclui que o Fisco anda bem criativo ultimamente.
Quanto à decisão liminar concedida pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, o juiz foi no mesmo sentido da decisão paulista, mas acrescenta elemento que merece ser destacado, no sentido de que a exigência do critério temporal para aplicação da alíquota zero prevista no art. 15-B, do Decreto nº 6.306, extrapola a função complementar da lei, violando frontalmente o art. 100 do Código Tributário Nacional, que prevê regra no sentido de que as decisões dos órgãos singulares e coletivos de jurisdição administrativa são normas complementares à legislação tributária.
Já a Justiça Federal de Minas Gerais deu a liminar à empresa exportadora com base no seguinte argumento: “A conclusão da Receita Federal, ao desbordar dos limites do decreto regulamentador, impondo restrições que este não contempla, vai na contramão do próprio escopo extrafiscal da norma, que ao fixar a alíquota zero para o IOF, não foi outra que não incentivar o ingresso, no país, de recursos decorrentes de exportação”
Aqui a decisão Mineira também mostra brilhantismo, pois o incentivo de alíquota zero não quer outra coisa, senão o retorno da riqueza gerada pela operação de exportação ao nosso país, de modo que não faz nenhum sentido dizer que se o dinheiro não for remetido rapidamente ao Brasil, não é mais interessante incentivar a sua volta. A toda evidência isso não faz sentido nenhum.
Entendemos que todas as três decisões trazem pontos importantes que sustentam a não incidência de IOF sobre receitas de exportação, cada uma trazendo algum ponto que fortalece a argumentação do contribuinte.
Em conclusão, cabe salientar que os embasamentos dos juízes nas três liminares concedidas são fortes no sentido de prestigiar os fins sociais perseguidos pela norma prevista no art. 15-B do Decreto nº 6.306, posto que é finalidade desta que as receitas obtidas com a operação de exportação retornem ao nosso país, aproveitando sua riqueza em nossa terra, como bem salientado na decisão da Justiça Federal de Minas Gerais, o que, de certa forma, homenageia o disposto na norma interpretativa do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”.
Rafael Purcinelli é advogado do escritório Roncato Advogados