Desde o colapso do sistema de Bretton Woods, a relação entre crescimento econômico e câmbio real era tida como um assunto secundário na agenda de política macroeconômica. Foram inúmeros os estudos que mostraram que o regime cambial era neutro para estimular a atividade econômica, tendo como artigo clássico Baxter e Stockman (1989). Da mesma forma, Ghosh e outros (2003) argumentaram que regimes de câmbio administrado possuem o mesmo resultado em termos de performance econômica, quando comparados aos regimes de câmbio flutuante, mostrando que a administração da taxa de câmbio simplesmente não é capaz de aumentar o crescimento econômico.
A literatura mais recente, que é aparentemente desconhecida pelos economistas liberais brasileiros, tem apontado noutra direção. Tendo como foco os países em desenvolvimento, Rodrik (2008) mostrou que câmbio administrado e desvalorizado é eficaz em estimular o crescimento econômico. No entanto, o autor foi além e mostrou, ainda, que câmbio apreciado reduz o crescimento. Nesse sentido, além de defender a não neutralidade do regime cambial, Rodrik demonstrou que países que sistematicamente mantêm uma taxa de câmbio desvalorizada crescem mais rapidamente, porque essa estratégia amplia a taxa de retorno do capital e aumenta a produtividade da economia por meio de estímulo aos setores tradables.
Seguindo essa mesma linha, Eichengreen e Gupta (2012) argumentam que a produtividade marginal do trabalho (e consequentemente o retorno do capital) tende a ser maior nas atividades exportadoras. Dessa forma a adoção de uma estratégia "export-led", defendida pelos novo-desenvolvimentistas, aumenta a produtividade do trabalho na economia como um todo, desenvolve a indústria e permite maior desenvolvimento tecnológico com transbordamentos positivos para toda a economia em termos de crescimento econômico.
Câmbio desvalorizado amplia a taxa de retorno do capital e aumenta a produtividade da economia
Assim, fica evidente que a taxa de câmbio possui influência sobre investimento e, consequentemente, sobre o crescimento econômico, por diversos canais. Talvez, em decorrência desses inúmeros canais de influência, por vezes conflitantes, e devido à dificuldade em se estimar os efeitos do câmbio sobre as variáveis reais, que Pedro Cavalcante e Renato Fragelli, em recente artigo publicado no Valor, afirmaram que câmbio não afeta crescimento.
Na esteira dessa discussão, tendo como ponto de partida o modelo econométrico de Darby e outros (1999), publicado no prestigiado "Economic Journal", estimamos um modelo econométrico a respeito dos determinantes do investimento na indústria de transformação e extrativa brasileira levando em consideração não apenas os tradicionais efeitos do custo do capital e do mark-up, mas também incorporando elementos relacionados às oportunidades empresariais (modelado a partir do Q de Tobin) e às incertezas das decisões de investimento, capturado por distintos indicadores de volatilidade cambial. Como variável dependente, utilizamos o investimento por trabalhador, por entendermos que este constitui a variável relevante do ponto de vista do crescimento do produto de longo-prazo.
Ademais, a análise foi baseada em seis modelos com dados em painel, para os 30 setores industriais do sistema de contas nacionais e para minimizar os problemas de endogeneidade, ponto citado por nossos nobres colegas e também discutido nas estimativas de Rodrik, utilizamos inúmeras variáveis de controle e testamos a robustez dos resultados. Ao escolhermos a estimação por painel, consideramos as heterogeneidades setoriais (experimento não realizado por Darby e outros, mas sugerido pelos autores), permitindo uma análise mais detalhada do problema.
Os resultados estimados sugerem que o nível do câmbio real não apenas produz efeitos reais sobre a indústria brasileira, mas também a sua volatilidade (efeito incerteza) provoca impactos adversos sobre as decisões de investimento. Deve-se salientar que esse resultado não é uma novidade. Dixit (1989) e Belke e Gros (1998) mostram que a volatilidade afeta as decisões de investimento, mesmo da ausência de agentes avessos ao risco. Mahmood e Ali (2011) e Bleaney e Greenaway (2001), por exemplo, mostram que a volatilidade da taxa de câmbio impacta negativamente as decisões de investimento devido ao aumento da incerteza, enquanto que Kogut e Chang (1996) encontram resultados consistentes sobre os efeitos da taxa real de câmbio sobre os planos de investimentos, mostrando que a taxa real de câmbio possui efeitos reais sobre a economia.
Ou seja, uma leitura mais atenta e menos viesada do nosso artigo mostra não apenas que a taxa de câmbio e a sua volatilidade afetam as decisões de investimento dos agentes econômicos, como também que esse resultado é amplamente corroborado na literatura econômica relevante. Argumentar que a evidência entre câmbio e crescimento é rala, senão inexistente, é desconsiderar importantes resultados científicos publicados em periódicos de referência internacional.
Sobre os possíveis problemas metodológicos reportados pelos nobres colegas, em particular os relacionados à endogeneidade, vale uma leitura mais detalhada, não apenas do nosso artigo, mas também, apenas como ponto de partida, dos trabalhos de Rodrik e Darby. Além disso, devemos deixar claro também que a variável estimada no nosso modelo foi investimento por trabalhador e não crescimento, como afirmado por Cavalcante e Fragelli, num aparente "cochilo lógico".
Fonte: Valor Econômico/José Luis Oreiro é professor do Instituto de Economia da UFRJ/Flavio Basilio e Gustavo Souza são doutores em Economia pela Universidade de Brasília.
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