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Uma nova política para a amazônia azul

Paulo Fernando Pinheiro MachadoPor Paulo Fernando Pinheiro Machado

• O conceito de “Amazônia Azul” não é tão conhecido pela sociedade civil brasileira quanto o seu contraparte “verde”. Trata-se da incalculável riqueza que o Brasil tem sob suas águas. A soberania sobre a “Amazônia Azul”, infelizmente, foi franqueada pela administração do PT e urge ao novo governo retomar o controle sobre essa parcela do território nacional. Uma nova política para a indústria naval e as águas brasileiras passa por inúmeros pontos, mas três deles são particularmente prioritários: a falta de competitividade, a perda de soberania sobre a costa e os custos das novas regras para combustíveis navais da ONU.

Com relação à competitividade da indústria naval, em primeiro lugar, a navegação de longo curso no Brasil (responsável pelo transporte da quase totalidade de nossas exportações) encontra-se em estado de oligopólio, no qual um punhado de armadores estrangeiros se organizaram para controlar o transporte do comércio exterior brasileiro. O resultado é que essas empresas cobram fretes e demurrage abusivos do produtor nacional, encarecendo nossos produtos e diminuindo a competitividade da nossa indústria. Além disso, elas controlam, de fato, o fluxo de mercadorias nos portos nacionais, já que tendem a se recusar a disponibilizar embarcações quando não é do seu interesse, como ocorreu recentemente com a paralisação das exportações de granito em Pecém. A falta de competitividade da indústria naval encarece os produtos brasileiros e deixa a produção nacional refém dos caprichos de um punhado de armadores estrangeiros.

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A solução para esse entrave é muito simples: basta liberalizar a entrada no mercado para os armadores nacionais. Pelas regras atuais, o armador estrangeiro não necessita de autorização da ANTAQ para operar navegação de longo curso em portos brasileiros, mas, por incrível que pareça, o potencial armador nacional necessita. Os requisitos para a concessão de licença para operar uma empresa de navegação, além disso, são muito pesados. A empresa solicitante deve comprovar, entre outras exigências, patrimônio líquido mínimo de 8 milhões de reais integralizado. Ora, como a indústria naval é tradicionalmente organizada de forma que os operadores constituem uma empresa para cada embarcação, apenas esse requisito da ANTAQ, por si só, torna impossível a competitividade global dos armadores nacionais. Some-se a isso todo o espectro de dificuldades burocráticas do custo Brasil, e tem-se a explicação de o porquê de o país não ter mais uma frota mercante. Vale lembrar que, até meados da década de 1970, o Lloyd brasileiro era a segunda maior frota mercante do mundo.

A segunda prioridade refere-se à recuperação da soberania sobre as nossas águas. O Brasil tem, atualmente, as maiores reservas comprovadas de hidrocarbonetos. Some-se a isso toda a riqueza mineral e biológica que há em nossa plataforma continental e pode-se afirmar com segurança que a “Amazônia Azul” é uma das áreas mais ricas do planeta, atraindo, por conseguinte, a cobiça internacional. Há algumas semanas, por exemplo, um navio pesqueiro chinês agrediu e tentou afundar uma embarcação de pesca brasileira, em nossa costa. O Embaixador da China arguiu que o incidente ocorrera “em águas internacionais”. Isso é falso, porque o Brasil não reconhece o limite de 200 milhas náuticas para a soberania sobre nossa plataforma continental. O risco desse ardil é enorme, porque muitos dos campos do pré-sal, por exemplo, estão no limite dessas 200 milhas náuticas, e, portanto, podem ser explorados por embarcações supostamente “em águas internacionais”, que se apropriariam de nossas riquezas e não pagariam absolutamente nada para o Brasil.

A solução para esse ataque contra a soberania brasileira é a recuperação do nosso pleito para a extensão da jurisdição brasileira sobre a plataforma continental, para além do limite das 200 milhas náuticas aprovado pela ONU na Convenção de Montego Bay em 1982. Desde então, o Brasil vinha apresentando reservas a esse ponto e pleiteando o reconhecimento de sua jurisdição para uma área estendida de 4,4 milhões de km2 (equivalente à metade da parte terrestre do território nacional), de forma que a soberania para além desse limite estaria oficialmente sub judice. Desde 2004, contudo, diante das objeções da ONU, o Brasil não mais renovou seu o pleito para a extensão do nosso limite jurisdicional e, dentro do Itamaraty, vem-se formando, inclusive, uma corrente de diplomatas que acredita que o país deve, mesmo, abrir mão de qualquer soberania para além das 200 milhas náuticas e submeter-se totalmente à vontade da ONU nesse ponto. É claro que urge ao novo governo reverter, de imediato, essa cessão inconstitucional de soberania levada a cabo pelo regime anterior. 

A terceira prioridade, não menos importante, é a novo limite da Organização Marítima Internacional (OMI), braço da ONU, para a emissão de ácido sulfúrico por navios a partir de 2020. O combustível utilizado pela indústria naval - chamado bunker fuel -, pelas regras atuais pode emitir até 3,5% de ácido sulfúrico na atmosfera. A OMI quer reduzir esse limite para 0,5% a partir de 2020, o que implica na utilização de um combustível muito mais caro para a indústria. A medida poderá, potencialmente, causar um choque inflacionário global. Como a indústria naval representa 98% do transporte global de mercadorias e cerca de 60% dos seus custos médios de operação são gastos com bunker, é claro que isso causará um aumento dos custos de transporte global, com particular impacto em países agroexportadores. O risco para o Brasil é enorme: os principais armadores estrangeiros e refinarias já anunciaram que repassarão os custos para os donos de cargas. Ora, como o Brasil é hoje um país totalmente “cargo” - por não ter frota mercante nem refinarias, e ser um dos principais exportadores de commodities do mundo, claro está que pagaremos a conta global dessa medida da ONU.

A solução para esse problema é, obviamente, o enfrentamento da medida nos foros internacionais, em particular na OMI. O regime anterior, novamente franqueando a soberania nacional, apoiou a medida e o Itamaraty atuou de forma extremamente tímida na OMI. O novo governo deve aliar-se à diplomacia norte-americana, que vem enfrentando a implementação do novo limite praticamente sozinha no cenário internacional. O Itamaraty deve, juntamente com o Departamento de Estado, buscar adiar uma eventual implementação da medida, até que os impactos inflacionários e a repartição dos custos de adaptação da indústria estejam mais definidos. 

O novo governo, em suma, tem um grande desafio pela frente para recuperar a soberania nacional sobre a “Amazônia Azul”, franqueada pelo regime anterior. O restabelecimento de nossa soberania passa por uma mudança de rumo no Itamaraty - que deve atuar de forma mais firme e altiva, e, também, no Legislativo - que deve redobrar à atenção para as nuances e sutilezas da política externa, que muitas vezes escapam ao crivo da sociedade civil.

Paulo Fernando Pinheiro Machado é diplomata e advogado especializado em assuntos marítimos.



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