Uma enxurrada de petróleo está chegando justamente quando as preocupações com as mudanças climáticas aumentam, e a demanda mundial do combustível fóssil diminui. Esse incremento virá do Brasil, onde será realizado o leilão da cessão onerosa na próxima quarta-feira, e de países como Canadá, Noruega e Guiana.
Juntos, os quatro devem adicionar quase um milhão de barris por dia ao mercado em 2020 e quase um milhão a mais em 2021, além da atual produção mundial de 80 milhões de barris diários.
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Uma das consequências do aumento de produção, aliada ao avanço das fontes de energia renovável, é a provável queda de preço do petróleo, o que pode atrapalhar os esforços para combater o aquecimento global.
Canadá, Noruega, Brasil e Guiana são relativamente estáveis em tempos de turbulência para produtores tradicionais, como Venezuela e Líbia, e tensões entre a Arábia Saudita e o Irã. Suas riquezas petrolíferas podem minar esforços da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e da Rússia para manter os preços da commodity elevados com corte de produção.
Daniel Yergin, historiador de energia que escreveu famoso livro "O Prêmio: A Busca Épica por Petróleo, Energia e Dinheiro", comparou o impacto da nova produção dos quatro países ao advento do boom do petróleo de xisto, o shale gas, no Texas e na Dakota do Norte, há uma década.
Por um lado, diz Yergin, "como todos os quatro países estão isolados da turbulência geopolítica tradicional, eles aumentam a segurança energética global". Por outro, completa o historiador, a maior oferta, combinada com uma economia mundial lenta, pode reduzir os preços, como ocorreu no caso do shale gas.
Se o preço do petróleo cair, a tendência é que os preços da gasolina e demais derivados também caiam. Isso poderia retardar, por exemplo, a adoção de veículos elétricos.
Mercado saturado
Já existe um excesso de petróleo no mercado mundial, mesmo com as exportações da Venezuela e do Irã fortemente reduzidas pelas sanções dos EUA. Se a produção desses países voltar, esse excesso só aumentaria.
Anos de preços moderados da gasolina já aumentaram a popularidade de carros maiores e utilitários esportivos nos Estados Unidos, e a probabilidade de mais petróleo no mercado deve aliviar os preços na bomba nos próximos anos.
A perspectiva de maior oferta de petróleo é um cenário bem distinto do vivido no início dos anos 2000, quando os preços dispararam. Na época, os produtores se esforçaram para acompanhar a demanda crescente na China, e alguns analistas chegaram a alertar que o mundo estava ficando sem petróleo.
Então, veio o surgimento de fraturas e perfurações hidráulicas em campos de xisto, que converteram os Estados Unidos em um poderoso exportador da commodity.
O aumento da produção americana, juntamente com uma economia global instável, reduziu os preços do petróleo de US$ 100 por barril antes da crise global de 2008 para cerca de US$ 56 na última sexta-feira, pelo preço de referência do óeo leve americano.
Esses preços baixos forçaram a Opep e a Rússia a cortar a produção nos últimos anos. Em 2019, muitas empresas petrolíferas americanas em dificuldades financeiras reduziram seus investimentos em exploração e produção para pagar suas dívidas e proteger seus dividendos.
Esse cenário é que deve mudar. Atualmente, a Guiana não produz petróleo. A produção norueguesa está em declínio há muito tempo. A do Brasil está estável. E, no Canadá, as preocupações com as mudanças climáticas, a resistência a novos oleodutos e os altos custos de produção reduziram os investimentos nos campos de areias petrolíferas por cinco anos consecutivos.
O que vem pela frente
Mas todos esses países verão sua produção subir agora. No Brasil, novas plataformas de produção offshore estão entrando em operação. A produção aumentou, no ano passado, em 300 mil barris por dia, e o país deve adicionar até 460 mil barris por dia até o final de 2021.
Nesta semana, o Brasil realiza dois leilões: o megaleilão do excedente da cessão onerosa e da 16ª rodada da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
A recuperação da Noruega, após 19 anos de declínio de produção, começou há algumas semanas, quando a Equinor (antiga Statol) iniciou a produção em seu campo de águas profundas de Johan Sverdrup.
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O campo vai produzir 440 mil barris por dia, aumentando a produção do país de 1,3 milhão de barris diários para 1,6 milhão no próximo ano e para 1,8 milhão, em 2021.
No Canadá, o oleoduto da Linha 3, que levará o petróleo dos campos de Alberta para Wisconsin, está quase pronto e aguarda a permissão final. Especialistas em energia dizem que isso poderia aumentar a produção canadense em meio milhão de barris por dia, ou cerca de 10%.
Mas a mudança mais marcante será na Guiana, em que a Exxon Mobil fez uma série de grandes descobertas nos últimos quatro anos. A produção chegará a 120 mil barris por dia no início de 2020, aumentando para pelo menos 750 mil barris em 2025. E mais é esperado depois disso.
Fonte: O Globo