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Regulamento Marítimo e outorga: Capitalismo para valer? Parte 1

Após duas Resoluções (4.271/2015 e 5.032/2016), que ensejaram duas audiências públicas e que receberam mais de mil contribuições, encontra-se em fase final de análise pela Antaq, desde 31 de dezembro de 2016, o Regulamento Marítimo. Trata-se de uma das normas mais relevantes da agência, que completará dezesseis anos de criação em julho próximo.

Acredita-se, contudo, que a sua eficácia estará em risco, se mantido o texto como está, sem que a Antaq exija a outorga de autorização para o transportador marítimo estrangeiro, vez que restou limitada à criação de um cadastro (CATE), como adiante será argumentado.


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Sem outorga, com a permanência da violação da isonomia entre EBN e EEN, como bem fundamentou o Dr. Joaquim Barbosa (Ex-presidente do STF), no parecer jurídico, forte na inconstitucionalidade por omissão da Antaq no que tange à outorga, não haverá poder dissuasório. Tal argumento foi carreado ao processo que tramitou TCU e que contribuiu para a edição da norma. Com o CATE, a Antaq agirá ao contrário do que a ANAC e ANTT já vêm fazendo com o transportador estrangeiro, em seus respectivos campos de regulação.

Esse Regulamento, cujo primeiro nome foi Norma de Infrações de Navegação Marítima e Apoio, foi o objetivo inicial do grupo de trabalho de servidores da Antaq, criado por ordem de serviço de 11 de julho de 2014, portanto, há cerca de três anos.

No nosso entender, é a norma com maior potencial de poder dissuasório, porque poderá dar efetividade aos princípios constitucionais da ordem econômica no setor de shipping internacional, ainda a ser regulado pela Antaq, dispostos na Constituição Federal.

Dentre eles, podem ser citados a livre iniciativa, a defesa da segurança jurídica nos contratos, dos usuários e da concorrência. Com tal ferramenta, a Antaq contribuirá para equilibrar o setor e proteger as EBNs, em face da concorrência desleal a que são submetidas pela inexistência de isonomia entre EBNs e Empresas Estrangeiras de Navegação (EENs), e os agentes intermediários, que sofrem com práticas abusivas comuns em indústria de rede transnacional.

Nesse setor, a oligopolização ou monopolização é a regra, problema que se agrava em face da verticalização permitida pela Reforma Portuária e pela inexistência de uma política de Estado de defesa da concorrência por parte da Antaq, em que pese a inclusão do tema na Agenda Regulatória 2016-2017.

Atuando no setor desde 1981, temos acompanhado e participado desse processo, há mais de dez anos e, especialmente, desde antes da edição da MP dos Portos, em dezembro de 2012, quando muitas denúncias culminaram na edição do Regulamento Portuário em 2014.

Obviamente que não foi fácil para que o Regulamento Marítimo fosse gestado, vez que fruto de vários processos em face da resistência inicial pela cobrança de regulação num setor com o Estado ausente, via Inquérito Civil Público no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, Cade, Antaq e no Tribunal de Contas da União.

Acrescento, ainda, diversas matérias e denúncias em vários órgãos de imprensa no Brasil e no exterior. A Antaq decidiu, então, na gestão do seu ex-Diretor-Geral, Mario Povia, criar uma Agenda Positiva, a partir da qual tem avançado, cada vez mais, ainda que sob forte resistência de vários setores e entidades, na implantação do capitalismo no setor. Algumas querem o status quo e não o naufrágio do capitalismo de compadres (cronysm) que impera em todos os setores da nossa débil economia.

O Regulamento Marítimo é fruto desta Agenda. Criado nos moldes do Regulamento Portuário, ele dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários, dos agentes intermediários e das empresas que operam nas navegações de apoio marítimo, apoio portuário, cabotagem e longo curso, e estabelece infrações administrativas, oriunda da revisão do ato normativo adjacente à Resolução nº 4.271-ANTAQ, de 4 de agosto de 2015, objeto da Audiência Pública nº 03/2015.

As duas Resoluções causaram forte reação de diversas entidades do setor, o que é sinal de que a Antaq está no rumo certo, pois nunca editou norma que tivesse tanto impacto, ainda que on paper. A experiência comparada mostra isto.

Há, portanto, mais externalidades positivas do que negativas, se pensarmos na função da Antaq, que é a regulação para o mercado, para o interesse público, e não para algumas empresas bem organizadas.

Dentre as reações contrárias, podem ser citadas a do (i) Centronave, que pediu o arquivamento da norma na audiência pública na FIESC, para depois pedir a inclusão dos agentes intermediários na mesma, e a (ii) do Instituto IberoAmericano de Derecho Marítimo – IIDM-Brasil. Esta entidade argumentou, dentre outros, “que a proposta de norma venha tornar a legislação brasileira dissonante do que se pratica na indústria internacional”, e pediu a revogação da Resolução n. 4.271/2015 (ofício n. 004/2015, de 30 de out. 2015).

Mencione-se, ainda, que as Comissões de Direito Aduaneiro e de Direito Marítimo e Portuário da OAB/SP, em ofício datado de 15 de outubro de 2015, propõem várias sugestões, dentre as quais o “item 3) Da intervenção na liberdade de contratar”, com menção que a “Resolução extrapola limites” quando se trata da indicação do free time da sobre-estadia de contêiner e do dever do transportador justificar a recusa da carga.

Além disso, defendem o direito do transportador indicar a taxa do dólar e não a do Sisbacen, como propõe a norma, sob o fundamento de que “é a prática do mercado”. Com todo o respeito aos colegas paulistas, não há como concordar com tais argumentos, tendo em vista o desequilíbrio que tais “práticas de mercado” têm causado aos custos do setor há décadas.

Destaca-se, também, a contribuição da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e do Mar (CDMPM) da OAB/RJ, datada de 10 de novembro de 2015, onde sustenta “parece não ser adequada a Agência ao tentar legislar em matérias cuja competência é da União, por meio do Congresso Nacional, a quem cabe tratar de Direito Civil, Comercial e Marítimo, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal” (fls. 448, GRM), e conclui da seguinte forma:

A Resolução n. 4.271/2015 da Antaq, embora seja importante iniciativa visando a auxiliar neste esforço regulatório, padece de vícios graves apontados ao longo deste parecer, podendo ser assim resumidos: (i) fere regras de competências legislativas constitucionalmente instituídas, adentrando matéria exclusiva de lei a ser aprovada pelo Congresso Nacional; (ii) confere tratamento de serviço público à atividade de navegação, não estando presentes os requisitos; (iii) propõe a sujeição dos contratos de transporte e de apoio a normas do Direito do Consumidor com um todo, o qual é inaplicável na grande maioria das relações; (iv) inclui em seu bojo normas e penalidades ligadas a afretamento sem direta identidade temática com matéria da Resolução, algo não recomendável pela melhor técnica legislativa.

Na mesma linha é o ofício datado de 9 de novembro de 2015, da Comissão Especial de Direito Marítimo e Portuário do Conselho Federal da OAB, que mostrou preocupação, tendo em vista a tramitação do projeto de Código Comercial no Congresso Nacional, desde 2011, quanto aos termos constantes em referida norma (Resolução nº 4271/2015), porque:

(...) entende que a vigência da mesma deveria ser sobrestada até a conclusão do texto final do Código Comercial que se encontra em tramitação no Congresso Nacional. (...) Vale ainda lembrar que a Antaq não possui competência para legislar em matéria de Direito Civil, Comercial e Marítimo, cujo poder para normatizar é exclusivo da União por meio do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 22, I), além de não dever intervir em matérias deixadas propositalmente pelo legislador ordinário para negociação entre as partes, em questões de cunho contratual, de natureza tipicamente privada.

O referido ofício, no nosso entender, de forma equivocada, sustenta, ainda, que a Antaq pretende dar tratamento de serviço público e de relação de consumo às atividades de navegação. Ora, os serviços de transportes de longo curso devem ocorrer por via de autorização, portanto, não é serviço público, mas atividade econômica propriamente dita, e regulada constitucionalmente. Tal característica não significa que pretende fazer com que tais relações sejam de consumo.

O Congresso Nacional ao editar norma de criação da Antaq delegou competências que eram tradicionalmente suas para regular o setor. Obviamente que a Antaq deve observar se há lei federal dispondo de forma contrária antes de editar suas normas, o que não impede de ficar tolhida para exercer o seu papel e acompanhar o moroso processo legislativo do Código Comercial, editado em 1850.






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