A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, classificou ontem "como muito infeliz" o episódio em que o diretor-executivo do Fundo para o Brasil e mais dez outros países, Paulo Nogueira Batista Jr., decidiu se abster na votação de liberação de uma nova parcela de ajuda para a Grécia.
"Os fatos falam por si mesmos", afirmou Lagarde numa coletiva para cerca de 20 jornalistas, da qual o Valor participou. "É muito infeliz o que ocorreu naquelas circunstâncias, mas estou muito satisfeita que a posição do Brasil pôde ser retificada e esclarecida no mais alto nível."
Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, divulgou uma nota desautorizando Nogueira Batista. Segundo ele, o representante brasileiro no Fundo "não estava autorizado a votar dessa maneira". Mantega convocou Nogueira Batista para vir a Brasília na próxima semana para justificar a sua posição.
"Somos favoráveis [à liberação de novas tranches de recursos para a Grécia] e temos que retificar o voto", disse Mantega mais tarde, em uma entrevista coletiva. "O programa da Grécia não é um programa perfeito, há pontos que precisam ser melhorados. Mas não justifica não liberar as tranches."
O FMI liberou € 1,7 bilhão para a Grécia no começo da semana, desembolso que faz parte do programa de socorro ao país europeu. Nogueira Batista se absteve por ver o risco de a Grécia não conseguir pagar as suas dívidas com o FMI.
O Valor apurou que Lagarde telefonou a Mantega para reclamar da posição de Nogueira Batista, o que provocou a reação do ministro. Ontem, durante a entrevista, a diretora-gerente do FMI disse apenas que teve uma conversa por telefone longa e "muito amigável". "Ele indicou que o Brasil apoia integralmente a Grécia, e o programa grego e que, se o voto pudesse ser refeito, o Brasil apoiaria o programa. E ele mesmo disse isso."
Fontes com conhecimento do caso relataram ao Valor que Nogueira Batista vem se abstendo desde 2011 nas votações do programa de socorro da Grécia. Mais do que a abstenção, o que teria causado desagrado no FMI foi ele ter divulgado à imprensa internacional a sua posição num dia em que foi publicado pelo organismo um importante documento do programa com o país europeu. Dirigentes do FMI já teriam ficado irritados por ele ter divulgado a posição do Brasil sobre controles de capitais.
A reação de Mantega deve ser entendida, em parte, levando em conta o interesse brasileiro em aprovar pedido encaminhado ao FMI na semana passada para a revisão dos critérios de cálculo da dívida bruta do governo. Também deve-se pesar o fato de que, na última sexta-feira, a consulta do artigo IV do Brasil foi submetida a votação na diretoria executiva do FMI.
Nogueira Batista sempre teve grande autonomia do Ministério da Fazenda e de outros setores do governo para definir posições brasileiras no FMI, como programas de socorro a países europeus, reforma de cotas e controles de capitais. Mantega e Paulo Nogueira têm visões muito próximas sobre esses assuntos.
Não é certo que Mantega tenha tido conhecimento das abstenções brasileiras, embora fontes ouvidas pelo Valor afirmem que o ministro teve várias oportunidades desde 2011 para se inteirar do assunto. Esse era um tema recorrente nos encontros de organismos multilaterais e do G-20.
O representante brasileiro no FMI sempre manteve a prática de, nos casos mais importantes, encaminhar à Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, ao qual está subordinado, um resumo dos assuntos a serem discutidos para uma eventual tomada de posição das autoridades em Brasília.
Desde 2011 Paulo Nogueira Batista vinha se abstendo nas votações do programa de socorro à Grécia
As abstenções de Nogueira Batista nas votações incomodaram mais à Europa do que à Grécia. O Brasil votou favoravelmente ao socorro ao país europeu no pacote original, formalizado em 2010. Mas, já naquela ocasião, Nogueira Batista levantou restrições a algumas exigências que considerava draconianas.
Isso fez com que o diretor alterno da Grécia no FMI visse o Brasil, em alguns casos, como um aliado em muitas das negociações do país com o Fundo. Uma das restrições dos gregos à atuação de Nogueira Batista, porém, foi a defesa que ele fez da saída do país da zona do euro para, com uma desvalorização cambial, facilitar o ajuste externo.
Entre as diversas críticas do Brasil ao programa grego, um dos pontos fundamentais é a sua sustentabilidade. Um dos critérios para a aprovação da ajuda do FMI é que o país que recebe empréstimos tenha capacidade, dentro da lógica do pacote de socorro, para pagar a dívida com o Fundo. Técnicos do FMI, porém, não vinham bancando de forma categórica que a Grécia teria capacidade para pagar o empréstimo. De forma entendida como casuística, o FMI criou um critério para acesso ao programa que diz que "quando há incertezas significativas que tornam difícil dizer categoricamente que há uma grande probabilidade de que a dívida é sustentável no período do programa, o acesso excepcional [a recursos do programa] poderia ser justificado se existe um alto risco de um contágio internacional".
Fontes oficiais ponderaram que a posição de Nogueira Batista, ainda que autônoma, não difere na substância da orientação que o Brasil vem adotando em outras negociações internacionais referentes à reestruturação do FMI, assim como aos próprios interesses do país envolvendo o Fundo.
A linha defendida pela diplomacia brasileira tem sido a de priorizar o apoio a países em desenvolvimento, enquanto o plano de ajuda à Grécia significa gastar recursos com uma economias da zona do euro.
O Brasil é credor do FMI e, como tal, está empenhado na manutenção de sua capacidade. Além disso, sofreu no passado pressões envolvendo seu relacionamento com o Fundo.
Embora o teor do voto não surpreenda, pois segue opiniões já manifestadas em outras negociações brasileiras, há uma percepção de que Nogueira Batista agiu de maneira pouco diplomática, excessivamente dura, na forma de externar sua opinião.
Essa não é a primeira polêmica em que Nogueira Batista se envolve no FMI. Em 2010, ele demitiu a diretora alterna da cadeira liderada pelo Brasil no FMI, que havia sido indicada pela Colômbia, criando uma crise diplomática. Na época, o país andino protestou e, no ano passado, deixou a cadeira brasileira no FMI. O governo brasileiro, naquela ocasião, não fez nenhum questionamento público à decisão de seu representante.
Paulo Nogueira também foi submetido a uma sindicância interna do FMI por causa de artigos então publicados por ele na imprensa brasileira. A decisão do FMI foi que ele poderia continuar as publicações, desde que ressalvando que falava em caráter pessoal.
Questionado se Nogueira Batista será demitido, Mantega disse "claro que ele continua no cargo". "Vamos conversar na vinda dele", disse Mantega, que ressaltou que diretor do FMI não tem votação toda semana. O ministro explicou, no entanto, que ele deve ser consultado nas votações polêmicas. "Neste caso faltou comunicação", frisou. (Colaboraram Leandra Peres, Edna Simão e Lucas Marchesini, de Brasilia)
Fonte: Valor Econômico/Sergio Lamucci, Alex Ribeiro e Maíra Magro | De Washington e Brasília
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