Sem recursos públicos suficientes e com demanda crescente para garantir segurança hídrica no futuro, o governo federal aposta em patrocínios privados para revitalizar as bacias hidrográficas brasileiras – regiões que abrangem os rios e seus afluentes. Para colocar o programa em pé, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) tenta aproveitar o movimento de valorização dos negócios que apostam na pauta ambiental – o tão falado ESG, sigla em inglês para os critérios ambiental, social e de governança, cada vez mais relevantes para o acesso ao crédito pelas empresas.
Na última segunda-feira, Dia Mundial da Água, dez empresas anunciaram que irão aportar recursos no programa, batizado de Águas Brasileiras, e, de acordo com o governo, outras 15 estão em processo de adesão.
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O foco inicial do projeto contempla quatro bacias: São Francisco, Parnaíba, Taquari e Tocantins-Araguaia. Nele, o governo sai do papel de executor de política pública para servir como um indutor de investimentos, apresentando projetos desenhados por instituições e empresas que visam recuperar essas regiões a investidores dispostos a injetar recursos em ações ambientais.
“É vantajoso para a empresa que assumir esse patrocínio, seja por eventualmente estar instalada em bacia na qual ela capta água, ou pela associação de sua imagem a um investimento em ações de sustentabilidade”, disse ao Estadão/Broadcast a chefe de gabinete da assessoria especial do ministro Rogério Marinho, Verônica Sánchez.
O ministério estima que o custo médio de recuperação dessas áreas é de R$ 40 mil por hectare. Há previsão do plantio de 100 milhões de árvores em dois anos e outras ações voltadas ao desassoreamento de rios, construção de pequenas barragens, recuperação de mata ciliar e nascentes, entre outras.
O Águas Brasileiras foi oficialmente lançado em dezembro do ano passado, mas o MDR e governos estaduais já experimentaram o modelo de parceria com o privado no projeto Juntos pelo Araguaia, que já está na etapa executiva com investimento privado de R$ 7 milhões. A responsável é a mineradora Anglo American, que tem sede em Londres e atua no Brasil há mais de 40 anos, com operações no Rio de Janeiro e em Goiás.
A empresa também está entre as dez empresas que formalizaram nesta semana a adesão ao Águas Brasileiras. O restante da lista é formado por Rumo Logística, Ambev, MRV Engenharia, Stone, Vale S.A, Engie Brasil, Bradesco, Caixa e JBS.
“Temos plena consciência de que somos hóspedes nos municípios onde operamos. O projeto está completamente alinhado com o que acreditamos, de contribuir para o meio ambiente e com as comunidades ao longo do rio que têm ou tiveram lá seu sustento e atividades econômicas prejudicadas com o assoreamento dos rios em alguns pontos”, disse ao Estadão/Broadcast o presidente da Anglo American no Brasil, Wilfred Bruijn.
O programa começou a se consolidar nas últimas semanas. Depois de abrir um processo seletivo que atraiu 48 propostas de revitalização, o governo selecionou 26 projetos. Eles começaram a ser apresentados à iniciativa privada por Marinho, que tem feito viagens para tratar do assunto com empresas, instituições financeiras e associações – potenciais patrocinadores.
Crédito
Os projetos carregam um atrativo para quem aceitar ser patrocinador. Todos precisaram estabelecer requisitos que permitam aos futuros investidores buscar a certificação do programa para a emissão de crédito de carbono, um item que só tende a se valorizar no mercado. “As empresas perceberam que aquelas que já têm práticas de sustentabilidade na sua cultura não só sobreviveram, mas passaram a crise de uma forma melhor, e com mais resiliência em relação a empresas que não têm essa pauta”, disse Sanchez.
Até o meio do ano, o governo pretende lançar uma plataforma que poderá ser permanentemente abastecida com outros planos de revitalização. Eles ficarão numa “prateleira virtual” para investidores interessados – uma espécie de “marketplace” de projetos validados pelo Executivo, que também disponibiliza um selo para os patrocinadores.
A assessora especial do ministério pondera que o Executivo não vai parar de fazer investimentos diretos nessa área. O programa, segundo ela, turbina as ações diante de um quadro fiscal apertado.
As áreas das quatro bacias prioritárias dentro do programa ‘Águas Brasileiras’ abrigam 24% da população brasileira, sendo que 30% são dependentes do programa Bolsa Família. Além disso, são regiões que concentram desafios de recuperação de áreas degradadas em razão do aumento do potencial agrícola e da necessidade de preservação da água.
Os números dão o alerta. A indústria utiliza mais de 200 mil litros de água por segundo, e na agricultura irrigada, isso chega a um milhão de litros por segundo. Há uma avaliação de que a incerteza da oferta da água pode afetar a produção econômica no futuro, um risco estimado em R$ 520 bilhões para 2035. Por outro lado, calcula-se que a cada R$ 1 investido em infraestrutura para a segurança hídrica, mais de R$ 15 são obtidos em benefícios associados à manutenção de atividades produtivas.
Fonte: Estadão